João Cília, que assumiu o cargo de CEO da mediadora imobiliária Porta da Frente Christie’s em março de 2023, diz ao idealista/news, sem rodeios, que “o mercado residencial de luxo em Portugal vive uma dinâmica de pressão crescente”, com a procura a ser elevada – “Há um interesse cada vez mais concentrado nos segmentos Affluent e Premium, ou seja, nos imóveis que se situam entre os 10% e os 2% mais caros do mercado” – e a oferta escassa, havendo “uma falta estrutural de imóveis”. Para o gestor não restam dúvidas de que “os compradores estão mais ativos e exigentes, enquanto a oferta continua limitada, mantendo os preços em subida e pressionando todos os segmentos”.
Salientando que “o imobiliário de gama alta tem vindo a expandir horizontes e alargar território”, com o interesse dos compradores e/ou investidores a alastrar-se por várias regiões do país, como Setúbal, Beja, Madeira, Comporta e Alentejo, João Cília revela que os portugueses continuam a piscar o olho a este segmento. Para dar resposta à falta de casas, que abrange todos os segmentos do imobiliário residencial, apela à urgência agilizar os processos de licenciamento: “A rapidez na aprovação de projetos será determinante para aumentar a oferta, tanto na habitação acessível como no segmento de gama alta”.
Sobre o papel da tecnologia na mediação imobiliária, nomeadamente da Inteligência Artificial (IA), o especialista considera que “está a mudar profundamente o papel dos consultores imobiliários”. “As características do consultor de luxo evoluíram significativamente. Historicamente, a mediação imobiliária esteve assente sobretudo na capacidade de criar relações de confiança com o cliente. Esta competência continua a ser fundamental, mas hoje é complementada por novas exigências”, explica.
A Porta da Frente Christie’s organizou, recentemente, o Portugal Realty Premium Forum, que discutiu as tendências que estão a moldar o imobiliário português de gama alta. Que conclusões há a retirar?
O Portugal Realty Premium Forum confirmou que o imobiliário de gama alta em Portugal continua a ser marcado por um forte desequilíbrio entre procura e oferta. A procura permanece muito dinâmica, impulsionada por fatores estruturais como taxas de juro mais baixas, maior imigração, famílias mais pequenas e a crescente concentração nas grandes cidades. Tendências que vieram para ficar. Em contraste, a oferta continua limitada devido a dificuldades de licenciamento, falta de mão de obra e ausência de uma estratégia eficaz de transporte público que permita expandir o mercado para além dos centros urbanos. Este cenário mantém a pressão sobre os preços e sustenta o crescimento do segmento premium.
O evento destacou também a transformação tecnológica em curso. A digitalização e o uso de IA estão a redefinir a mediação imobiliária, desde o marketing de performance e qualificação de leads até processos mais avançados de análise e personalização. Neste contexto, dois perfis de mediadores tendem a destacar-se: por um lado, as grandes empresas que investem fortemente em tecnologia e equipas qualificadas; por outro, mediadores mais pequenos ou independentes com modelos altamente personalizados e relações próximas com um número reduzido de clientes de elevado perfil.
Outro ponto relevante foi a crescente importância das parcerias imobiliárias num mercado cada vez mais competitivo. Cerca de 25% das transações da Porta da Frente Christie’s dependem de outros mediadores, o que demonstra que a colaboração é hoje uma vantagem estratégica e uma forma eficaz de criar valor e ampliar oportunidades de negócio.
No fundo, o segmento premium está a crescer de forma sustentada, apoiado em procura sólida, oferta restrita e numa evolução tecnológica que está a transformar a mediação e a elevar o nível de exigência e profissionalização do setor.
O que está a mudar no segmento residencial de luxo em Portugal, quer do lado da procura quer do lado da oferta?
O mercado residencial de luxo em Portugal vive uma dinâmica de pressão crescente. Do lado da procura, há um interesse cada vez mais concentrado nos segmentos Affluent e Premium, ou seja, nos imóveis que se situam entre os 10% e os 2% mais caros do mercado. O número de leads por anúncio tem aumentado de forma significativa, refletindo uma procura intensa e muito focalizada, sobretudo em Lisboa, Porto e Faro, regiões que continuam a atrair residentes e investidores internacionais.
"Estamos perante um mercado em que os compradores estão mais ativos e exigentes, enquanto a oferta continua limitada, mantendo os preços em subida e pressionando todos os segmentos"
Do lado da oferta, o cenário é diferente: há uma falta estrutural de imóveis. Comparativamente a 2024, a oferta caiu 11%, numa altura em que os custos de construção continuam a subir (+30% desde 2021) e não existem políticas públicas consistentes para estimular a produção de nova habitação. Esta escassez é estrutural, resultante de anos de baixo nível de construção. Basta olhar para a diferença entre os cerca de 120.000 fogos construídos em 2008 e os 20.000 em 2024. A consequência é que a procura supera sistematicamente a oferta, o que tem impulsionado uma valorização média dos preços de cerca de 7,3% em 2025.
Estamos perante um mercado em que os compradores estão mais ativos e exigentes, enquanto a oferta continua limitada, mantendo os preços em subida e pressionando todos os segmentos.
Pandemia, guerras e/ou conflitos armados e taxas de juro e inflação elevadas, estando agora a estabilizar. É correto afirmar que o segmento residencial de luxo está imune a estes (e outros) fenómenos?
Não me parece que o segmento de luxo seja imune a estes fenómenos, em especial a crises económicas, como se viu por exemplo na crise financeira em 2008-2012. Contudo, o segmento pode ser afetado de forma diferente e mostrar maior resiliência a algumas situações internacionais. Vou dar um exemplo, as duas atuais guerras, Ucrânia e Palestina, criam um efeito de grande incerteza em ambas as regiões, o que naturalmente leva à fuga de pessoas e capitais destas regiões do globo para outras mais estáveis e seguras. Nesse sentido, o impacto em Portugal é um crescimento da procura por imóveis de clientes destas regiões, seja porque querem vir viver para o nosso país ou para investimento, com o objetivo de colocar o seu capital num país com um risco reduzido.
Relativamente ao negócio da Porta da Frente Christie’s que balanço é possível fazer do ano de 2025, face a 2024?
Em 2025, a Porta da frente Christie’s foi responsável por mais de 650 transações de imóveis na região de Lisboa, Cascais e Alentejo, o que reflete um crescimento ligeiramente acima de 30% em número de transações – o maior desde o início da empresa. O volume total de imóveis transacionados ascendeu a mais de 600 milhões de euros, mais 30% que em 2024, o que representa uma transação média acima de 920.000 euros.
De salientar que a maior parte deste crescimento vem do segmento Affluent, ou seja, o segmento de entrada no mercado de gama alta. Estamos a falar de imóveis fora do centro de Lisboa com preços mais baixos que os segmentos premium/luxo. Este é um segmento em que mais de 90% dos clientes são portugueses e que está muito dinâmico nos últimos dois anos, em especial depois da descida das taxas de juro, iniciada em 2024.
"O imobiliário de gama alta tem vindo a expandir horizontes e alargar território. (...) Concelhos como Setúbal, Beja e até a Madeira começam a surgir como alternativas desejáveis. A Comporta e o Alentejo são das zonas que mais têm crescido neste segmento e que demonstram um enorme interesse e procura por parte de investidores estrangeiros, mas também nacionais"
Estão em causa imóveis localizados, sobretudo, em que zonas do país? São as “tradicionais”, como Vale do Lobo, Quinta da Marinha, etc., ou há novas zonas emergentes, como por exemplo a Comporta?
O imobiliário de gama alta tem vindo a expandir horizontes e alargar território. Durante anos, Lisboa, Faro e Porto foram os protagonistas. Hoje, verificamos que concelhos como Setúbal, Beja e até a Madeira começam a surgir como alternativas desejáveis. A Comporta e o Alentejo são das zonas que mais têm crescido neste segmento e que demonstram um enorme interesse e procura por parte de investidores estrangeiros, mas também nacionais.
Sobre o perfil dos compradores e/ou investidores do segmento de luxo, há novas nacionalidades de olho no mercado nacional?
Nos últimos anos, os norte-americanos têm sido o grupo internacional com maior crescimento. Antes da pandemia, tinham um peso quase residual e hoje já representam mais de 10% das transações da Porta da Frente Christie’s, sendo mesmo o principal mercado internacional em algumas zonas de Lisboa. Em Cascais, ficam atrás dos brasileiros, que mantêm uma procura muito consistente há mais de cinco anos. Mais recentemente, surgiu também um novo perfil de compradores israelitas, sobretudo focados em oportunidades de investimento.
Este interesse internacional continua a ser impulsionado por fatores como o clima, a estabilidade, a segurança, o custo de vida competitivo e as boas ligações áreas, o que torna Portugal cada vez mais atrativo e cosmopolita para este segmento de luxo.
Como tem evoluído a procura por partes de compradores e/ou investidores nacionais? Continua a haver muitos portugueses a investir no segmento residencial de luxo no país?
A procura por parte de compradores portugueses tem aumentado de forma muito expressiva. A descida das taxas de juro e a valorização das casas que já possuíam levou muitos clientes nacionais a vender com mais-valias e a procurar novas soluções habitacionais, sobretudo em zonas de expansão como Miraflores, Loures, Lumiar ou Belas.
Paralelamente, continua a existir um número relevante de investidores portugueses no segmento de gama alta. Além das famílias que procuram melhorar a sua habitação principal, existe uma fatia crescente de investidores nacionais que têm o imobiliário de luxo como alternativa aos produtos financeiros tradicionais, cuja rentabilidade tem sido mais baixa. A estabilidade e segurança deste tipo de investimento tem mantido o interesse muito ativo.
Que tipo de imóveis procuram os investidores/compradores? Mais moradias ou penthouses/apartamentos? E a procura por palacetes e outros imóveis mais “fora da caixa” continua alta?
Para responder a esta pergunta, tenho de dividir os investidores entre dois tipos: investidores de capital e investidores de rentabilidade.
O investidor de capital procura essencialmente recuperar o capital investido com uma mais-valia no prazo de dois-três anos. Este investidor procura essencialmente aproveitar a valorização do mercado, investindo em imóveis em planta que poderá revender quando prontos. Tendencialmente, os imóveis mais líquidos são os de menor dimensão e tem crescido muito a apetência por condomínios novos na zona limítrofe de Lisboa a preços até 7.000 euros por metro quadrado (euros/m2).
O investidor de rentabilidade procura imóveis para posteriormente arrendar. Neste perfil de investidor, os imóveis turísticos têm ganho popularidade, pois permitem uma rentabilidade em linha com o arrendamento tradicional, mas com algumas vantagens significativas, pois não exigem uma gestão dos inquilinos e têm uma grande flexibilidade, permitindo aos proprietários intercalar a exploração turística com a utilização do apartamento, algo muito procurado por clientes estrangeiros que passam apenas parte do ano em Portugal.
"Continua a existir um número relevante de investidores portugueses no segmento de gama alta. Além das famílias que procuram melhorar a sua habitação principal, existe uma fatia crescente de investidores nacionais que têm o imobiliário de luxo como alternativa aos produtos financeiros tradicionais, cuja rentabilidade tem sido mais baixa"
Alguns ‘players’ consideram que há em Portugal um segmento residencial que vai além do luxo, uma espécie de casas de ultraluxo? Concorda com esta visão?
É possível dividir o subsegmento do luxo e destacar uma oferta de ultraluxo em algumas zonas de Portugal, em especial Cascais, frente mar, Comporta e locais muito específicos em Lisboa. Em Portugal, esta oferta é muito escassa. Como tal, o segmento tem uma dimensão muito inferior a outros países europeus.
O papel da mediação imobiliária e dos consultores imobiliários que trabalham no segmento de luxo está também a mudar, nomeadamente devido ao impacto da tecnologia e da IA?
Sim. A tecnologia e, em particular, a IA estão a mudar profundamente o papel dos consultores imobiliários. Cada vez mais, a tecnologia faz parte do nosso dia a dia, sendo utilizada tanto em tarefas simples como nas mais exigentes.
Na Porta da Frente, por exemplo, basta o consultor inserir as características do imóvel no sistema da empresa para que seja criada automaticamente uma descrição detalhada do imóvel e da zona envolvente, destacando os pontos comerciais mais relevantes e já otimizada para motores de busca. Isto acelera processos e melhora a qualidade da comunicação.
O maior salto está nas ferramentas que utilizamos para lidar com temas complexos, como a nossa assistente virtual, a Rachel. Recentemente atualizada, passou a proporcionar um atendimento altamente personalizado e inteligente a todos os visitantes do website, facilitando a identificação de oportunidades com maior probabilidade de sucesso. Além disso, acompanha clientes em visitas virtuais, recolhendo informação em tempo real para adaptar o serviço às suas necessidades.
A Rachel é o melhor exemplo de que, no fundo, a tecnologia não substitui o consultor: potencia-o, tornando o seu trabalho muito mais eficaz. Como costumo dizer, no futuro, os líderes serão inevitavelmente aqueles que apostarem na digitalização. E é exatamente isso que temos feito.
As características que um consultor imobiliário que opera no segmento premium tem de ter são hoje diferentes das do passado?
Sim, as características do consultor de luxo evoluíram significativamente. Historicamente, a mediação imobiliária esteve assente sobretudo na capacidade de criar relações de confiança com o cliente. Esta competência continua a ser fundamental, mas hoje é complementada por novas exigências.
Por um lado, o consultor premium dos dias de hoje atua mais como uma pessoa de confiança e gestor de experiência do que como um simples intermediário. É preciso oferecer um serviço personalizado e exclusivo, compreender profundamente as necessidades individuais de cada cliente e apoiá-lo em todas as vertentes da sua mudança para Portugal, no caso de clientes internacionais, incluindo realocação, serviços domésticos e networking local.
Por outro lado, a tecnologia tornou-se uma ferramenta essencial: o consultor deve usar CRM e outras soluções digitais para gerir contactos, leads, oportunidades e imóveis, garantindo um acompanhamento próximo, eficiente e estruturado de múltiplos clientes e parceiros. Ou seja, a relação de confiança mantém-se como o foco do negócio, mas agora é cada vez mais orientada ao conteúdo, à informação e à eficácia.
O Governo anunciou novas medidas relacionadas com a habitação. São sobretudo destinadas ao aumento da oferta no segmento da classe média, mas terão impacto, também, no segmento de luxo?
As medidas anunciadas pelo Governo têm como objetivo principal responder ao problema estrutural da habitação acessível e da classe média, [pelo que] o efeito direto no segmento de luxo será bastante limitado. No entanto, algumas medidas poderão ter consequências indiretas. A redução do IVA para a construção faz sentido num bem essencial como a habitação e poderá contribuir para baixar custos, mas a sua aplicação é complexa, uma vez que durante a fase de obra é difícil distinguir frações acima ou abaixo dos 648.000 euros. Como muitos projetos incluem ambos os tipos de unidades, a medida terá relevância muito reduzida no mercado de gama alta. Também as medidas relacionadas com rendas moderadas e benefícios fiscais são importantes para o arrendamento acessível, mas não alteram de forma significativa o mercado premium, que funciona maioritariamente através de transações de compra.
Quanto ao aumento do IMT para estrangeiros não residentes, trata-se de uma medida com pouco alcance prático, uma vez que apenas 2,3% das transações em Portugal envolvem este tipo de compradores. Não terá melhorias reais à habitação acessível nem ao mercado de luxo, podendo apenas gerar alguma perceção negativa, sem efeitos estruturais.
"As medidas [do Governo para a habitação] dirigidas à classe média não deverão alterar de forma significativa o mercado de luxo, que continuará a funcionar com dinâmicas próprias. A exceção é a agilização de licenciamentos, que, se for concretizada, poderá beneficiar todo o setor, incluindo o segmento premium"
A única medida com impacto verdadeiramente transversal é a promessa de um licenciamento mais ágil. A rapidez na aprovação de projetos será determinante para aumentar a oferta, tanto na habitação acessível como no segmento de gama alta. Um dos maiores desafios do mercado premium é precisamente a escassez de terrenos e projetos viáveis, e um processo de licenciamento mais eficiente poderá permitir o lançamento de novos empreendimentos e maior dinamização do setor.
Em resumo, as medidas dirigidas à classe média não deverão alterar de forma significativa o mercado de luxo, que continuará a funcionar com dinâmicas próprias. A exceção é a agilização de licenciamentos, que, se for concretizada, poderá beneficiar todo o setor, incluindo o segmento premium.
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