"Se se fecharem os processos em ‘pipeline’ até final de 2024 teremos um ano recorde”, antecipa Miguel Nascimento, da RPE Portugal.
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Retalho em Portugal
Sintra Retail Park | Miguel Nascimento, Head of Retail da RPE Portugal RPE Portugal

O segmento de retalho – centros comerciais, retail parks, comércio de rua e supermercados – em Portugal está cada vez mais no radar dos investidores imobiliários. Em entrevista ao idealista/news, Miguel Nascimento, Head of Retail da consultora imobiliária RPE Portugal, confirma esse cenário, salientando que o ano de “2024 está a revelar-se excecional” e que “o primeiro trimestre de 2025 também deverá sentir esse ‘momentum’, com o fecho de processos que vão transitar de 2024”.

Segundo o responsável, há vários “processos estruturados de venda em curso” neste segmento do imobiliário comercial, pelo que se antevê um final de ano animado. “Os anos áureos de transações de retalho em Portugal numa retrospetiva de uma década foram 2018 e 2019. Se se fecharem os processos em ‘pipeline’ até final de 2024 teremos um ano recorde”, antecipa o especialista.

A consultora RPE Portugal, recorde-se, aterrou em Portugal em 2015, tendo sido fundada em 2010 em Londres (Reino Unido). Tem escritórios também em Madrid (Espanha) e atua apenas na Ibéria.

Investimento em retalho em Portugal
Continente Montijo RPE Portugal

O setor de retalho em Portugal parece despertar cada vez mais o interesse dos investidores imobiliários. A que se deve este cenário?

O setor de retalho sempre teve um peso muito importante no mercado português de investimento. Apenas em 2021 e parte de 2022 os investidores estiveram afastados deste setor, no que se refere a centros comerciais e retail parks, devido ao impacto social da pandemia na performance, com diminuição de vendas e visitantes. Mas no setor alimentar, ou seja, supermercados, continuou a haver interesse e até concretização de investimento, até por parte de investidores internacionais. Este período poderia ter sido uma oportunidade para o comércio online se impor ao comercio físico nas lojas, o que não aconteceu.

Desde então, a performance geral dos ativos de retalho tem sempre melhorado, com algumas situações em 2022 e mais geral em 2023 a superarem volumes de vendas de 2019. O setor continua também a mostrar bastante dinamismo com a entrada de novas marcas internacionais, principalmente em retail parks. A ocupação dos centros manteve-se sempre muito alta, mesmo durante a pandemia, o que é um fator adicional de confiança.

Todo este dinamismo tem mostrado uma solidez forte dos ativos e acima de tudo demonstrou como o retalho online não teve impacto significativo. Isso também afastou muitos receios.

Acrescentaria ainda dois pontos de contexto importantes: 

  • Houve um hiato de quase dois anos de ausência de transações no mercado de ativos de retalho, o que gerou um acumular de produto e de capital que hoje, em 2024, se juntam; 
  • O financiamento bancário a grandes volumes de retalho (centros comerciais e retail parks) está também mais facilitado face a 2020 e 2021, e há perspetivas que o financiamento fique mais barato face a 2022 e 2023 com as descidas das taxas de juro centrais.

Em suma, os fatores que levaram a um maior interesse dos investidores nos ativos de retalho em Portugal foi a excelente performance dos ativos, associado a um momento de mais capital disponível e financiamento mais flexível.

O que leva os investidores, nomeadamente os estrangeiros, a manterem Portugal no radar?

Um dos pontos importantes é a estabilidade do país que transmite confiança no futuro. Estabilidade política (já esteve melhor) e financeira (onde a dívida soberana parece estar controlada). Este fator é visível no preço da dívida soberana portuguesa, que é bastante atrativa face ao preço da dívida de outros países europeus.

O mercado imobiliário português é também já bastante aberto ao capital estrangeiro, onde muitos ativos são de proprietários internacionais, o que também gera confiança para que novos investidores olhem para o nosso mercado. O imobiliário português é muito internacional.

"Em termos ocupacionais, e focando o setor do retalho, o mercado é já bastante internacional e variado, com muitas novas marcas internacionais a querem entrar em Portugal para aproveitar os níveis altos e crescentes de vendas. Esta procura forte leva aos atuais níveis altos de ocupação dos ativos. A presença de grandes marcas internacionais, interessadas em expandir as suas operações ou entrar no mercado português, é um fator que gera confiança entre os investidores, especialmente os estrangeiros"

Em termos ocupacionais, e focando o setor do retalho, o mercado é já bastante internacional e variado, com muitas novas marcas internacionais a querem entrar em Portugal para aproveitar os níveis altos e crescentes de vendas. Esta procura forte leva aos atuais níveis altos de ocupação dos ativos. A presença de grandes marcas internacionais, interessadas em expandir as suas operações ou entrar no mercado português, é um fator que gera confiança entre os investidores, especialmente os estrangeiros.

A qualidade dos ativos portugueses é também um fator importante. No que respeita aos centros comerciais, a qualidade do stock é muito boa, com boas localizações e bons acessos e desempenhos de vendas e ocupação. Os retail parks são um conceito mais recente em Portugal, que sofreu menos com a pandemia, recuperou mais rapidamente e tem uma forte procura por parte dos lojistas. Por fim, os operadores de distribuição alimentar têm expandido fortemente o número de supermercados, gerando por isso mais ativos para o mercado de investimento.

Por fim, em especial para os investidores estrangeiros, há as razões habituais que acabam por ter o seu papel: somos um país “na moda” em termos turísticos e temos uma literacia de inglês acima da média europeia.

Por segmento, qual é mais atrativo para Portugal: centros comerciais, retail parks, comércio de rua ou supermercados?

Este ano, o segmento dos centros comerciais está de facto muito forte, e haverá mais transações até final do ano de 2024 e primeiro trimestre de 2025. A boa performance deste segmento em termos de vendas e ocupação, disponibilidade de financiamento, acumulação de produto para comprar desde 2020/21 e o aumento de liquidez disponível no mercado, combinaram-se de forma excecional este ano. Os retail parks despertaram sempre interesse, mas há mais limitação de produto, mas mesmo assim houve transações importantes fechadas e algumas que poderão fechar até final do ano.

No caso dos supermercados, por se tratar de contratos simples e longos, o tipo de investidor é diferente. Estas características fazem com que seja um produto procurado em quase qualquer ciclo económico, bom ou mau. Aqui a dificuldade é encontrar produto disponível para ser transacionado. 

O comércio de rua é o segmento que se mostrou menos atrativo este ano, porque também é onde há menos produto. A localização dos ativos tem toda a importância e as zonas mais atrativas para investidores são muito limitadas. No passado, as yields comprimiram bastante o que provocou uma diferença maior entre o valor que um proprietário está disposto a vender e o valor que o mercado pode oferecer. Isso está a limitar bastante o volume de transações de comércio de rua este ano.

Como vai ser 2025? Vamos ver, mas estou confiante que o interesse no segmento de retalho estará forte novamente.

Retalho em alta em Portugal
RPE Portugal

E quais os perfis dos investidores que mais se destacam, bem como a sua origem?

Os perfis e origens dos investidores são diferentes, o que mostra a abertura e interesse em Portugal.

No caso dos centros comerciais, os investidores interessados são, na maioria, especialistas. Têm a capacidade de olhar para os ativos na ótica de acrescentar valor por via comercial de melhoria de ‘tenant mix’, seja por melhorias estéticas via remodelação ou de expansão para trazer novas marcas fortes para maior consolidação dos ativos. Como é um segmento onde o volume por ativo ou por transação é muito grande, os investidores são essencialmente estrangeiros e institucionais.

No caso de retail parks, o perfil de investidor é mais variado. Há os especializados, em que a Mitiska é um exemplo muito claro enquanto promotor e também investidor, mas há também investidores mais generalistas que procuram rendimento a médio prazo. É um ativo mais simples, com menos contratos, menos zonas comuns, menos necessidade de gestão corrente. Este segmento mostra mais equilíbrio entre investidores portugueses e estrangeiros, bem como entre perfis institucionais e privados.

Os investidores em supermercados são claramente de longo prazo. Aqui há uma variedade grande de perfil, dependendo dos volumes em causa. A procura por portfólios de ativos é essencialmente de investidores institucionais, quer fundos portugueses quer estrangeiros. Muitos são generalistas que procuram essencialmente contratos longos e bons inquilinos, mas muitas vezes procuram retalho, logística ou industrial. Mas também há investidores estrangeiros especializados em retalho alimentar, neste caso fundos de investimentos estrangeiros, e estes tipicamente procuram grandes volumes acima de 40 milhões de euros. Quando se trata de ativos granulares, estes normalmente são absorvidos por compradores nacionais privados ou ‘family offices’.

No caso do comércio de rua, há menos investidores institucionais e estrangeiros interessados em comprar ativos deste tipo, mas penso tratar-se de um momento, um ciclo que irá mudar.

Em termos de origem geográfica deste capital, os investidores que têm investido em Portugal em imobiliário comercial têm origem bastante diversificada: África do Sul, Europa Central (França, Alemanha ou asiático via Londres, e não só), Europa de Leste, Brasil e também norte-americana (EUA e Canadá). Em Espanha tem também havido capital da América Latina, mas que tem procurado menos Portugal.

Quais foram os principais negócios que se realizaram em 2024 no segmento de retalho, quais destacaria e quais os montantes envolvidos?

Os negócios de maior volume transacionados e anunciados na imprensa foram a venda do Alegro Montijo pela Ceetrus (braço imobiliário do Grupo que detém também a Auchan) à Lighthouse, empresa sul-africana especializada em centros comerciais, uma transação de 178 milhões de euros, e também a venda de um portfolio de três centros comerciais (Rio Sul, Loureshopping e 8Avenida) por parte da Harbert (um fundo de capital de risco americano) à Castellana, outra empresa de capital sul-africano, por 177 milhões de euros. E esperamos dentro de dias anunciar mais transações de retalho relevantes.

Além disso, no início de 2024 foi também transacionado o Sintra Retail Park, vendido pela Ceetrus à AMAlpha, empresa de capital alemão, e com participação de capital espanhol na compra. E mais está para acontecer até final do ano.

A RPE teve o privilégio de ter assistido os vendedores nestas principais transações de retalho em Portugal em 2024.

É de esperar que haja mais negócios no segmento de retalho em Portugal até final do ano? O que nos pode adiantar? Será 2024 um dos melhores anos de sempre para o setor do retalho no país? 

Há mais processos estruturados de venda em curso, alguns a terminar antes do final do ano e outros provavelmente no primeiro trimestre do próximo ano, em todos os segmentos: centros comerciais, retail parks e supermercados.

"2024 está a revelar-se excecional e o primeiro trimestre de 2025 também deverá ainda sentir esse ‘momentum’, com o fecho de processos que vão transitar de 2024. (...) Os anos áureos de transações de retalho em Portugal numa retrospetiva de uma década foram 2018 e 2019. Se se fecharem os processos em 'pipeline' até final de 2024 teremos um ano recorde"

2024 está a revelar-se excecional e o primeiro trimestre de 2025 também deverá ainda sentir esse ‘momentum’, com o fecho de processos que vão transitar de 2024. Neste período de 12-15 meses devem ser transacionados cerca de mil a 1,2 mil milhões de euros em retalho (dos quais 400 milhões estão fechados). É expectável que a segunda metade de 2025 venha a ser de normalização.

Os anos áureos de transações de retalho em Portugal numa retrospetiva de uma década foram 2018 e 2019. Se se fecharem os processos em 'pipeline' até final de 2024 teremos um ano recorde.

Supermercados em Portugal
Alegro Montijo RPE Portugal

O BCE, depois de sucessivos aumentos das taxas de juro diretoras, avançou com um novo corte dos juros e pede flexibilidade na política monetária. Que impacto tem esta decisão para o setor imobiliário em Portugal? E em concreto para o segmento do retalho?

O impacto direto é positivo para o mercado imobiliário em geral e para o retalho em particular também. Taxas de juro diretoras mais baixas significa financiamento mais barato, o que implica mais liquidez para o mercado. 

Mas temos de nos lembrar que a política monetária expansionista é usada para estimular a economia real. Vemos a economia alemã e francesa a ritmos lentos e, até na nossa, as previsões para 2025 são de menos crescimento no próximo ano face ao que estamos a ter este ano, ou seja, mais prudentes. Assim, se por um lado pode vir a haver mais liquidez no mercado por estímulo da política monetária, por outro lado pode haver uma estabilização ou crescimento mais ténue do consumo que vai ser menos positivo na performance dos ativos de retalho.

Quais são os principais desafios que enfrenta o setor imobiliário em Portugal, nomeadamente no segmento de retalho?

Os desafios são vários, alguns intrínsecos do mercado, outros mais externos, impostos pelo contexto de poucas barreiras à entrada e saída de capital.

Um desafio intrínseco é o lugar-comum de sermos um mercado pequeno e limitado. Isto é, o stock de ativos disponível é limitado. Se tivermos em conta que os investidores estrangeiros e institucionais tendem a concentrar-se em Lisboa, Porto e Algarve, vemos como o stock de ativos não é muito abundante. No caso de investidores de supermercados o tema localização já inclui outras cidades, porque o que o investidor procura é o baixo risco de contratos longos e um bom inquilino. Este tipo de ativos habitualmente é transacionado em pacotes e os compradores tendem a manter os ativos durante bastante tempo, contribuindo para o stock disponível ser limitado.

Um outro grande desafio será a melhoria das economias europeias, que poderá captar a atenção desses fundos internacionais que vão procurar compressões de yields em economias historicamente mais sólidas, retirando algum palco a Portugal. Temos sempre de nos lembrar que o nosso campeonato é global, com baixas barreiras à entrada e também à saída de capital.

Que conselhos dá aos investidores que estão a pensar investir em imobiliário no país, nomeadamente no segmento de retalho? 

Felizmente, não temos de explicar o sucesso de Portugal e como somos um país com as contas em ordem, a bater recordes de receitas de turismo a cada ano e com estabilidade. Esse foi um discurso necessário há 10 anos, mas hoje não é necessário, porque os factos são conhecidos pelos investidores.

Normalmente explicamos aos investidores como o retalho em Portugal funciona bem, com vendas a crescer acima da inflação, impulsionado por ativos sólidos, stock em excelentes localizações, com excelentes fundamentais (vendas, visitantes, alta ocupação) ao melhor nível do que sucede no resto da Europa. Algo que pode ser surpreendente para o público em geral, mas temos em Portugal centros comerciais ao melhor nível europeu, alguns 'case-studies'.

"Explicamos aos investidores como o retalho em Portugal funciona bem, com vendas a crescer acima da inflação, impulsionado por ativos sólidos, stock em excelentes localizações, com excelentes fundamentais (...). Temos em Portugal centros comerciais ao melhor nível europeu, alguns 'case-studies'"

Mas nem todos os investidores procuram produtos ‘core’, nem todos os ativos de retalho em Portugal são ‘core’. Por isso, o casamento entre o interesse de investidores e disponibilidade de stock tem de ser feito de forma criteriosa para ser eficiente.

Para um investidor que não conhece Portugal, tem de, em paralelo, procurar conhecer o enquadramento legal e fiscal do país uma vez que, por exemplo, em termos de fiscalidade, o imposto na compra de um imóvel em Portugal é bastante superior ao que é pago em Espanha. 

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