"Era importante haver um mercado com menos carga fiscal", defende Aniceto Viegas, diretor-geral da promotora Avenue, em entrevista.
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Promoção imobiliária em Portugal
Aniceto Viegas, diretor-geral da Avenue | Empreendimento Bonjardim, que fica concluído este ano Avenue

 "Era importante haver um mercado com menos carga fiscal, com capacidade para produzir um produto mais económico, mais adaptado ao grosso do segmento, que é o médio. Os outros segmentos são nichos, que são muito comunicados, profissionais, estão muito organizados, mas o grosso do mercado está no segmento médio". Aniceto Viegas, diretor-geral da Avenue, passa em revista ao idealista/news os primeiros anos de atividade da promotora imobiliária no país – está em Portugal desde 2015 –, levantando um pouco o véu, também, sobre os negócios imobiliários que estão na calha. Sobre o estado atual do setor, nomeadamente no segmento residencial, aponta o dedo à alta fiscalidade que existe no país, uma ideia, de resto, defendida por vários players do setor. “Faria toda a diferença a redução do IVA na construção nova. Mudava radicalmente o panorama”, conta. 

Na mesma entrevista, o responsável abre a porta à entrada da Avenue no segmento residencial médio, sendo que até à data a promotora tem apostado apenas num nicho de mercado mais direcionado para as classes alta e média/alta, além do mercado de escritórios: “Se houvesse oportunidade de quem está no segmento médio/alto ir para o segmento médio, através da revisão da tributação, íamos. Há muito negócio e o que se procura é alargar a oferta. Isso seria a forma de mudar o mercado”. 

Dos 17 projetos que integram o portfólio da empresa em território nacional, três estarão concluídos ainda este ano – Villa Infante, Bonjardim e EXEO Office Campus (são três edifícios e apenas um está ainda em obras, o Echo) – e outro em 2024, o Sandwoods. No papel estão ainda outros dois grandes empreendimentos, em Lisboa e Porto, que representam um investimento de 250 e 150 milhões de euros, respetivamente. Nestes casos, o segredo ainda é a alma do negócio.

Investimento imobiliário em Portugal
Vista aérea do edifício de escritórios EXEO Office Campus, em Lisboa Avenue


A Avenue está em Portugal desde 2015. Que balanço faz da atividade da empresa?

Desde 2015, contabilizando os investimentos já iniciados e os que se iniciarão em breve, estamos a falar de 17 projetos, dos quais dez concluídos. É um investimento global de cerca de 990 milhões de euros. E o imobiliário é algo que se planeia, ou seja, não se altera de um ano para o outro, não se interrompe a produção, são normalmente planeamentos a três, quatro anos e temos, depois, de viver no meio dos ciclos. 

Portugal é um país muito diferente do que era. É um mercado com pouca oferta. Antes tínhamos, normalmente, excesso de oferta, porque fazíamos todos com muita quantidade ao mesmo tempo. Surgia uma crise e tínhamos um volume importante para escoar. Isso deixou de acontecer, por isso considero que o mercado é mais saudável do que era. Inclusivamente, estamos até numa situação inversa, num mercado com pouca oferta.

Significa, então, que está a faltar um equilíbrio?

Se olharmos os segmentos que conhecemos melhor, habitação e escritórios, produz-se muito em função da procura, ou seja, não há ninguém que tenha uma grande quantidade de metros quadrados (m2) por colocar, o que é saudável para o mercado no seu todo. Porquê? Porque os promotores não sofrem e não estão numa situação de aflição. E, depois, todos os players que gravitam à volta, nomeadamente os bancos, também não estão expostos a riscos e à chamada dívida não desejada.

Fazendo um balanço, tivemos inicialmente uma visão muito centrada na reabilitação urbana, no segmento alto, no retalho de luxo, e sempre com foco em Lisboa e Porto e em projetos de menor escala.

Casas novas no Porto
Empreendimento 5º Porto, na cidade Invicta, já está concluído Avenue

E, como disse, mais direcionados para o segmento de luxo…

Sim, tinha muito a ver com a procura do momento. Era nomeadamente de estrangeiros, porque os portugueses estavam pouco ativos. O exercício é sempre delicado: como é uma atividade que se planeia bastante, com três ou quatro anos, temos de tentar perceber o que é que teremos pela frente. Em 2012, 2013, a leitura que fazíamos já apontava para que seriam essencialmente estrangeiros que iriam comprar casas e valorizar o centro da cidade. Já os portugueses preferiam viver em construção nova, mais afastados do centro. 

"Há o que o mercado precisa é há o que somos capazes de oferecer. O que se constata é que há uma clara falta de habitação, todas as pessoas o dizem"

Depois desta fase procurámos investir em escalas maiores e diversificámos também para o segmento de escritórios. Se antes os projetos eram mais pequenos, de reabilitação urbana e para o segmento alto no centro da cidade, hoje são maiores, de escritórios e habitação e não só no segmento alto, mas também no médio/alto. Não estamos, neste momento, no segmento puramente médio. 

A ideia passa agora por apostar noutras localizações, sem ser Lisboa e Porto?

Gostamos muito de centros urbanos. Temos uma exceção, o Sandwoods, em Cascais, mas também é de segmento alto. Foi uma oportunidade que surgiu e aproveitámos. 

Para a próxima fase, para os próximos três anos, por exemplo, o que é que o mercado está a pedir?

Há o que o mercado precisa é há o que somos capazes de oferecer. O que se constata é que há uma clara falta de habitação, todas as pessoas o dizem. O segmento médio pede muito, e os jovens também, que haja habitação, mas esta tem de corresponder a um determinado orçamento e que haja capacidade para pagar esta habitação. Aqui entramos no que o mercado quer e no que consegue fazer. E não conseguimos fazer. Temos de ser muito objetivos, neste momento, dentro do que são os custos diretos do desenvolvimento de um projeto, entre o terreno, a construção e a carga fiscal… não dá. 

Por falar em terrenos, rentabilizá-los poderia ser uma boa solução para aumentar a oferta?

O Estado poderia criar uma bolsa. E não vale a pena limitar os segmentos, porque o mercado muito naturalmente consegue organizar-se, porque nem toda a gente quer fazer os mesmos segmentos. E depois é muito a lei da oferta e da procura.

Se há segmento de mercado que se mantém resiliente é o residencial alto, certo? 

Sim. Temos muito a tendência de dizer que é um segmento para estrangeiros, não é verdade. É também um segmento de portugueses, felizmente. 

"Temos muito a tendência de dizer que o segmento alto é para estrangeiros, não é verdade. É também um segmento de portugueses, felizmente. Cerca de 60% dos nossos clientes são portugueses, em média" 

No caso dos projetos da Avenue, a maioria dos clientes é de nacionalidade portuguesa?

Sim, cerca de 60% dos clientes são portugueses, em média. Entre os estrangeiros, destaque para os brasileiros, que estiveram sempre muito ativos, mas foram perdendo quota. Se calhar no início da nossa atividade representavam 40% e agora cerca de 20%. Mais recentemente, destaque para o aparecimento dos norte-americanos, que não estavam de todo presentes no mercado.

Viver em casas de luxo
Empreendimento Sandwoods, em Cascais, fica concluído em 2024 Avenue

O fim dos vistos gold e dos RNH, por exemplo, pode, de alguma forma, afugentar estes investidores?

É uma análise muito difícil. Foi uma solução criada e extremamente importante para nós, para podermos escoar produto. Tínhamos um excesso de oferta que precisava de ser colocada. Foram dois instrumentos muito importantes naquele momento [2009 e 2012]. Hoje era uma vantagem, um aspeto positivo. Só saberemos a prazo se terá ou não impacto. A verdade é que, na altura, as pessoas fugiam do centro da cidade, ninguém queria viver no centro. E de repente está bonito e as pessoas querem viver lá.

No caso dos RNH, provavelmente vai tirar-nos alguma vantagem competitiva. Percebe-se o discurso de “porque é que os nacionais pagam mais impostos e os estrangeiros menos”? Pagam menos porque queríamos atraí-los. Mas é como disse: temos de ver a prazo que impacto tem. 

O ideal seria conjugar os dois “mundos”, manter estes instrumentos e, ao mesmo tempo, aumentar a oferta de habitação para a classe média?

Sem dúvida, mas é difícil. Veremos. Mas sem dúvida que os segmentos médio/alto e alto continuam a estar ativos e continuamos a querer estar presentes nos mesmos. 

Considera, então, que o contexto atual, marcado por altas taxas de juro, por exemplo, não terá grande impacto no segmento de luxo?

Dentro dos produtos que temos, que é segmento de habitação médio/alto no Porto e alto em Lisboa, não sentimos um decréscimo de vendas e não tivemos revisão de preços em baixa.

No caso do mercado de escritórios, também sentimos uma atividade muito forte nestes últimos anos. Acabámos, por acaso, de fechar 100% de colocação do EXEO Office Campus, no Parque das Nações (Lisboa). O Aura e o Echo já estavam ocupados a 100% pelo BNP Paribas, faltava finalizar a ocupação do Lumnia, e ficou hoje [18 de outubro de 2023] ocupada a última fração do segundo piso. Mas não posso dar mais informações (risos). 

Já que fala em escritórios, mais espaço houvesse e haveria mais empresas a vir para Portugal. Concorda com esta visão?

Se olharmos para os números das transações de Lisboa, entre janeiro e agosto, fala-se mais ou menos de 60.000 m2 transacionados, o que é muito baixo, até porque o valor andou sempre, em média, nos 180.000 m2. Ou seja, se em três trimestres estamos com 60.000 m2, temos de ter muita atividade no último trimestre para chegar perto do 180.000 m2, e seguramente que não vamos chegar a esse número. Porquê? Porque não há oferta. Mais oferta houvesse de qualidade e teríamos muito mais transações. O país, neste aspeto, colocou-se numa posição extremamente boa nos últimos anos e soube vender a marca Portugal. 

Falemos sobre os atrasos nos licenciamentos, um dos problemas mais visados pelos promotores imobiliários em Lisboa. A Avenue tem também razões de queixa?

Tem sido um problema relevante e tem um impacto muito grande na nossa cadeia de valor. Por exemplo, o novo investimento que temos em Lisboa arrastou-se desnecessariamente. A ideia era tê-lo com menos dois anos. A Câmara Municipal de Lisboa tem tido muitos atrasos burocráticos. No entanto, e sendo justo, sentimos uma vontade mais recente de querer acelerar processos. Nem se trata de acelerar, é pelo menos de não acumular mais atrasos. Nos últimos dois anos tem sido penoso e prejudica muito o preço final dos imóveis. 

[Atrasos nos licenciamentos?] Tem sido um problema relevante e tem um impacto muito grande na nossa cadeia de valor. Por exemplo, o novo investimento que temos em Lisboa arrastou-se desnecessariamente"

O Porto, neste aspeto, tem sido uma cidade muito mais organizada e com processos muito mais previsíveis. É que um atraso tem um impacto no preço, e conseguimos quantificá-lo: cada ano de atraso são 500 euros por m2, em média. Dois anos de atraso são 1.000 euros por m2, mas desde que não aconteça nada pelo meio. Entretanto acontecem duas coisas: há um aumento do custo de construção, que se reflete no preço final, e das taxas de juro, que não impactam só o comprador final, porque dentro da cadeia de valor todos recorremos ao financiamento bancário. [Ou seja] temos um custo agravado. Diria que isto é o efeito muito negativo de um atraso administrativo. 

Já para não falar de outro tema, a previsibilidade. Os imprevistos acontecem naturalmente no nosso negócio e temos de saber viver com eles, mas dizer que invisto hoje e estou a ter o retorno do investimento daqui a três anos é uma coisa e dizer que, se calhar, é daqui a cinco ou seis anos é outra coisa. Isto é terrível.

Casas de luxo em Lisboa
Condomínio Villa Infante, em Lisboa, estará concluído este ano Avenue

Sobre o Programa Mais habitação e o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024). Considera que o Governo podia ter ido mais longe, nomeadamente com a diminuição do IVA na construção?

O mercado foi muito crítico, com alguma razão, sobre o programa Mais Habitação. Nem tudo é mau. No caso dos licenciamentos, há uma grande vontade de simplificar os processos e isto, se for implementado, é uma revolução, porque reduz drasticamente os prazos. Diria que é o lado extremamente positivo do programa. Vamos ver como é que as câmaras incorporam esta nova legislação. O segundo ponto que é interessante é a conversão de terrenos para habitação automaticamente se tiverem uso industrial ou de escritórios, não tendo de haver uma alteração de PDM, etc.

Agora, poderiam e deveriam [o Governo] ir mais longe nas questões da fiscalidade. Portugal tem uma carga fiscal excessiva na habitação. Faria toda a diferença a redução do IVA na construção nova. Mudava radicalmente o panorama.

É, de resto, uma solução já em vigor noutros países, certo?

Não conheço a tributação de todos os países, mas em dois nos quais trabalhei, o mercado espanhol e o francês, o IVA é dedutível, não é um custo. 

E acabaria por aumentar, assim a oferta de casas no mercado?

Obviamente. E cria concorrência. O pior que se pode fazer a um privado é haver concorrência, é o que o obriga a reinventar-se, a lutar. Não é imposições, barreiras… Isso não resolve, afasta.

"Era importante haver um mercado com menos carga fiscal, com capacidade para produzir um produto mais económico, mais adaptado ao grosso do segmento, que é o médio" 

Por falar em concorrência no setor da promoção imobiliária, tem sido intensa?

Claro. Era importante haver um mercado com menos carga fiscal, com capacidade para produzir um produto mais económico, mais adaptado ao grosso do segmento, que é o médio. Os outros segmentos são nichos, que são muito comunicados, profissionais, estão muito organizados, mas o grosso do mercado está no segmento médio. Se houvesse oportunidade de quem está no segmento médio/alto ir para o segmento médio, através da revisão da tributação, nós íamos. Há muito negócio e o que se procura é alargar a oferta. Isso seria a forma de mudar o mercado.

De uma coisa parece não haver dúvidas: a Avenue está de pedra e cal em Portugal!

Temos um portfólio com cerca de 1.300 fogos, sendo que 500 estão feitos ou em fase final de conclusão e 800 por fazer. E se olharmos para o mercado de escritórios, temos cerca de 97.000 m2, sendo que 70.000 m2 estão feitos e 27.000 m2 são para fazer. Diria que não há dúvidas sobre isso.

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