Paralelamente, cerca de 2.500 pessoas deixaram de viver na condição de sem-abrigo nos últimos três anos, entre 2020 e 2022.
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Sem-abrigo em Portugal
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Mais de 10.700 pessoas viviam na condição de sem-abrigo em 2022, segundo dados oficiais divulgados esta quarta-feira (20 de dezembro de 2023), em que pela primeira vez foi feito um levantamento em todos os municípios de Portugal continental. Segundo a síntese de resultados do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo para o ano de 2022, “foram sinalizadas 10.773 pessoas em situação de sem-abrigo”. Paralelamente, cerca de 2.500 pessoas deixaram de viver na condição de sem-abrigo nos últimos três anos, entre 2020 e 2022.

Segundo a Lusa, que se apoia em dados do referido inquérito, das 10.773 pessoas em situação de sem-abrigo, 5.975 viviam na condição de sem-teto, ou seja, na rua, num abrigo de emergência ou noutro local precário. As restantes 4.798 não tinham casa e viviam num alojamento temporário.

Citado pela agência de notícia, o coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), Henrique Joaquim, admitiu que quantitativamente há um aumento em relação a 2021, mas apontou como explicação o facto de, pela primeira vez, todos os municípios terem preenchido o questionário que permite fazer o levantamento do número de pessoas sem-abrigo.

Os dados agora conhecidos permitem ainda concluir que “face à população residente, existiam em Portugal continental 1,08 pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes”. “O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve [são] as regiões que registaram as proporções mais elevadas, respetivamente 2,13; 1,60 e 1,51 (pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes)”, lê-se no documento.

De acordo com o relatório, “atendendo aos números reportados pelos 273 concelhos que participaram na recolha de informação a 31 de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022, verifica-se um aumento de 19% de pessoas em situação de sem-abrigo em território continental”. 

Pobreza em Portugal
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Outras conclusões a retirar do inquérito: 

  • Há pessoas sem-abrigo em 156 dos concelhos (57%), sendo que nos restantes 118 não houve qualquer registo;
  • O fenómeno está disperso um pouco por todo o território nacional, “com concentração substancial nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”, que “concentram 56% do valor total de pessoas em situação de sem-abrigo”;
  • O perfil da pessoa em situação de sem-abrigo não sofreu alteração, mantendo-se, genericamente, o género masculino, em idade ativa acima dos 45 anos e “com várias problemáticas associadas”;
  • Foram identificados 1.099 casais em situação de sem-abrigo em todo o país, 781 dos quais na condição de sem teto;
  • Quase um terço do total de pessoas sem-abrigo estão nesta condição entre um a cinco anos e para 61% o Rendimento Social de Inserção (RSI) é a fonte de rendimento mais mencionada.

Cerca de 2.500 pessoas deixaram de viver como sem-abrigo em 3 anos

Segundo Henrique Joaquim, cerca de 2.500 pessoas deixaram de viver na condição de sem-abrigo nos últimos três anos, entre 2020 e 2022. Só no ano passado, 717 pessoas conseguiram deixar a situação de sem-abrigo e encontraram uma habitação permanente, das quais 323 na Área Metropolitana de Lisboa.

"Estamos a falar, obviamente, de 2020, 2021 e ainda 2022, anos particularmente complicados por via do Covid e depois da crise, da inflação"
Henrique Joaquim, coordenador da ENIPSSA

“Estamos a falar, obviamente, de 2020, 2021 e ainda 2022, anos particularmente complicados por via do Covid e depois da crise, da inflação”, revelou o coordenador da ENIPSSA, acrescentando que existem atualmente cerca de mil lugares protocolados, quer em regime de ‘housing-first’, quer em habitação partilhada, com “taxas de ocupação acima dos 80%”, estando previstas mais 380 vagas a aprovar brevemente.

“Desde que esta resposta está a funcionar, estamos a falar para 2020, 2021 e 2022, já passaram por estas vagas mais de 850 pessoas”, adiantou o responsável.

Henrique Joaquim referiu também que para esses três anos estas respostas representaram um investimento de mais de 5,5 milhões de euros, via Orçamento do Estado, além dos projetos apoiados pelo Fundo Social Europeu, que “já tem novos avisos [para concursos] abertos em todas as regiões, exceto a norte, que vai arrancar em 2024". “Para que possamos continuar a aumentar as respostas para estas pessoas nos municípios, ou seja, para dar mais consistência a esta abordagem que foi criada”, sublinhou.

Pobreza e sem-abrigo em Portugal
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Lisboa destina 68 milhões de euros para dar resposta

Entretanto, e segundo escreve o Público, as pessoas em situação de sem-abrigo de Lisboa vão passar a ser acompanhadas por uma equipa técnica de rua pluridisciplinar com diferentes níveis de especialização na intervenção, que incluem valências de emergência, migração, tradutores e saúde, entre outras. Paralelamente, a cada indivíduo na condição de sem-teto será atribuído um “técnico de gestor de caso”, responsável pelo seu acompanhamento. 

Estas são duas das 81 medidas que constam do Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem Abrigo (PMPSSA) 2024-2030, que prevê uma despesa de mais de 68 milhões de euros até ao final desta década.

“Vamos aumentar o número de vagas disponíveis para as pessoas em situação de sem-abrigo. Vamos criar uma unidade com todas as valências para reforçar a capacidade de resposta”, disse o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, citado pela publicação. 

“Estamos a responder a um problema grave que necessita de respostas mais fortes de todos. E, da nossa parte, tudo temos feito para reforçar em todos os níveis os apoios financeiros para estas áreas e as estruturas de apoio a todas as equipas. [Este] é um trabalho sem fim, que não pode estar assente e dependente exclusivamente da vontade e dos apoios das autarquias”, acrescentou, salientado que “o Estado central tem de dar respostas concretas e assumir as suas responsabilidades”.

Pessoas LGBTQIA+ tornam-se sem-abrigo por falta de apoios

Portugal carece de “respostas especializadas” para a comunidade LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo, alertou a Opus Diversidades, considerando que as instituições abrangentes não sabem lidar com esta comunidade. Segundo a organização, muitas das associações que apoiam pessoas LGBTQIA+​ em situação de sem-abrigo “não dispõem de serviços específicos” nem “estão preparadas e sensibilizadas para as especificidades” da comunidade.

“As equipas não estão preparadas, não há uma formação adequada para acolher, para respeitar pronomes, para perceber quais são as idiossincrasias destas pessoas, que normalmente vêm com uma mochila carregada de muita coisa”, assinalou à Lusa o presidente da direcção da Opus Diversidades, Helder Bértolo, por ocasião do encontro sobre respostas para a situação de sem-abrigo e a privação de habitação de jovens LGBTQIA+, que decorreu esta terça-feira em Lisboa.

O presidente sublinha ainda que o problema não está nas respostas específicas para esta população, como é o caso da Casa de Acolhimento Temporário de Emergência em Portugal para pessoas LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo, gerida pela Opus Diversidades. A questão, sublinhou, é a impreparação das respostas transversais.

As pessoas em situação de sem-abrigo que já passaram por centros municipais ou da Segurança Social não tiveram “qualquer tipo de bons resultados” e “muitas vezes voltam para a rua”, realçou Helder Bértolo. “A homofobia, e especialmente a transfobia, nestes espaços é incrível.”

A exclusão habitacional e a situação de sem-abrigo que a comunidade enfrenta continuam a ser negligenciadas nas atuais políticas de habitação e, a par das “deficiências dos serviços” disponibilizados a esta população. A par disto, há falta de formação “adequada” das equipas técnicas, que, por isso, também não conseguem fazer “uma pedagogia junto das outras pessoas acolhidas”, que assumem “habitualmente” um discurso “xenófobo, racista, misógino, machista e homofóbico ou transfóbico”. E essa situação, realçou, acaba por revitimizar as vítimas de agressão e discriminação.

A presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), Sandra Ribeiro, subscreveu a importância de se ter respostas especializadas para esta população e concordou que é necessário formar e capacitar a administração pública. “Nunca tivemos tantos ataques à política pública nesta matéria como agora”, alertou. "Não sabemos quantas pessoas LGBT estão em situação de sem-abrigo, mas deduzimos que devem ser muitas”, estimou.

"Não sabemos quantas pessoas LGBT estão em situação de sem-abrigo, mas deduzimos que devem ser muitas”
Sandra Ribeiro,  presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género

Helder Bértolo declarou ainda que existem "poucos dados” sobre Portugal, mas os que existem “são muito reprodutíveis" e estimam “20 a 40% de pessoas LGBT entre a população em situação de sem-abrigo”. Desses, é provável que “quase 70%” estejam em situação de sem-abrigo “por serem LGBT”, porque se assumiram em casa e foram expulsas, não conseguiram suportar o ambiente familiar ou porque perderam o emprego.

Segundo o mesmo responsável, os resultados apresentados no âmbito do projecto europeu QueerNest revelam que a vulnerabilidade de jovens LGBTQIA+ “tem aumentado”. “A pandemia foi terrível” e várias pessoas ficaram sem trabalho e sem alojamento, frisou.

*Com Lusa

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