A polémica volta a estar instalada em torno dos vistos gold, depois do primeiro-ministro, António Costa, ter admitido que o Governo está a avaliar o fim deste programa para obtenção de autorização de residência em Portugal. Trata-se de um programa criado em 2012 que captou investimento estrangeiro para o país na ordem dos 6,56 mil milhões de euros até setembro, tendo sido a sua grande maioria alocado ao setor imobiliário (cerca de 90%).
Em reação à avaliação do fim dos vistos gold pelo Governo, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) afirma que o setor imobiliário viu "com grande surpresa, mas também preocupação e consternação este anúncio, que apenas vem trazer ruído e ainda mais instabilidade a um mercado que já vem vivendo um momento de incerteza, fruto do cenário macroeconómico e geopolítico internacional", disse em declarações ao idealista/news. O que o programa vistos gold precisa, na ótica de Hugo Santos Ferreira, é de evoluir.
Foi esta quarta-feira, dia 2 de novembro, que António Costa admitiu que o fim dos vistos gold está em cima da mesa. “Há programas que nós estamos neste momento a reavaliar e um deles é o dos vistos gold que, provavelmente, já cumpriu a função que tinha a cumprir”, disse o primeiro-ministro na Web Summit, não avançado, contudo, uma data que poderá marcar o fim desde programa. “Neste momento, estamos a avaliar se os vistos gold fazem sentido”, acrescentou António Costa.
Surpreendido com a revelação do Governo, o presidente da APPII não tem dúvidas de que "o programa [vistos gold] está longe de ter os seus desígnios cumpridos". E afirma, em declarações ao idealista/news, que num momento em que país vive instabilidade internacional fruto da crise económica e da guerra da Ucrânia, este programa "é ainda mais Importante", até porque traz todos os anos 500 milhões de euros de investimento estrangeiro para o país.
"Nesta altura em que vivemos, de facto, este período de instabilidade internacional em matéria de captação de investimento estrangeiro em Portugal – que é muito necessário –, tudo o que não precisávamos era de um anúncio destes neste momento", Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII
Em reação a este anúncio do Executivo socialista, o PCP e o BE desafiaram o Governo a acabar com os vistos gold já na discussão do Orçamento de Estado para 2023 (OE2023). "Este regime só contribuiu para o aumento da especulação e dos custos com a habitação", afirmou Paula Santos, líder parlamentar do PCP, citada na edição impressa do Jornal de Notícias. E Catarina Martins, líder do BE, criticou a criação de novos "regimes de privilégios". À direita, a IL concordou com Costa dizendo que “é oportuna a reavaliação do programa”, o Chega criticou e o PSD fez saber que falará quando a posição do Governo for definitiva.
Em alternativa ao fim dos vistos, Hugo Santos Ferreira considera que o programa "pode e deve evoluir naturalmente". "Temos vindo a sugerir ao Governo algumas hipóteses, como trazer a sustentabilidade, questões sociais, o arrendamento, a dinamização da inovação também para este programa. Pensamos que é assim que ele pode e deve evoluir e não desperdiçamos o programa que traz 500 milhões de euros à economia por ano, que é essencial", argumentou o presidente da APPII ao idealista/news.
O que são os vistos gold? E quanto investimento captaram?
O visto gold – conhecido oficialmente por Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) – é uma autorização para entrada e residência em Portugal, atribuída a cidadãos estrangeiros, não naturais da União Europeia ou residentes fora do espaço Schengen, em troca de:
- Captação de investimento (como a compra de imóveis de valores elevados);
- Transferência de capitais de valor avultado;
- Criação de emprego de, pelos menos, 10 postos de trabalho.
Esta tem sido uma forma de os estrangeiros entrarem em Portugal, onde podem viver e trabalhar. E também ter acesso livre ao espaço Schengen. Os vistos gold atraíram desde 2012 até setembro deste ano um total de 6,56 mil milhões de euros, tendo sido atribuídos 11.180 autorizações de residência, mostram os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Nos últimos dez anos, as autorizações de residência são atribuídas a investidores estrangeiros que vêm sobretudo de países como:
- China (5.194 vistos gold);
- Brasil (1.137 ARI);
- Turquia (530);
- África do Sul (474);
- EUA (483).
De notar que o SEF suspendeu a atribuição de autorizações de residência para cidadãos russos, logo após o início da guerra da Ucrânia. E, mesmo assim, há pedidos de vistos gold de cidadãos russos a chegar aos serviços portugueses.
Em que setores mais investem para obtenção dos vistos gold?
A aquisição de bens imóveis tem sido o destino da maior fatia do investimento alocado ao programa de vistos gold. Em dez anos, o imobiliário captou 5.887 mil milhões de euros, atribuindo 10.322 ARI, revela o SEF. E neste campo os investidores podem optar por comprar uma casa nova superior a 500 mil euros ou comprar um imóvel para reabilitar custando mais de 350 mil euros, por exemplo.
Mas, desde o início do ano, os investidores viram o seu leque de opções de investimentos imobiliários reduzido, pois entrou em vigor um regime que proíbe a compra de imóveis residenciais nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e em certas regiões do Algarve, obrigando os cidadãos estrangeiros a procurar novas formas de obtenção de vistos gold. Mesmo assim o interesse e o investimento através dos golden visa não pararam e desde vários pontos geográficos do mundo - desde à China, Brasil, EUA, entre outros. Os dados mais recentes mostram que o investimento captado através dos vistos gold mais do que duplicou em setembro, face a igual mês de 2021, para 67,4 milhões de euros. Por outro lado, aumentaram os pedidos assentes no investimento em capital de risco, confirmou o SEF.
"É bom de ver que o setor imobiliário sustenta uma série de indústrias e fileiras económicas muitos importantes", presidente da APPII
Outra forma de obter os vistos gold é por transferência de capitais. Esta tem sido a segunda forma mais procurada pelos investidores para obter autorização de residência, já que foram captados 677 milhões de euros e atribuídos 836 ARI em dez anos.
Já a solução menos procurada para obtenção do visto dourado é mesmo a criação de emprego em Portugal. De lá para cá, só 22 vistos gold foram atribuídos nesta categoria, aponta o SEF. No total, só foram criados 280 postos de trabalho por via deste regime numa década. Foi o Brasil (3 vistos) que mais emprego criou neste programa, seguido pela Argélia (3), Estados Unidos (2), Turquia (2) e Líbano (2), escreve o Jornal de Negócios. A fraca captação de investidores que apostem na criação de emprego em Portugal pode ser um dos motivos por detrás da avaliação do fim dos vistos gold pelo Governo.
Sobre este ponto, Hugo Santos Ferreira discorda: "À critica que se diz que o programa golden visa não cria postos de trabalho é uma falácia completa". E explica porquê ao idealista/news: "Objetivamente já criou mais de 220 postos de trabalho e, naturalmente, cria e sustenta milhares e milhares de postos de trabalho na construção, nos materiais, na reabilitação urbana, o próprio comércio e várias pequenas atividades que têm surgido nas cidades fruto também do dinamismo do turismo e de todos estes fenómenos".
"O setor da construção tem vivido à conta destes programas de investimento. E, portanto, estamos a falar também de emprego. Ou seja, o setor da construção terá cerca de 600 mil trabalhadores suportados muito por este tipo de programas, que investem naturalmente em atividades como o imobiliário. Mas também estamos a falar da indústria dos materiais de construção", argumenta o presidente da APPII.
Quais os riscos e os benefícios dos vistos gold?
Este programa tem captado milhões de euros para Portugal todos os anos – é certo. Mas a Transparência Internacional Portugal alerta que o regime dos vistos gold também acarreta vários riscos: “O investimento e a colocação de património no estrangeiro pode servir para branquear capitais de origem corrupta ou criminosa, financiar crime organizado ou terrorismo de forma mais discreta ou fora do alcance das autoridades ou fugir aos impostos no país de origem”, afirma a organização sem fins lucrativos anticorrupção.
Já o advogado João Massano, defende que o programa dos vistos gold ajudou a dinamizar as cidades portuguesas. “As autorizações de residência para investimento contribuíram incomensuravelmente para o aumento do investimento em Portugal, nos ramos imobiliário, construção, diminuindo a taxa de desemprego e contribuindo para a reabilitação urbana, que noutras circunstâncias dificilmente teria ocorrido. Basta ver o que é Lisboa hoje! Contribuíram também para investimentos de vária natureza, como, por exemplo, em serviços, restauração, alojamento local, hostels, hotéis”, cita o ECO.
E contribui ainda para o aumento da receita fiscal do país, adianta ainda o advogado: “O Estado arrecadou valores de vária natureza como taxas de análise e de emissão de cartão, IMT, imposto de selo, registos, IMI e mais-valias”.
Também o presidente da APPII afirma que o programa vistos gold é, hoje, "ainda mais importante" para ultrapassar a crise económica. E recorda que no momento em que foi criado, em 2012, o país vivia uma crise financeira e os vistos gold ajudaram a alavancar a economia. "No fundo, ambos os momentos partilham um cenário de conturbação económica e precisamos de programas como este para captar investimento", afirmou Hugo Santos Ferreira, colocando ainda uma questão: "Se queremos acabar com este programa, onde é que pretendemos ir buscar estes montantes, que têm sido canalizados para o setor imobiliário?"
Além disso, a atual reavaliação dos vistos gold que poderá por fim ao programa poderá trazer consequências para o país. “A atual indefinição está a prejudicar a imagem de Portugal no estrangeiro e a levar o investimento para outros países. Tais investimentos do ponto de vista económico seriam de manter, dado que já nos encontramos a atravessar uma crise económica, que se vislumbra vir a agravar-se”, concluiu o advogado e também presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados.
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