João Passos, consultor e responsável pelo projeto LisboaPride, analisa a evolução deste segmento de mercado no país.
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imobiliário LGBTI+
Créditos: João Passos/Freepik

Promover o sentido de comunidade e liberdade para que todos se sintam em casa. É esse o propósito da LisboaPride – Homes for Everyone, um projeto de João Passos, consultor imobiliário há mais de uma década, que continua a distinguir-se neste segmento de mercado em Portugal. O imobiliário LGBTI+ consolidou-se e atrai investimento, numa altura em que a procura internacional “não para de crescer”, segundo revela o especialista ao idealista/news. No nicho LGBTI+, diz, tem-se assistido a um crescimento da procura nas zonas limítrofes dos grandes centros urbanos e “cada vez mais na margem sul, reservando-se o centro de Lisboa, como o icónico Príncipe Real, mais a arrendamentos”. Portugal é, como nunca, uma “casa apetecível para viver”.

Historicamente, o Príncipe Real, em Lisboa, apresenta-se como um bairro LGBTI+ por excelência, uma vez que os negócios mais emblemáticos destinados à comunidade continuam concentrados nessa zona. Ainda assim, nos últimos anos, Arroios, devido à diversidade de espaços e culturas, e Almada e Caparica, a pouca distância da capital, com preços mais baixos e próximos das praias, assumiram-se como novos destinos de investimento.

João Passos destaca, de resto, a margem sul, que “cresce cada vez mais como preferência”. “Quando uma zona em particular começa a receber uma comunidade como residente, no geral, o que acontece é que a vida comercial, cultural e social associada à comunidade começa também a desenvolver-se e, consequentemente, a convidar mais membros da comunidade a sentir-se em casa nessa zona”, explica.

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Foto de Anna Shvets no Pexels

Seja para comprar ou arrendar, fixar residência ou ter uma segunda habitação, “procuram-se mais casas para tudo”, segundo o responsável. Prova de que o imobiliário em Portugal continua a viver tempos de dinamismo e crescimento. “Haja oferta, porque de certo há procura”, salienta.

Ainda assim, o consultor adianta que há uma zona “up and coming” que considera poder ser “bastante convidativa num futuro próximo à comunidade, pelo seu rápido crescimento e desenvolvimento urbanístico, cultural, gastronómico etc., e pelo mindset qualidade/liberdade que se faz sentir no movimento de desenvolvimento dessa zona”. Refere-se a Marvila/Braço de Prata.

Nesta entrevista por escrito ao idealista/news, na qual volta a analisar o crescimento e evolução das zonas LGBTI+ friendly e as tendências de mercado, João Passos frisa que é essencial, nesta altura, “contribuir para que o nicho de mercado LGBTI+ deixe de ser percecionado como algo ‘alternativo’, ou até marginal” e, para isso, pretende aumentar a integração da LisboaPride na “evolução das condições de vida da comunidade, na preservação e promulgação dos seus direitos e ser também, mais do que agentes imobiliários, agentes de mudança”.

O mercado vive um momento de alguma instabilidade e incerteza – depois da pandemia a guerra, acompanhada da subida inesperada dos juros e inflação. Este contexto impactou, de alguma forma, a evolução do mercado imobiliário LGBTI?

O impacto que estes fatores tiveram no mercado imobiliário LGBTI segue a lógica consequente do impacto no mercado em traços gerais. Poderia pensar-se que - uma vez que em comparação de morfologia familiar, o cliente LGBTI seria, em teoria, mais desafogado em despesas adjacentes que advêm de, por exemplo, ter filhos, escolas para pagar, etc - o impacto da subida de preços não fosse tão sentido, mas a verdade é que a inflação atingiu níveis agudos, que todos sentem.

Há mais de 30 anos que a inflação não estava tão alta. E há 30 anos o custo de vida e o rendimento disponível de pessoas e famílias também não era o que é hoje. Claro que isso tem de ter consequências nos comportamentos. Não necessariamente num abrandamento do mercado, pelo contrário, mas em alterações no que à procura diz respeito - provavelmente para preservar a sustentabilidade da qualidade de vida, tentando contrariar a pressão que o aumento de tudo acaba por exercer na procura de residência.

diversidade e inclusão
Foto de Frans van Heerden no Pexels

No nicho LGBTI temos visto um crescimento da procura para compra em zonas limítrofes dos grandes centros urbanos e cada vez mais na margem sul, reservando-se o centro de Lisboa, como o icónico Príncipe Real, mais a arrendamentos e ao cliente internacional, com maior poder de compra (e de arrendamento).

No nicho LGBTI temos visto um crescimento da procura para compra em zonas limítrofes dos grandes centros urbanos e cada vez mais na margem sul

Numa ótica mais subtil, mas que merece um olhar atento, a guerra na Ucrânia reavivou questões essenciais que há muito não eram questionadas pelas pessoas e às quais a comunidade LGBTI é particularmente atenta quando procura um lugar para viver: segurança, liberdade, tolerância política e estabilidade governamental, salvaguarda da integridade física, moral e emocional. Fatores que fazem com que a comunidade internacional olhe cada vez mais para Portugal como uma casa apetecível para viver. A procura internacional não para de crescer.

O Top 3 das zonas LGBTI por excelência continua a ser ocupado pelo Príncipe Real, Arroios, e Almada e Caparica?

Sim, mas talvez não necessariamente por essa ordem durante muito mais tempo. A margem sul cresce cada vez mais como preferência. E quando uma zona em particular começa a receber uma comunidade como residente, no geral, o que acontece é que a vida comercial, cultural e social associada à comunidade começa também a desenvolver-se e, consequentemente, a convidar mais membros da comunidade a sentir-se em casa nessa zona. Ficaremos atentos a este efeito bola de neve de desenvolvimento e também a uma zona “up and coming” que considero poder ser bastante convidativa num futuro próximo à comunidade, pelo seu rápido crescimento e desenvolvimento urbanístico, cultural, gastronómico, etc, e pelo mindset qualidade/liberdade que se faz sentir no movimento de desenvolvimento dessa zona: Marvila/Braço de Prata.

O que é que distingue cada uma destas zonas e o que é que as torna atrativas para a comunidade LGBTI?

Muitos dos principais e mais icónicos negócios frequentados pela comunidade continuam a localizar-se no Príncipe Real. A sua centralidade, com fáceis acessos e proximidade a zonas como Chiado, Bairro Alto e Baixa fazem desta zona a preferida desde há muito pela comunidade LGBTI para viver.

Já a margem sul, acaba por trazer ar livre a quem procura mais tranquilidade, privacidade e proximidade com a natureza e a praia, bem como casas com uma outra generosidade em termos de metros quadrados e espaços verdes. Esta zona é, por isso, muito atrativa para a feição mais madura da comunidade e não só para a feição mais jovem.

Arroios é a possibilidade de permanecer na fatia central da cidade com todos os benefícios que daí advêm, com uma vida de bairro bastante ativa e friendly a preços menos elevados do que no Príncipe Real.

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Foto de RDNE Stock project no Pexels

Como evoluiu a procura ao longo destes meses? Procuram-se mais casas para comprar ou arrendar?

A instabilidade traz à superfície, naturalmente, a precariedade/vulnerabilidade financeira. O aumento das taxas de juro e a dificuldade para conseguir crédito habitação refletem-se num aumento da procura pelo arrendamento. Temos observado um movimento que se pode revelar bastante comum num futuro próximo em Portugal: coliving. São cada vez mais as pessoas que partilham casa com amigos, com colegas, bem como as famílias que ponderam partilhar casa, seja residência ou casa de campo/férias. A título de exemplo pessoal, adquiri em 2022, a meias com uma grande amiga, uma propriedade rural na zona de Santarém, para servir como habitação secundária. 

O aumento de arrendamentos provenientes de residentes estrangeiros temporários a título profissional também tem aumentado. No entanto, creio que, honestamente, procuram-se mais casas para tudo. Seja para arrendar ou comprar. Haja oferta, porque de certo há procura.

Portugal é também cada vez mais um destino procurado por europeus e americanos para aproveitar a maturidade da vida, por todas as excelentes condições que tem de qualidade de vida. Temos mais empreendimentos em construção do que nunca e duvido que algum deles fique por vender. A plasticidade do potencial cliente imobiliário em Portugal é enorme e abundante.

Quem deseja comprar casa, quer fixar residência em Portugal ou ter uma segunda habitação?

Ambos. Dou o exemplo do cliente americano, que tanto procura Portugal para aproveitar a sua reforma, seja para fixar residência, seja para ter uma 2ª residência ou habitação para períodos longos de estadia, como para viver em família, ou seja, pessoas em idade adulta/ativa, com filhos. Portugal, nomeadamente Lisboa, tem muito boas escolas internacionais, e cada vez mais, o que é não só consequência como causa deste movimento.

A vontade/disponibilidade americana para ponderar Portugal como destino de residência aumentou 41% nos últimos 2 anos (...)

A vontade/disponibilidade americana para ponderar Portugal como destino de residência aumentou 41% nos últimos 2 anos, o que é bastante expressivo. Se a esta percentagem aliarmos uma outra, do “LGBT Real Estate Report” que refere que, nos Estados Unidos, ainda 46% da comunidade LGBTI sente receio de discriminação no seu processo de compra de casa... percebemos por que é que os olhos transatlânticos estão fixados em Portugal como potencial destino de residência.

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Foto de Anna Shvets no Pexels

Como evoluíram os preços de compra/venda e arrendamento nestas zonas mais inclusivas?

Tudo aumentou.

O LisboaPride – Homes for everyone, continua a distinguir-se neste segmento de mercado. Como está a correr o projeto?

O projeto continua a sua missão de apoio a iniciativas LGBTI que promovam o sentido de comunidade e liberdade para que todos se sintam em casa. Ao mesmo tempo, a marca prepara-se para um rebranding, mostrando a maturidade adquirida, a robustez da estrutura de serviços e a legitimidade da iniciativa em si. Queremos dar e, ao mesmo tempo, demonstrar, um salto qualitativo e aumentar a integração da LisboaPride na evolução das condições de vida da comunidade, na preservação e promulgação dos seus direitos e ser também, mais do que agentes imobiliários, agentes de mudança. É essencial, para nós, nesta altura, contribuir para que o nicho de mercado LGBTI deixe de ser percecionado como algo “alternativo”, ou até marginal.

A recente campanha de rebranding da JPVA, a marca sobre a qual a LisboaPride opera, conta com 2 filmes especialmente dedicados à comunidade, e espelha essa mesma vontade. Queremos também contribuir com conhecimento, com estudos e dados de esclarecimento. Porque, no final de contas, o esclarecimento contribui para a verdadeira aceitação. Esta intenção de rebranding vai também promover a nossa amplitude e notoriedade, mostrando a residentes de países politicamente mais instáveis e menos friendly, que Portugal tem tudo para ser a sua casa. Resumindo: o projeto está, de facto, a correr.

LGBTI
Foto de Robert Katzki no Unsplash

Nunca se falou tanto de habitação como agora. Como olha para o programa Mais Habitação anunciado pelo Governo?

Como um todo, acho que o Programa, mesmo tendo pontos que podem eventualmente promover a crítica, é absolutamente necessário. No entanto, a meu ver, o desafio deste programa é igual ao de qualquer outro: a sua implementação. Isto porque mexe com algo que toca a vida de todos, o sítio onde vivemos. No entanto, há dois pontos em particular, abordados no mesmo, que me fazem olhar para o Mais Habitação com bons olhos, pelo menos em teoria: a iniciativa tem de facto medidas para proteger os mais desprotegidos perante a inflação que se faz sentir no mercado imobiliário, nomeadamente no que diz respeito à ameaça de disparo no valor das rendas.

Também se prevê um incentivo à mudança das casas de alojamento local para arrendamento. Não quero com isto dizer que sou contra o turismo, apenas que sou fervorosamente a favor da habitação e da preservação da população local no coração das cidades, senão incorrem no risco de serem descaracterizadas, ocas de autenticidade e, lá está, de comunidade, de realidade, de vivência, de comércio local para o local, e, ultimamente, daquilo que atrai turistas: verdade e originalidade cultural. Sem dúvida que encontrar um equilíbrio entre todos estes interesses é uma missão que deve ser levada muito a sério pelo país. Mas, sem bom-senso e compromisso, os reais benefícios do programa podem ser comprometidos.

O fim dos vistos gold poderá ter algum tipo de impacto na comunidade LGBTI estrangeira que nos procura?

Mais uma vez, creio que o impacto na comunidade LGBTI estrangeira segue simetricamente o impacto geral que tem no estrangeiro interessado na residência não habitual, sem especificações concretas à comunidade. Os vistos gold tiveram um impacto tremendamente positivo na reabilitação das cidades e na reedificação do setor imobiliário após a crise financeira. Naturalmente, o seu fim terá um impacto também. Há sempre um receio que a procura por Portugal como potencial casa sofra consequências. No entanto, a verdade é que existem hoje alternativas (vistos D7, visto nómada digital) e que poderão surgir outras medidas e incentivos, e que esta medida em particular sempre foi anunciada como provisória.

O Euro Pride 2025 terá lugar em Lisboa. Qual a importância deste evento para a cidade e para o país?

Magnânima. É uma celebração sem igual e será uma bonita forma de mostrar ao mundo que Portugal recebe com seriedade, estrutura, dignidade e alegria a igualdade de direitos humanos. Saiba o poder político (ao nível local – Lisboa, e cidades limítrofes – e nacional – governo) aproveitar com coragem e determinação esta oportunidade, envolvendo a comunidade e a sociedade civil.  

É uma celebração sem igual e será uma bonita forma de mostrar ao mundo que Portugal recebe com seriedade, estrutura, dignidade e alegria a igualdade de direitos humanos.

mês do Orgulho
Foto de RDNE Stock project no Pexels

Portugal perdeu posições no Rainbow Europe Map 2023. O que faz falta fazer para o país avançar nos direitos LGBTI?

Portugal perdeu posições porque outros países registaram subidas. Isso não quer dizer que tenha perdido ímpeto. Considero um tema diferente do assunto sobre o que faz falta fazer para o país avançar no que a direitos LGBTI diz respeito.

Aqui, aproveito para partilhar uma visão mais íntima, talvez até mais básica, mas prática. E, honestamente, acho que faz falta, de facto, mais execução prática para suportar o discurso da igualdade. Às vezes, quando falamos em direitos, acabamos por nos distanciar do que são na sua essência: a garantia de condições para o exercício de uma vida livre, sã e plena. Nesta linha de raciocínio, vejo que faz falta acomodar com condições concretas o direito à não discriminação na vida quotidiana. Sinto que às vezes ficamos por grandes conceitos e conversas e, no dia a dia, alguém que não se reveja no ícone homem ou mulher do wc de um centro comercial não tem um lugar designado para ir. No dia a dia, a maioria, senão a totalidade das fardas escolares, são calça para eles e saia para elas. No dia a dia do mercado imobiliário, a grande maioria dos agentes não faz ideia das sensibilidades e subtilezas a ter em conta com esta comunidade, não tratando com igualdade e, por isso, legitimidade, as suas diferenças.

Às vezes, quando falamos em direitos, acabamos por nos distanciar do que são na sua essência: a garantia de condições para o exercício de uma vida livre, sã e plena. Nesta linha de raciocínio, vejo que faz falta acomodar com condições concretas o direito à não discriminação na vida quotidiana.

Olho para Portugal, que gosta de se ver como um país que não é pequeno, e sinto que temos de fazer precisamente, pequeno. Pequenas mudanças para reforçar um grande discurso. Aqui e ali, fazer, fazer, fazer. Olhar com curiosidade para a matéria do quotidiano, tal como a arquitetura de um espaço nos pode convidar intuitivamente a apreciar um jardim ou a sentir calma numa casa, e trabalhá-lo para que organicamente a aceitação se faça sentir.

Acredito que a conversa sobre a pluralidade de género avançará à medida que o género for deixando de ser, precisamente, uma conversa necessária. E para isso não é preciso só falar. É preciso fazer.

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