Os custos da construção em alta. As exigências técnicas. A carga de impostos. Os atrasos nos licenciamentos. Todos estes fatores estão por detrás da subida a pique dos preços das casas em Portugal nos últimos anos, sem esquecer o problema de base em termos de stock, com um forte desequilíbrio entre a alta procura e escassa oferta existente. Para aumentar a oferta de habitação e reduzir preços, o Governo de António Costa lançou um conjunto de medidas com o pacote Mais Habitação, no qual inclui a simplificação dos licenciamentos. E esta medida pode ser mesmo uma “grande ajuda para a área da promoção imobiliária e terá, seguramente, reflexo no que é o preço final das casas", acredita Severino Ponte, CEO do grupo Construções Vila Maior (CVM) em entrevista ao idealista/news. Mas alerta que falta “clarificar” a generalidade das medidas para que haja um trabalho coordenado entre o público e o privado na colocação de mais casas no mercado.
O pacote Mais Habitação trouxe um conjunto de medidas que visam aumentar a oferta de casas no país, mas que muita polémica tem gerado. Também Severino Ponte considera que a generalidade das medidas é “bastante confusa” e que “nada ajuda o ritmo que o mercado poderia levar”. Mas há, pelo menos, uma exceção: a simplificação dos licenciamentos proposta pelo Governo de António Costa poderá ter mesmo “sucesso”, aponta.
“Tem de haver um maior foco no que todos nós pretendemos, que é ter mais casas no mercado e casas para toda a gente”
“Se a agilização dos licenciamentos for respeitada, será uma grande ajuda para a área da promoção imobiliária e terá seguramente reflexo no que é o preço final das casas. Até porque, como os custos da obra estão mais altos, cada mês que passa representa muito dinheiro e que é refletido no preço final das frações”, analisa o CEO do grupo CVM em entrevista ao idealista/news. Além disso, o gestor da área da construção e promoção imobiliária lembra que os licenciamentos atrasam a conclusão dos projetos entre um a dois anos e que os promotores correm o risco de entregar casas desajustadas aos clientes, quer financeiramente, quer ao nível arquitetónico, porque as “necessidades mudam rapidamente”.
“O que vai acontecer com a nova lei, em que a responsabilidade passa para os técnicos que executam os projetos, é que teremos de forçar a evolução daquilo que é a qualidade dos gabinetes de projeto, da engenharia e da arquitetura nesta fase. Mas os ganhos que houver no licenciamento vão ser importantíssimos no processo construtivo. Sou um otimista e acredito que, nessa parte, esta medida terá sucesso”, indica Severino Ponte.
"Estabilidade e clareza" para haver mais casas para arrendar
“Tem de haver um maior foco no que todos nós pretendemos, que é ter mais casas no mercado e casas para toda a gente”, resume o CEO do grupo Construções Vila Maior, fazendo uma referência geral ao Mais Habitação. Mas para que isso aconteça “as medidas têm de ser clarificadas e o poder local e o Governo têm que ser mais diretos no que diz respeito à comunicação com os promotores, explicando o que querem e abrindo portas aos novos mercados”. Portanto, “se for clara e estável a forma como vai ser a política de arrendamento do futuro, seguramente, quer nós como promotores, quer os investidores vão avançar”, garante o responsável que adiantou ao idealista/news que está a desenhar aquele que será o primeiro projeto build to rent do grupo CVM em Espinho.
“Muitos investidores veem no imobiliário uma área segura. Para mim, continua a ser das áreas mais seguras para quem quer fazer investimento e não podemos retrair esse interesse”
Sobre o controlo das rendas nos novos contratos, em que há a renda máxima garantida, Severino Ponte acredita que esta medida só pode funcionar se houver vantagens para os promotores e investidores, que já estão, aliás, a adquirir habitações para rendimento através de fundos. Por exemplo, “se construir um edifício para 50 frações, eu posso escolher ter renda livre ou recorrer ao programa do Estado em que tenho um benefício fiscal se balizar as rendas das casas segundo as orientações do Estado durante um determinado período”, sugere. Este modelo seria “seguramente mais rentável para nós promotores e para os nossos investidores. E o resultado seria o que todos nós queremos, que é existir mais habitação”, acredita o CEO do grupo CVM.
Até porque no caso dos edifícios existentes nos centros urbanos das cidades “será muito complicado reabilitar a custos acessíveis, que garanta a qualidade que os imóveis precisam de ter para as exigências atuais”, alerta Severino Ponte, sublinhando que “em termos de arrendamento económico será bastante complicado mesmo para o Estado”. Para o responsável pelo grupo CVM, que constrói e reabilita casas no Grande Porto desde 1990, “a combinação dos mercados é a solução perfeita no que toca a reabilitação”, isto é, colocar casas para arrendar mais caras e outras mais económicas.
É a reabilitação urbana que tem sido responsável pela dinamização dos centros históricos das grandes cidades, como de Lisboa e do Porto, e muito desta atividade foi precisamente impulsionada por investimento estrangeiro. As cidades renasceram, mas ainda há muito trabalho a fazer nesta área: "Quando acabarem estas obras de expansão do metro, a reabilitação vai voltar a ter um crescimento enorme no Porto, voltada para quem quer viver na baixa do Porto e não só para turismo”, aponta Severino Ponte na mesma entrevista.
“Reabilitar uma cidade não é só reabilitar o edifício”
Acontece que o Governo introduziu uma alteração ao código do IVA no diploma do Mais Habitação, quanto à abrangência do IVA a 6% na reabilitação, que passará a ser restrita apenas a reabilitação de edifícios, ao invés de reabilitação urbana, que, sendo um conceito mais abrangente, inclui também demolições, construção, ampliação ou conservação de edifícios, por exemplo. “Se essa medida foi para a frente será assumir uma paragem no que é o desenvolvimento e o que é a reabilitação. Será andar para trás, seguramente, muitos anos”, considera o CEO do grupo CVM, admitindo ainda que se esta alteração obtiver luz verde há o risco de haver uma redução do investimento na reabilitação
Isto porque “é impossível reabilitar uma cidade só fazendo a reabilitação de edifícios, principalmente tendo em conta as exigências que temos”, explica o responsável. “Para termos uma cidade mais bonita e mais moderna, temos de conjugar um edifício antigo, muito bem reabilitado, que mantenha a essência e até que mantenha os moradores que lá estão. Temos de deixar de ter terrenos soltos, que faz sentido edificar. Isso é a reabilitação urbana. Reabilitar uma cidade não é só reabilitar o edifício”, frisa.
A aplicação do IVA a 6% só a reabilitação de edifícios “vai trazer uma instabilidade enorme e uma incerteza e provoca um aumento direto dos preços das frações”, alerta ainda. Por isso mesmo, Severino Ponte acredita que esta medida, depois de bem analisada por especialistas de mercado, não irá avançar, “porque não faz qualquer sentido”. “Faz muito mais sentido o contrário: incentivar a construção para arrendamento através do IVA a taxa reduzia, que é uma das medidas também do Governo”, exemplifica.
A reabilitação urbana enfrenta, portanto, vários desafios no futuro: além desta alteração do código do IVA, o Governo quer ainda acabar com os vistos gold, que tem atraído muito investimento imobiliário, também para a área da reabilitação. Esta lei, aos olhos de Severino Ponte, “vai desincentivar que os estrangeiros venham para cá investir”, numa altura em que já havia investimento também no interior do país.
O responsável pelo grupo CVM acredita que a forma como os vistos gold estão desenhados é “muito saudável” e sublinha que “não nos podemos esquecer que as pessoas que recorrem a esse incentivo trazem investimento, empregam pessoas, comprar e remodelam casas, vivem cá, gastam no supermercado, no comércio tradicional e ainda incentivam outras empresas para virem para cá, até porque Portugal é muito bem visto lá fora”. “Não podemos continuar a ser periféricos. Nós temos de ser inclusivos”, conclui.
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