
Num país onde milhares de edifícios residenciais enfrentam problemas recorrentes de má gestão, assembleias caóticas e decisões adiadas por meses, a gestão de condomínios continua a ser um tema delicado — e, muitas vezes, negligenciado. A complexidade dos processos administrativos, a escassez de profissionais qualificados e a falta de transparência nas contas alimentam a desconfiança entre condóminos e administradores. Mas e se a Inteligência Artificial (IA) pudesse ajudar e apoiar os humanos a resolver vários problemas neste âmbito? É neste contexto que surge a Condoroo, uma startup portuguesa fundada por Rodrigo Bourbon, com a ambição de transformar o futuro dos condomínios.
Automatizar tarefas rotineiras, prever despesas futuras, gerar atas em tempo real e garantir o acesso imediato a saldos e documentos: estas são algumas das promessas que a IA começa a tornar realidade no setor da habitação coletiva. A tecnologia, já amplamente aplicada noutras áreas, tem aqui um potencial ainda por explorar — não só para aumentar a eficiência, mas para devolver confiança e profissionalismo à administração dos condomínios, tal como explica o responsável nesta entrevista ao idealista/news.
Rodrigo Bourbon considera que um dos principais fatores que contribuem para a desconfiança entre condóminos e administradores é a falta de visibilidade sobre o que está a ser feito e sobre como o dinheiro está a ser gerido, por exemplo. “Mantemos um histórico detalhado de todas as interações: desde os pagamentos de cada fração, até aos registos das tarefas realizadas, que incluem os resumos das trocas de emails e das decisões tomadas. Isto permite que qualquer condómino possa, a qualquer momento, consultar o que foi feito, porquê e quando”, indica.

Para o fundador da Condoroo, esta revolução enfrenta entraves que não são apenas tecnológicos, mas sim legislativos. A falta de regulação clara no setor cria zonas cinzentas que impactam diretamente a vida dos condóminos — desde a identificação dos proprietários até à contratação de seguros ou à utilização do Fundo Comum de Reserva. Rodrigo Bourbon considera urgente que o Estado defina regras que promovam uma gestão mais profissional, protegida e eficaz.
“A ausência de legislação clara e atualizada no âmbito da gestão de condomínios em Portugal tem repercussões diretas na vida dos condóminos, tanto ao nível da qualidade de vida como no que respeita à segurança jurídica”, salienta o responsável.
A Condoroo posiciona-se como uma empresa que quer revolucionar a gestão de condomínios com IA. Pode explicar, na prática, como a inteligência artificial é aplicada neste contexto? Que problemas concretos ajuda a resolver?
Desde o arranque do projeto, no final de 2023, a Condoroo desenvolveu um produto que permite oferecer um serviço de gestão e administração de condomínios, mais rápido, mais eficiente e que permite aos seus gestores focarem-se na parte operacional. Assim, alguns exemplos da nossa inovação na forma de gestão passam por utilizar AI nas seguintes áreas:
- Elaboração de emails a partir de voz – O nosso gestor pode ditar uma resposta, e a IA transforma o áudio num email completo, claro e bem estruturado com todo o contexto do condomínio e de todas as tarefas que estão a decorrer, assim como dos seus intervenientes - inclusivamente fornecedores e condóminos. Uma tarefa que antes demorava cerca de 10 minutos, agora é feita em menos de 30 segundos.
- Reconciliação bancária automática – A IA associa automaticamente cada movimento bancário às respetivas despesas do condomínio, eliminando trabalho manual repetitivo e reduzindo o risco de erros, permitindo ao gestor focar-se em tarefas de maior valor acrescentado.
- Criação de atas de assembleia – Durante as assembleias, a IA ouve toda a reunião, identifica os tópicos discutidos e gera automaticamente a ata, com resumos claros de cada ponto. Isto poupa tempo, garante rigor e elimina o trabalho manual após a reunião, permitindo não só reduzir o tempo de espera por uma ata assim como aumentar o grau de precisão da mesma.
- Previsão de despesas e orçamentos – Com base no histórico financeiro de cada condomínio, a IA antecipa padrões de despesa e sugere orçamentos mais realistas, promovendo uma gestão mais transparente e controlada.
- Priorização de tarefas – Através da análise contínua dos pedidos e rotinas, a IA ajuda os gestores a organizarem o dia com base na urgência e impacto de cada tarefa no condomínio, comparando para cada condomínio qual as tarefas de maior urgência e valor acrescentado.
- Gestão documental inteligente – A IA classifica e arquiva automaticamente documentos importantes (como atas, contratos e seguros), facilitando o acesso rápido e evitando perdas de tempo.
Com base no histórico financeiro de cada condomínio, a IA antecipa padrões de despesa

O Rodrigo refere que falta de regulação cria um “vácuo de responsabilidade”. Na sua opinião, quais seriam as três medidas legislativas mais urgentes para garantir uma gestão eficaz e profissional dos condomínios?
Com o objetivo de assegurar uma gestão mais eficaz, transparente e profissional dos condomínios, torna-se necessária a adoção de medidas legislativas específicas que promovam boas práticas e maior clareza nos processos administrativos. Nesse sentido, propõem-se as seguintes ações:
1.Criação de regulamentação específica para a utilização do Fundo Comum de Reserva (FCR) e normativas de constituição/abertura de conta bancária para condomínios.
- Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, está prevista apenas a constituição do Fundo Comum de Reserva, ficando a sua administração ao encargo da administração do condomínio, sem uma regulamentação clara sobre os critérios da sua utilização.
- O FCR deve ser acumulado anualmente e destinar-se prioritariamente a obras estruturais e a intervenções de emergência. Adicionalmente, poderá funcionar como uma fonte de rendimento, através da sua aplicação em produtos financeiros bancários mobilizáveis, e de baixo risco. Neste contexto, seria pertinente regulamentar estas aplicações junto das instituições bancárias.
- Importa ainda definir regras claras quanto à utilização deste fundo, garantindo que o condomínio mantenha sempre uma reserva mínima disponível para fazer face a despesas imprevistas ou extraordinárias.
- No que respeita à abertura de contas bancárias, os condomínios são alvos de um excesso de burocracia, não fundamentada por parte dos bancos aquando da abertura de conta. Os bancos exigem documentação desnecessária e não apresentam soluções específicas para ultrapassar o excesso de burocracia nem apresentam soluções de aplicações que sejam rentáveis e de fácil constituição e movimentação. Para tal, deveria existir um mecanismo de supervisão bancária, específico para prevenir práticas abusivas ou discriminatórias, por parte das instituições bancárias no relacionamento com condomínios, seja através da cobrança de taxas seja através das condições de depósitos bancários e aplicações.
2.Criação de mecanismos legais eficazes para a identificação dos proprietários das frações
- O cumprimento do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 268/94 depende da possibilidade de identificar corretamente todos os condóminos. Contudo, verifica-se que nem sempre é possível obter essa identificação através das certidões de registo predial, uma vez que as informações nem sempre se encontram atualizadas. A legislação em vigor impõe aos condóminos o dever de informar o administrador do condomínio sobre o seu número de contribuinte, morada, contactos telefónicos e endereço de correio eletrónico, bem como de atualizar essas informações sempre que necessário.

3.Obrigatoriedade de seguro coletivo das partes comuns do edifício
- Embora o Decreto-Lei n.º 268/94 preveja a atualização anual do seguro e atribua à assembleia de condóminos a competência para deliberar sobre o respetivo montante, verifica-se na prática que, quando o seguro é da responsabilidade individual dos condóminos e incide apenas sobre a respetiva fração (incluindo a permilagem das partes comuns), a assembleia não tem legitimidade para deliberar sobre tais contratos. Neste sentido, propõe-se que a contratação de um seguro coletivo para as zonas comuns do edifício seja obrigatória, garantindo uma cobertura uniforme, reduzindo a burocracia e evitando conflitos decorrentes da existência de múltiplas apólices individuais com diferentes companhias seguradoras e diferentes procedimentos em caso de sinistro.
Como é que a ausência de legislação clara afeta diretamente os condóminos — tanto em termos de qualidade de vida como em segurança jurídica?
A ausência de legislação clara e atualizada no âmbito da gestão de condomínios em Portugal tem repercussões diretas na vida dos condóminos, tanto ao nível da qualidade de vida como no que respeita à segurança jurídica:
- Insegurança jurídica - A inexistência de normas específicas e inequívocas gera incerteza quanto à legalidade de diversos procedimentos. Tal circunstância dá origem a interpretações contraditórias da lei, dificultando a resolução de conflitos, fragilizando deliberações e potenciando a impugnação de decisões.
- Demora na tomada de decisões - Sem diretrizes claras relativamente aos prazos e procedimentos de decisão, muitas assembleias tornam-se ineficazes, conduzindo a sucessivos adiamentos de deliberações importantes. Isto compromete, de forma significativa, a realização de intervenções urgentes, nomeadamente obras, investimentos em segurança ou manutenções essenciais.
- Falta de rigor na cobrança de quotas - A cobrança de quotas e de dívidas sofre com a demora dos processos judiciais e a inexistência de mecanismos simplificados e eficazes. Esta falha penaliza os condóminos cumpridores, que acabam, muitas vezes, por suportar indiretamente os encargos dos incumpridores, afetando o equilíbrio financeiro do condomínio.
A inexistência de normas específicas e inequívocas gera incerteza quanto à legalidade de diversos procedimentos.

Sente que a inovação tecnológica, como a que a Condoroo propõe, está “presa” por falta de enquadramento legal? Que tipo de regulação seria favorável à inovação neste setor?
Na verdade, a inovação da Condoroo está mais presa por falta de regulação do setor do que pela falta de enquadramento específico para a Condoroo, uma vez que acabamos por ser uma empresa de condomínios a prestar os mesmos serviços que as demais no mercado. No nosso caso, destacamo-nos na execução desses mesmo serviços pela utilização da sua tecnologia proprietária, e não pela forma diferente ou alternativa de proceder em relação ao regime da propriedade horizontal ou outro aplicável.
Quais são as resistências mais comuns por parte de condóminos ou administradores em adotar soluções digitais e automatizadas? Como as ultrapassam?
A resistência que observamos está principalmente relacionada com a decisão de avançar com uma empresa mais moderna e digital, mas não temos observado muita resistência na adopção das nossas soluções digitais quando começamos a trabalhar com os condomínios, uma vez que mantemos uma proximidade grande entre os nossos gestores e clientes, e permitimos que o cliente configure o seu plano de serviço à medida do condomínio. Isto aplica-se, por exemplo, na questão de continuar a fazer assembleias presenciais se assim preferir ou de ter mais ou menos vistorias presenciais ao edifício. Por outro lado, também mantemos os canais tradicionais de contacto de telemóvel e email, que são essenciais para os mais seniores.

Um dos temas críticos mencionados é a falta de confiança. De que forma a tecnologia pode aumentar a transparência e restaurar essa confiança entre condóminos e administradores?
Um dos principais fatores que contribuem para a desconfiança entre condóminos e administradores é a falta de visibilidade sobre o que está a ser feito e sobre como o dinheiro está a ser gerido. Acreditamos que a tecnologia tem um papel essencial na inversão dessa perceção, o que ajuda a construir confiança de forma sustentável.
Um exemplo disso é usarmos tecnologia para, em qualquer momento, disponibilizar de forma clara e acessível todas as tarefas que os gestores estão a realizar ou já realizaram. Isto permite aos condóminos perceberem exatamente o que está a ser feito pela administração, melhorando a relação entre empresa e condóminos e, consequentemente, aumentando a transparência.
Um exemplo disso é usarmos tecnologia para, em qualquer momento, disponibilizar de forma clara e acessível todas as tarefas que os gestores estão a realizar ou já realizaram
A tecnologia também permite à Condoroo disponibilizar todos os meses o saldo atualizado de cada um dos cerca de 4.000 clientes que temos e, ainda, sempre que necessário, fornecer, em poucos minutos, um resumo financeiro do condomínio atualizado até à data, o que garante total transparência sobre a situação financeira do condomínio.
Para reforçar ainda mais essa confiança, mantemos um histórico detalhado de todas as interações: desde os pagamentos de cada fração, até aos registos das tarefas realizadas, que incluem os resumos das trocas de emails e das decisões tomadas. Isto permite que qualquer condómino possa, a qualquer momento, consultar o que foi feito, porquê e quando.
Por fim, recorremos a um chatbot que permite aos condóminos acederem indiretamente à nossa base de dados. Através de perguntas simples como “Qual é o meu saldo?”, o chatbot responde, de imediato, com base na informação real e atual, sem necessidade de intermediários. Isto permite um acesso rápido, transparente e fiável à informação mais relevante.
A Condoroo integra preocupações com segurança digital e proteção de dados?
Sim, a Condoroo tem enorme preocupação com a segurança digital e a proteção de dados dos seus utilizadores. No site da Condoroo é detalhada a forma de recolha, utilização e proteção dos dados pessoais, garantindo o cumprimento da legislação em vigor. A recolha dos dados dos utilizadores pela Condoroo é efetuada na medida estritamente necessária à execução da prestação de serviço de gestão de condomínio, nomeadamente no âmbito da gestão financeira do condomínio, na contratação de serviços de manutenção e, em geral, na melhoria da experiência do utilizador.

A Condoroo utiliza ainda cookies para melhorar a experiência de navegação e permitindo que cada utilizador defina as suas preferências de privacidade. Além disso, são disponibilizadas políticas transparentes sobre o tratamento da informação e atualizados regularmente os seus termos, estando a Condoroo continuamente comprometida com a segurança e a privacidade dos seus clientes.
Como garante que a informação sensível dos condomínios está protegida?
A Condoroo garante a proteção da informação sensível dos condomínios através de várias medidas de segurança digital. Utiliza tecnologia que assegura a confidencialidade dos dados, implementando práticas de proteção, de acordo com a legislação de proteção de dados. Além disso, o acesso à informação é controlado e restrito apenas a utilizadores autorizados, como gestores da Condoroo e administradores internos. Os condóminos devidamente registados na plataforma têm acesso à informação relativa ao seu condomínio, sendo garantida, em todo o momento, a proteção da informação relativa a cada condómino individual.
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