
O leque de terrenos disponíveis para construir casas acessíveis em Portugal deverá aumentar em breve, assim que as autarquias começarem a reclassificar terrenos rústicos em urbanos. Acontece que esta nova lei dos solos, embora controle o preço das habitações, nada diz sobre um limite no custo dos solos rústicos. É por isso que os especialistas em imobiliário ouvidos pelo idealista/news temem que a reclassificação de terrenos rústicos em urbanos leve a uma escalada dos preços destas parcelas, comprometendo o objetivo de colocar mais casas a preços acessíveis no mercado residencial português.
Esta alteração à lei dos solos desenhada pelo Governo de Montenegro, no âmbito do seu programa Construir Portugal, visa aumentar a oferta de terrenos à venda no país, dando capacidade aos municípios para reclassificar os solos rústicos em urbanos, na condição de ali serem construídas, sobretudo, habitações a preços acessíveis à classe média. "A falta de terrenos tem sido uma das principais causas do elevado custo da habitação”, argumentou Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão Territorial.
Já estão identificados em Portugal 11.493 terrenos classificados como rústicos à venda no país entre agosto e outubro, com a maior oferta reunida nos concelhos de Castelo Branco (435) e de Loulé (340). Os dados do idealista/data mostram, por outro lado, que os solos rústicos para venda são escassos no município de Lisboa (há apenas 14), assim como no Porto (28).
Em que dimensão esta oferta de terrenos rústicos à venda poderá aumentar com a nova lei dos solos? Para João Braz, responsável pelo idealista/data em Portugal, ainda “é prematuro medir o impacto real que esta medida poderá ter na oferta e procura de terrenos rústicos, até porque a decisão de quais serão os terrenos abrangidos compete aos órgãos municipais, com base nos seus critérios específicos de ordenamento do território, sendo que os proprietários não poderão iniciar diretamente o processo de reclassificação dos seus terrenos”, podendo apenas avançar com manifestações de interesse neste sentido.

Terrenos rústicos à venda: preços podem aumentar depois da reclassificação
Hoje, os terrenos rústicos à venda em Portugal têm preços bem dispares, que variam consoante a localização e oferta disponível, segundo se pode analisar a partir dos mesmos dados. Enquanto no município de Lisboa os solos rurais têm o custo mediano de 1.500 euros/m2, em Almodôvar e em Mértola (Beja), o preço dos solos rústicos é de apenas 0,7 euros/m2 (o valor mais baixo do país).
Mas como é que vão evoluir os preços dos terrenos rústicos depois de serem convertidos em urbanos, possibilitando a construção de habitação acessível? Demétrio Alves, investigador em Planeamento e Ordenamento do Território no Instituto Superior Técnico, não tem dúvidas: “É evidente que o preço do solo vai logo subir”, disse citado pela CNN Portugal. E receia ainda que a nova lei dos solos “vá desordenar o território para favorecer a especulação imobiliária”.
Os vários especialistas em imobiliário ouvidos pelo idealista/news admitem que esta nova lei dos solos poderá, sim, ter impacto em alta no preço dos terrenos rústicos depois de serem classificados como urbanos pelas autarquias. “A reclassificação dos terrenos irá obviamente ter impacto nos preços desses ativos”, antecipa João Braz.
"É provável que a procura crescente por terrenos elegíveis para reclassificação conduza a um aumento do seu valor", Ana Jordão, Residential Business Development Director da Savills
Também Ana Jordão, Residential Business Development Director da Savills, diz que “é provável que a procura crescente por terrenos elegíveis para reclassificação conduza a um aumento do seu valor. Mas “o impacto nos preços dependerá da aplicação eficaz da lei, da clareza nos critérios de reclassificação e do controlo sobre possíveis práticas especulativas”, acrescenta.
Na mesma linha, Andreia Fernandes da Costa, Associate Director de Planeamento e Urbanismo na CBRE Portugal, reconhece que “toda e qualquer medida que agilize uma alteração que antes era morosa ou em muitos casos impossível, pode promover alguma especulação sobre os terrenos”.
O cenário futuro do custo dos terrenos rústicos “poderá ser semelhante ao existente antes da atual versão da lei dos solos, que terminou com os terrenos urbanizáveis. Ou seja, lotes na proximidade dos perímetros urbanos apresentavam valores que em nada estavam relacionados com a operação agrícola dos mesmos", considera Guilherme Antunes Ferreira, Head of Value and Risk Advisory na JLL Portugal. No entanto, para já, considera que é " difícil dizer que impacto haverá no valor dos terrenos, sem que se perceba como as câmaras municipais vão alterar os usos do solo".

Custo dos terrenos rurais deveria ser regulado
Uma das críticas que Hugo Santo Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), deixa à nova lei dos solos prende-se precisamente por querer “controlar o preço final das habitações sem abordar o custo dos terrenos”.
Também Andreia Fernandes da Costa, da CBRE Portugal, diz que o papel do legislador passa por “criar regras que evitem a escalada dos valores dos terrenos rústicos para os dos terrenos urbanos, sob pena de a nova medida não ser financeiramente atrativa e culminarmos na situação em que estamos hoje”.
Estas considerações dos especialistas relativas ao custo dos terrenos rústicos poderão ser tidas em conta na versão final da lei dos solos, que ainda vai seguir para a audição de várias entidades, como é o caso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Caso continue tal como está, a ausência de controlo dos custos iniciais e a potencial subida dos preços dos terrenos rústicos reclassificados poderá “gerar incertezas que afastam o interesse dos promotores imobiliários”, alerta Hugo Santo Ferreira. Em última análise, tudo isto poderá mesmo “limitar um dos objetivos desta iniciativa” que passa por construir casas a preços moderados, acrescenta. Isto porque os preços dos solos rurais terão de ser absorvidos no preço final das habitações.
A ausência de incentivos fiscais, como a redução do IVA na construção nova de 23% para 6%, é outro fator que deverá limitar a oferta de casas acessíveis, apontaram os vários profissionais do imobiliário em declarações ao idealista/news.

Como vender ou comprar um terreno rústico?
Esta nova lei dos solos traz também um conjunto de aspetos extra para os proprietários que querem vender terrenos rústicos reclassificados, bem como para os potenciais compradores destes solos.
“Para quem quer vender terrenos rústicos passíveis de reclassificação, importará verificar ou criar as condições para que tal suceda”, começa por explicar Eduardo Gonçalves Rodrigues, sócio de Urbanismo da Sérvulo. Ou seja, aqui a venda de um terreno rústico reclassificado como urbano inclui as obrigações relacionadas com a construção de casas acessíveis, nomeadamente os preços de venda de 70% das habitações estão limitados, “sem prejuízo de uma parte do projeto habitacional (cerca de 30%) poder ficar livre de restrições de preços de venda”.
Portanto, segundo o especialista, “o recurso a instrumentos contratuais que permitam identificar os principais marcos para a conclusão da venda será outro aspeto importante a considerar”, não esquecendo “a possibilidade de caducidade da classificação do solo”.

No caso dos potenciais compradores de terrenos rústicos, o sócio de Urbanismo da Sérvulo aconselha, desde logo, “verificar a existência de condicionantes que possam impedir a reclassificação do solo para urbano”. Isto porque “estas condicionantes poderão resultar da existência de regimes legais específicos ou até da impossibilidade de promover uma unidade harmoniosa com a restante malha urbana”.
Por outro lado, os futuros investidores – como promotores imobiliários interessados em projetos de raiz, family offices ou até cooperativas de habitação – devem também fazer contas à rentabilização dos projetos habitacionais, considerando que a maioria das casas têm de ter preços acessíveis e os valores dos terrenos poderão aumentar. “Para quem pretende desenvolver um projeto para vender é muito importante o rigor dos cálculos, para evitar perdas não absorvíveis pelo preço final”, resume Eduardo Gonçalves Rodrigues.
Para que este tipo de negócio funcione no futuro, terá de haver “um maior esforço de aproximação entre o vendedor e o comprador, pois o prazo curto em que o projeto deve ser concluído [cerca de 5 anos] não se compadecerá de períodos de negociações, que atualmente chegam a levar anos”, acrescenta ainda o especialista em urbanismo. Além disso, o próprio custo das infraestruturas e as garantias relacionadas com as obras de urbanização encontram-se sujeitos a flutuações do mercado, pelo que “será importante fechar as negociações neste campo com a maior rapidez possível, de forma a diminuir o risco”, sustenta.
Espera-se ainda que esta nova legislação promova “uma aproximação entre os promotores privados e os municípios”, sendo por isso “essencial a aprovação urgente de medidas que assegurem o desenvolvimento e reforço da transparência de todos os processos neste âmbito”, considera Cristina Alves de Freitas, Sócia da PAF Advogados.
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