Foram aprovadas alterações legislativas em Portugal que agravam as penas para ocupações ilegais. Explicamos com fundamento jurídico.
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Como vender uma casa com okupas ou inquiocupas
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Fieldfisher Portugal (Colaborador do idealista news)

Vender uma casa pode ser um processo desafiante. Exige preparação documental, estratégia e, sobretudo, segurança jurídica. Mas quando o imóvel está ocupado ilegalmente, o risco da transação é muito mais alto: um conflito entre o direito formal do proprietário e a realidade material de quem, sem legitimidade, se instalou ou permaneceu ilegitimamente no imóvel. Este fenómeno dos chamados okupas, em Espanha, e inquiocupas, em Portugal, aparece como um dos maiores atentados ao direito de propriedade que temos vindo a testemunhar nos últimos anos e tem consequências no mercado imobiliário. Fica a saber tudo sobre este assunto neste artigo escrito* com fundamento jurídico.

O problema apresenta uma dupla face. Por um lado, existe um quadro legislativo que reconhece a titularidade formal do proprietário. Por outro, verifica-se uma justiça tardia e inoperante, que falha em assegurar essa titularidade em tempo útil, designadamente através de uma das suas características fundamentais, a posse plena do imóvel.

O resultado é perverso: a vítima – o dono legítimo do imóvel – acaba tratada como refém do sistema.

Realidade em Espanha Vs Portugal

Okupas
okupas CC BY-SA 3.0 by MickStephenson

Os exemplos multiplicam-se, sobretudo em Espanha, onde os números são assustadores: mais de 17 mil ocupações ilegais num só ano, quase 50 por dia, e processos que demoram, em média, 18 meses a produzir uma decisão de desocupação. Portugal ainda não chegou a este ponto, mas não nos iludamos. As brechas legais, a morosidade processual e a ausência de medidas eficazes são terreno fértil para que este fenómeno se consolide também aqui.

A situação é agravada por uma realidade jurídica pouco discutida: o risco de usucapião. No nosso ordenamento jurídico, uma posse prolongada e pública, ainda que iniciada de forma ilegítima, pode transformar-se em propriedade – 15 anos em caso de boa-fé, 20 em caso de má-fé. Isto significa que um proprietário que se limite a “esperar que o Direito o proteja” pode, em última instância, perder o seu imóvel para o ocupante. O simples facto de esta possibilidade existir demonstra o quão vulnerável está a propriedade privada quando não existe uma intervenção atempada e imediata.

É certo que em julho de 2025 foram aprovadas alterações legislativas em Portugal que agravam as penas para ocupações ilegais. Fala-se em despejos rápidos, em até 48 horas, em penas de prisão até dois ou três anos, em sanções mais duras quando há violência. São medidas importantes, mas que correm o risco de não passar de boas intenções se não forem acompanhadas por tribunais céleres e por autoridades com meios efetivos para agir. O direito de propriedade é constitucionalmente consagrado, mas de nada serve ser um princípio abstrato se não for tutelado em tempo útil. A sua eficácia mede-se na prática, quando o proprietário precisa de ajuda, e não anos depois, quando o prejuízo já é irreparável.

Mas é possível, afinal, vender um imóvel ocupado?

Casas em Lisboa
lisboa CC BY 2.5 by António M.L. Cabral

Coloca-se então a grande questão: é possível vender um imóvel ocupado? A resposta é simples: sim, é possível. Mas é aconselhável? A questão, torna-se, aqui mais complexa.

Do ponto de vista jurídico, nada impede a alienação de um imóvel ocupado, desde que o comprador aceite a situação e as condições sejam claramente estipuladas no contrato. Aliás, por defesa do vendedor, a clara indicação dos ónus existentes – e não nos enganemos, esta situação constitui um verdadeiro ónus – é essencial para proteção da sua posição a nível de representações e garantias contratuais. Porém, do ponto de vista estratégico e prudencial, vender uma casa nestas circunstâncias deve ser sempre o último recurso. Antes de mais, o proprietário deve intentar ação judicial adequada – de reivindicação de posse ou despejo – para reaver o imóvel e bloquear qualquer tentativa futura de usucapião. Deve também adotar medidas práticas de proteção: visitas regulares, manutenção periódica, reforço da segurança e atualização do registo predial. Tudo isto serve para demonstrar que a posse continua a ser sua e para dificultar a consolidação da ocupação.

No entanto, reconhece-se que há situações em que a venda se torna inevitável. Muitas vezes porque o proprietário precisa de liquidez imediata, outras porque o vagar processual o frustra até ao limite. Nesse cenário, a única solução é proceder com absoluta transparência. O comprador deve ser informado da situação de forma clara e inequívoca, o preço deve refletir o risco associado e o contrato deve conter cláusulas específicas para salvaguardar a posição do vendedor. Qualquer omissão pode gerar litígios futuros, por violação do dever de informação ou até responsabilidade pré-contratual. Do ponto de vista ético e jurídico, esconder a realidade ao comprador não é admissível.

A questão de fundo, contudo, permanece: porque é que, em pleno século XXI, um proprietário tem de ponderar vender o seu imóvel nestas condições? O problema não está no mercado, nem sequer nos ocupantes – reside no aparelho estatal, que não cumpre a sua função mais elementar – garantir a segurança jurídica da propriedade privada.

Um processo que “representa sempre uma derrota”

Comprar ou vender casa
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Vender uma casa com okupas ou inquiocupas é juridicamente viável, mas representa sempre uma derrota: 

  • Derrota do proprietário, que não consegue usufruir do seu bem;
  • Derrota do mercado, que vê imóveis desvalorizados e transacionados com risco;
  • Derrota do Estado, que se mostra incapaz de proteger direitos fundamentais. 

A pergunta que devemos colocar não é, portanto, se é possível vender nestas condições. A pergunta é porque é que aceitamos viver num país onde isso continua a ser necessário.

O fenómeno dos okupas e inquiocupas não é apenas um problema de quem tem casa para vender: é um reflexo de um Estado que não consegue garantir a proteção da propriedade privada em tempo útil. Enquanto não houver uma justiça célere e eficaz, os proprietários continuarão a sentir-se desprotegidos, e vender uma casa ocupada será sempre um processo de risco e de frustração.

Será justo que o proprietário tenha de alienar o seu bem nestas circunstâncias? Claro que não. Mais se diga ainda que estas situações têm gerados vários eventos de "justiça pelas próprias mãos", em que os proprietários acabam por criar para si mesmos mais problemas do que aqueles que originariamente a ocupação indevida causava. A sagacidade e conhecimento das leis pelos ocupantes ilegais é muito elevada, criando sérios constrangimentos às próprias autoridades policiais na sua atividade, pelo que é forçoso resistir ao impulso de resolver o assunto sem ajuda especializada.

É importante recordar que a moral e a justiça nem sempre são coincidentes ou seguem as mesmas regras.

*Mafalda Nunes, advogada estagiária no Departamento de Direito Imobiliário da Fieldfisher Portugal.

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