A construção de habitação acessível poderá ganhar um novo ânimo com a nova lei dos solos, que vem facilitar a conversão de terrenos rústicos em urbanos, permitindo que se construa onde antes não se podia. Apesar de ser considerada uma medida "positiva" para combater a crise da habitação em Portugal, os especialistas em imobiliário ouvidos pelo idealista/news dizem que o seu impacto pode ser limitado se não forem criados incentivos fiscais, como a redução do IVA para 6% na construção nova. E há ainda o risco de criar áreas urbanas isoladas. É por isso que deixam um alerta: esta nova lei dos solos só irá aumentar a oferta de habitação acessível se houver articulação com municípios, desburocratização de processos e incentivos fiscais para atrair promotores e investidores imobiliários.
- Nova lei dos solos é “positiva” para resolver crise da habitação
- Os desafios e limitações da lei dos solos para construir casas acessíveis
- Que investidores podem estar interessados em construir casas em terrenos rústicos? E onde?
- Que custos têm de ter em conta os investidores para construir casas?
- Preço das casas vão demorar a descer
Foi no passado dia 28 de novembro, que o Conselho de Ministros aprovou a alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que faz parte do programa Construir Portugal. Com esta mudança legislativa à lei dos solos, passará a ser possível construir habitação (sobretudo acessível) em terrenos rústicos, se os municípios assim o considerarem. Ou seja, este diploma pode ajudar a aumentar as zonas residenciais do país, onde antes era proibido ou muito limitado edificar.
Agora, aguarda-se que esta alteração à lei dos solos siga para audições de várias entidades, como é o caso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), sendo que os municípios têm um papel fundamental em todo o processo. Contactada pelo idealista/news, a ANMP liderada por Luísa Salgueiro admitiu ainda não ter conhecimento da proposta de diploma do Governo da AD relativa à reclassificação do solo rústico em urbano, considerando “ainda ser cedo para fazer qualquer avaliação da medida anunciada”.
Nova lei dos solos é “positiva” para resolver crise da habitação
Embora o diploma final da nova lei dos solos ainda não seja de domínio público, os vários especialistas em imobiliário ouvidos pelo idealista/news consideram que, à priori, a medida é "positiva" e que está no caminho certo. Mas admitem que esta iniciativa legislativa sozinha não irá conseguir impulsionar a construção de habitação acessível, uma vez que faltam incentivos fiscais.
“O alargamento dos terrenos disponíveis para construção, através da reclassificação de terrenos rústicos em urbanos para construção de nova habitação é uma medida positiva, que há muito reclamamos e que poderá contribuir para o aumento da oferta de habitação a preços acessíveis para a classe média”, aponta Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN).
“A nova lei representa um avanço importante no combate à crise habitacional em Portugal, permitindo maior flexibilidade na reclassificação de solos para fins urbanos, especialmente para a construção de habitação pública”, comenta Ana Jordão, Residential Business Development Director da Savills, considerando que será “fundamental assegurar que a implementação da lei seja clara, eficiente e equilibrada”.
Para Guilherme Antunes Ferreira, Head of Value and Risk Advisory JLL Portugal, estas alterações à lei dos solos "vão no sentido certo, desde que sejam respeitados os valores ecológicos e agrícolas", muito embora considere que "ainda estamos longe de uma resposta estrutural".
“Apesar da intenção da lei de promover habitação a preços moderados, considero que a ausência de incentivos fiscais como a redução do IVA para 6%, compromete a viabilidade dos projetos”, Hugo Santos Ferreira, presidente da APPIII
Os desafios e limitações da lei dos solos para construir casas acessíveis
Ainda que classifiquem a iniciativa como "positiva", defendem que esta nova lei dos solos também traz consigo várias limitações e desafios para cumprir o seu objetivo de construir mais casas a preços acessíveis, apontam ainda os vários especialistas:
- Conversão de terrenos rústicos em urbanos pode demorar anos: “Um dos principais entraves à sua eficácia é o tempo que poderá levar para que os municípios implementem as medidas previstas, como a conversão de terrenos rústicos em urbanos através de Planos de Pormenor, um processo que pode demorar anos”, alerta Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII);
- Custo do terreno não é abordado: “Limitar os preços finais das habitações sem uma estratégia clara para regular os custos iniciais, como o valor dos terrenos, gera incertezas que afastam o interesse dos promotores imobiliários”, acrescenta Hugo Santos Ferreira;
- Risco de criar áreas urbanas isoladas: ou seja, criar “novas áreas urbanas desagregadas dos centros já existentes, correndo-se o risco de criar áreas uni-funcionais e isoladas”, sem serviços associados à vida urbana (estradas, luz, gás, água, saneamento, telecomunicações, etc), aponta, por sua vez, Andreia Fernandes da Costa, Associate Director Planeamento e Urbanismo da CBRE;
- Ausência de incentivos fiscais limita oferta de casas acessíveis: a lei dos solos “para ser eficaz” terá de ser acompanhada de outras medidas fiscais, como a “redução da taxa do IVA (de 23% para 6%), sem a qual, não será possível construir e vender a preços mais baixos”, alerta o presidente da AICCOPN. “Sem o IVA a 6% na construção, esta nova lei de nada vai valer”, avisa também o presidente da APPII. A par da redução do IVA, também podiam ser criadas isenções de IMT, “alterações que deveriam ser concedidas apenas em determinadas condições”, destaca Cristina Alves de Freitas, sócia da PAF Advogados.
"As novas áreas de expansão urbana com o objetivo de aumentar a oferta de habitação para a classe média devem ser englobadas nas áreas de reabilitação urbana ou na criação de outro programa que garanta o IVA de 6% na construção, já que no produto residencial para venda este imposto não é dedutível e acaba sempre por se traduzir em custo/preço para o utilizador final. Esta redução fará com que seja possível colocar no mercado habitação com valores abaixo dos valores de mercado hoje praticados”, analisa a especialista da CBRE Portugal.
Embora a redução do IVA na construção seja muito aplaudida pela fileira do imobiliário e da construção, esta medida poderá não ver a luz do dia, até porque há uma diretiva europeia que trava o IVA a 6% na construção de casas. E, por outro, a autorização legislativa do Governo de Montenegro para avançar com esta redução do IVA para 6% acabou chumbada no Parlamento no âmbito das votações do Orçamento do Estado para 2025.
Que investidores podem estar interessados em construir casas em terrenos rústicos? E onde?
São as câmaras municipais que iniciam e acompanham o processo de requalificação dos terrenos rústicos em urbanos, para depois serem construídas habitações, sobretudo, a preços acessíveis – embora os donos dos terrenos rústicos também possam tomar a iniciativa. É por isso que os especialistas reclamam, em uníssono, que este processo de mudança de uso dos solos deve ser célere, transparente e bem fundamentado, de forma a atrair promotores privados. A par de tudo isso, as autarquias também têm de assegurar licenciamentos rápidos.
Desde logo, este “tipo de ativos será mais atrativo para promotores imobiliários que estejam dispostos a desenvolver todo o processo, desde a aquisição do terreno, licenciamento, construção e colocação no mercado”, considera Andreia Fernandes da Costa, da CBRE Portugal. Em concreto, "os investidores que vão demonstrar maior interesse serão os family offices locais, já que estas alterações pressupõem um conhecimento profundo do mercado, das câmaras municipais e da legislação, algo que não é muito atrativo para os investidores internacionais", prevê Guilherme Antunes Ferreira, da JLL Portugal.
Quanto à localização dos ativos, os municípios acreditam que esta nova lei dos solos possa dar um “contributo para resolver a falta de oferta de casas nas grandes cidades” mediante a criação de habitação, sobretudo, nas periferias, disse a ANMP ao idealista/news. E é precisamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto que os profissionais de mercado admitem que esta alteração do uso dos solos poderá ter mais impacto.
Há, pelo menos, três motivos que poderão atrair promotores imobiliários a construir casas nas periferias de Lisboa e do Porto, apontam ainda:
- Maior procura de casas e preços das casas mais elevados (para comprar ou arrendar), o que pode gerar maiores retornos;
- “Concelhos de Lisboa e do Porto não possuem, nos seus PDM[Planos Diretores Municipais], o conceito de terreno rústico", apontam desde a JLL Portugal;
- Construção em altura está fora de questão nos grandes centros urbanos, “não havendo outro remédio que senão construir mais longe e fora das grandes cidades”, acrescenta Cristina Alves de Freitas, da PAF Advogados.
Que custos têm de ter em conta os investidores para construir casas?
Mesmo com a disponibilização de terrenos rústicos para construir casas – que são, regra geral, mais baratos que os solos urbanos –, os promotores imobiliários terão de avaliar bem todos os custos envolvidos, desde a aquisição do terreno, processo de urbanização e os custos associados à construção das casas (mão de obra, materiais e ainda despesas relacionadas com licenciamentos e outras burocracias).
“Como se trata de terrenos ainda ‘não urbanizados’, em alguns casos, os custos de construção poderão ser ainda mais elevados, já que é necessário dotar estes terrenos das infraestruturas necessárias e adequadas e que terão de estar integralmente concluídas no prazo máximo de cinco anos, tal como as habitações”, alerta Manuel Reis Campos.
É neste contexto que também o presidente da APPII assume que esta alteração da lei dos solos, sendo uma “medida isolada, sem o suporte de políticas fiscais estruturais [como a redução do IVA para 6%], pouco contribui para atrair investidores”, uma vez que os custos, desde os terrenos até à construção, “continuam elevados, dificultando a criação de habitações acessíveis para a classe média”. “Para que a medida seja realmente eficaz, seria necessário um esforço mais abrangente que inclua a redução da carga fiscal, desburocratização e ações coordenadas com o setor privado”, argumenta Hugo Santos Ferreira.
A par de tudo isto, os promotores imobiliários têm de avaliar bem o retorno do investimento, uma vez que, segundo o diploma, estes terrenos rústicos convertidos em urbanos terão de servir para construir, pelo menos, 70% de habitação a preços moderados, habitação pública ou para arrendamento acessível. E o preço máximo admitido nestas casas será fixado por via da mediana nacional e local. Só nos restantes 30% é que poderão ser construídas casas por valores superiores, de forma a rentabilizar o negócio.
Preço das casas vão demorar a descer
Ao disponibilizar mais terrenos e promover a construção de casas acessíveis, esta nova lei dos solos poderá contribuir para que haja menos pressão sobre os preços das casas. Quem o disse foi o próprio ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Castro Almeida: "Aumentar a oferta de terrenos de construção vai baixar preços das casas”.
Mas este potencial efeito deste diploma nos preços das casas poderá demorar a chegar. João Braz, responsável pelo idealista/data em Portugal, prevê que o seu impacto no preço da habitação, "não seja imediato dado que a reclassificação e posterior execução das respetivas obras urbanísticas e de construção implicará prazos longos, de vários anos”.
“Não obstante os prazos relativamente curtos propostos pelo Governo para a execução dos novos empreendimentos em solo reclassificado [de 5 anos], a oferta de habitação nova não será automática. Muito dependerá, não só da capacidade de resposta dos construtores disponíveis, mas também de uma outra alteração presentemente em curso, como a alteração das regras de controlo prévio das operações urbanísticas”, explica ao idealista/news Eduardo Gonçalves Rodrigues, sócio de Urbanismo da Sérvulo, admitindo que esta nova lei dos solos “contribua para diminuir a especulação de preços”.
Portanto, "o problema da habitação demorará anos a ser resolvido, mas a criação de um regime de exceção, através destas alterações legislativas, é sem dúvida um passo relevante e um fator acelerador”, resume, por outro lado, Cristina Alves de Freitas, da PAF Advogados.
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