Como aumentar a oferta? Agilizando licenciamentos e criando "uma licença de uso específica, que não existe", diz Maria Empis.
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Aumentar oferta de residência de estudantes
Maria Empis, Head of Work Dynamics da JLL Crédito: JLL

A crise na habitação atinge vários segmentos do setor imobiliário em Portugal, sendo o alojamento estudantil um deles. Um estudo recente da JLL confirmou isso mesmo, concluindo que faltam cerca de 46.000 camas em residências de estudantes em Lisboa e no Porto. Significa isto, portanto, que continua a haver um grande desequilíbrio entre a oferta e a procura. Como resolver este problema? Para aumentar a oferta, será necessário "agilizar processos de licenciamento e, acima de tudo, criar uma licença de uso específica de residências de estudantes, que não existe”, adianta Maria Empis, Head of Work Dynamics da JLL, em entrevista ao idealista/news. 

O ano de 2023 foi, neste segmento de mercado, muito dinâmico. Mas este ano pode ser mais morno, antecipa a especialista. “Para 2024, nomeadamente no caso das residências de estudantes, não esperamos tanta dinâmica porque existe muita falta de produto. Esperamos contar com duas ou três transações”, prevê, salientando, no entanto, que “o setor das residências de estudantes está com um bom ‘hype’, apesar dos desafios que o ‘real estate’ atravessa”. 

Segundo Maria Empis, “estão em construção cerca de seis residências, com um total de 1.700 camas, todas com conclusão prevista para 2024”. “Para os próximos cinco anos estão em pipeline cerca de 20 residências e 6.500 camas, essencialmente Lisboa e Porto, mas também em Coimbra, Faro, Aveiro, Covilhã, Braga”, acrescenta, antecipando a chegada ao mercado de 9.000 camas nos próximos anos, um número que considera ser ainda “claramente insuficiente”.

Estes são alguns dos temas abordados na entrevista, que pode ser lida na íntegra em baixo.

Portugal precisa de mais residências de estudantes
Foto de Priscilla Du Preez 🇨🇦 na Unsplash

A aposta em setores alternativos em Portugal, como os de ‘healthcare e living’, que incluem ativos como residências seniores ou residências de estudantes, manteve-se forte em 2023, certo? Porquê? O que esperar do ano de 2024, nomeadamente no caso das residências de estudantes?

Correto para as Purpose Built Student Accommodation (PBSA), devido à dinâmica resultante de bons projetos em fase de construção/licenciamento e até dois em operação no mercado, enquanto inadequado para as unidades sénior.

Como as residências de estudantes estão com uma performance operacional a nível nacional e europeu muito forte e todos sabem disso, apesar dos desafios que o real estate atravessa, o setor das residências de estudantes está com um bom ‘hype’. Demonstraram muita resiliência no Covid e rendas crescentes nos últimos dois anos, muito importantes para contrabalançar aumentos de OPEX e custos de financiamento. 

As residências seniores estão em falta do ponto de vista operacional, contudo o seu desenvolvimento é muito difícil devido às esmagadas margens de promoção e operação, elevada fiscalidade e elevados custos de construção. É um negócio que liberta pouca margem e a renda que os operadores estão dispostos a pagar não viabiliza a equação de promoção. Para 2024, nomeadamente no caso das residências de estudantes, não esperamos tanta dinâmica porque existe muita falta de produto. Esperamos contar com duas ou três transações.

Quantos projetos de residências de estudantes estão em construção e quantas camas vão chegar ao mercado em breve? São ainda poucas, tendo em conta que faltam cerca de 46.000 camas em Lisboa e no Porto, segundo o estudo “Student Housing Portugal”, da JLL?

Estão em construção cerca de seis residências, com um total de 1.700 camas, todas com conclusão prevista para 2024. 

"Em 2023, neste segmento do mercado imobiliário, foram investido cerca de 140 milhões de euros. O investimento neste segmento em 2024 e nos próximos anos, se as duas ou três transações previstas correrem como esperado, poderá atingir os 80 milhões de euros"

E em pipeline tem ideia de quantas residências de estudantes (e camas) podem chegar ao mercado nos próximos anos? Onde estarão localizadas? Será sobretudo em Lisboa e Porto? 

Para os próximos cinco anos estão em pipeline cerca de 20 residências e 6.500 camas, essencialmente Lisboa e Porto, mas também em Coimbra, Faro, Aveiro, Covilhã, Braga.   

Atualmente, há uma quantidade limitada de camas disponíveis, considerando a carência de aproximadamente 46.000 camas em Lisboa e no Porto, conforme indicado no estudo "Student Housing Portugal". No total, prevemos 9.000 camas a chegar ao mercado nos próximos anos, um número claramente insuficiente face às 46.000 em falta. O Porto, que é a cidade portuguesa com maior taxa de oferta por aluno, ainda tem espaço para ter uma oferta maior.

Residências de estudantes em Portugal
Foto de Brooke Cagle na Unsplash

Conclui-se, então, que há um forte desequilíbrio entre oferta e procura. O que pode ser feito para contrariar esta tendência? E em termos da qualidade da oferta e do custo, como classificaria os serviços das residências de estudantes em Portugal?

Sim, demonstrado pela elevada taxa de ocupação e rendas crescentes. O que pode ser feito para contrariar esta tendência será aumentar mais a oferta, agilizando processos de licenciamento e, acima de tudo, criar uma licença de uso especifica de residências de estudantes, que não existe, e que, portanto, está em constante competição com outras classes de ativos que geram mais rendimento (residencial, escritórios, hotéis). Esse facto restringe ainda mais a oferta. 

Em termos da qualidade da oferta e do custo, as residências de estudantes mais antigas são mais “pobres” ao nível de serviço prestado e, portanto, mais baratas. Nos últimos cinco anos, apareceram as residências ‘purpuse built’ (PBSA), que já se assemelham a hotéis para estudantes com estadias mínimas de um mês até um ano e rendas mais elevadas.

A verdade é que os investidores, nomeadamente estrangeiros, continuam a apostar neste nicho de mercado em Portugal, apesar da instabilidade existente no país, certo? O que os atrai? 

Sim, apesar do risco associado ao país e da instabilidade dos mercados, o mercado de PBSA continua muito atrativo essencialmente pelos retornos mais altos que outras classes de ativos e por se tratar de uma área relativamente nova que já provou que veio para ficar. Elevadas taxas de ocupação, rendas que sustentam ‘business plans’ e estudantes que preferem ter esta experiência em vez de optarem por quartos descaracterizados.

Se assim é, e havendo este interesse, porque é que a oferta de camas não aumenta de forma mais rápida? Há obstáculos?

As residências de estudantes estão em constante competição com outras classes de ativos que geram mais rendimento (residencial, escritórios, hotéis) e esse facto restringe ainda mais a oferta. Ou seja, quando temos um terreno com licença de uso residencial/serviços/hoteleiro, pode ser um PBSA mas também pode ser outro projeto que gere mais rendimento.

Portanto, promover novas residências em Lisboa tem sido desafiador devido à concorrência com outros ‘business plans’ de negócios mais atrativos. A viabilidade só se torna possível ao explorar áreas com menor interesse para outros fins, como regiões periféricas de Lisboa, ou direcionando esforços para locais específicos, como a Asprela no Porto, onde a única opção viável é PBSA, dada a sua natureza como um centro estudantil.

Aumentar oferta de residência de estudantes em Portugal
Foto de Mimi Thian na Unsplash

O que é mais rentável e tem maior potencial de desenvolvimento? Projetos de raiz ou a adaptação de edifícios para esta funcionalidade? O Simplex do urbanismo vai ajudar a agilizar os projetos?

Projetos de raiz. É muito difícil adaptar um edifício a PBSA. Exceção para projetos muito pequenos, mas que não têm liquidez para o mercado institucional. Eventualmente, o Simplex do urbanismo vai ajudar a agilizar os projetos e esperamos alguma melhoria que será transversal a qualquer segmento de mercado. Mas penso que ainda não é desta que o problema grave dos licenciamentos se vai resolver, pois o maior entrave está na lei e na sua elevada complexidade e discricionariedade na interpretação. Mas sim o Simplex é um passo importante, sem dúvida alguma.

"Eventualmente, o Simplex do urbanismo vai ajudar a agilizar os projetos e esperamos alguma melhoria que será transversal a qualquer segmento de mercado. Mas penso que ainda não é desta que o problema grave dos licenciamentos se vai resolver (...). Mas sim o Simplex é um passo importante"

Considera que o Governo está atento a este tipo de negócio, tentando também contribuir para o aumento da oferta de camas no segmento das residências de estudantes? Porquê? 

Não, no que diz respeito às residências desenvolvidas por entidades públicas, tem ficando muito aquém das prometidas e desejadas. No que diz respeito à criação de condições favoráveis ao desenvolvimento privado, nada foi anunciado e feito até ao momento.  

Alojamentos para estudantes em Portugal
Foto de Ivan Samkov on Pexels

Faria sentido, por exemplo, haver uma maior colaboração entre o privado e o público, de forma a aumentar a oferta? Como? O que poderia ser feito?

Sim, poderiam perfeitamente agilizar-se concessões em terrenos públicos contíguos às universidades e a criação de incentivos fiscais e urbanísticos ao desenvolvimento de residências privadas.

Em termos de investimento, tem ideia de quanto foi investido neste segmento do mercado imobiliário em 2023 em Portugal? E quanto será investido em 2024 e nos próximos anos, é possível ter uma estimativa?

Em 2023, neste segmento do mercado imobiliário, foram investido cerca de 140 milhões de euros. O investimento neste segmento em 2024 e nos próximos anos, se as duas ou três transações previstas correrem como esperado, poderá atingir os 80 milhões de euros. Nos anos seguintes o volume de investimento dependerá muito do ritmo de desenvolvimento do pipeline existente, mas não deveremos contar com mais de 100 milhões de euros por ano em média.

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