
Descarbonização, sustentabilidade, eficiência energética. Três termos impossíveis de dissociar do setor da construção e do imobiliário. Andam de mãos dadas rumo a um futuro mais “verde” e amigo do ambiente com o objetivo de reduzir a pegada de carbono e a emissão de gases com efeito de estufa. Para Jorge Reis, Diretor-Geral da Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto (APEB), não há dúvidas: “Todos os materiais utilizados em construção podem ser sustentáveis”. Em entrevista ao idealista/news, o responsável fala ainda sobre o uso do betão no setor, considerando que “pode ser sustentável se forem adotadas práticas mais ecológicas na sua produção e utilização”.
“O betão é provavelmente o material mais utilizado no setor da construção, uma vez que possui características únicas. É extremamente resistente a grandes cargas e ao fogo, por exemplo; é versátil, podendo ser moldado de acordo com as necessidades construtivas; tem um período de vida útil muito elevado; tem um custo de produção relativamente baixo; e tem a grande vantagem de poder ser facilmente reciclado e reutilizado em novas estruturas”, explica o responsável.
Sublinhando que “todos os materiais têm lugar no setor da construção e todos são necessários para se construir de forma sustentável”, Jorge Reis diz acreditar, por exemplo, que o betão e a madeira podem ser “aliados” no futuro da construção em Portugal, sendo esta uma aliança que se poderá estender a todos os materiais de construção, devendo começar logo na fase de projeto. “Cabe, em primeiro lugar, ao projetista definir os materiais mais sustentáveis e adequados para um projeto e as suas exigências, e, em segundo, encontrar a melhor utilização para cada um desses materiais de forma a otimizar a sustentabilidade dessa estrutura. Tudo isto tendo sempre em consideração o mesmo aspeto basilar: toda a vida útil da estrutura”.

A APEB foi criada há quase 40 anos. Com que objetivo e que balanço de atividade é possível fazer?
A APEB tem como objetivo representar e defender os interesses da indústria do betão pronto, tendo em vista a expansão do setor, a colaboração com a administração pública e a sua representação profissional. Contribui ainda decisivamente para a credibilização do setor e para a definição e implementação de regulamentação na produção de betão pronto.
Quantas empresas de betão pronto de Portugal representa a APEB? São as mesmas de sempre ou têm tido novas associadas?
A APEB tem 19 empresas associadas que produziram cinco milhões de metros cúbicos de betão pronto em 2023, representando assim dois terços da produção nacional. Tem ainda sete membros aderentes que são empresas não produtoras de betão pronto, mas cuja atividade está intimamente relacionada com este setor.
Muita coisa está a mudar no setor da construção civil em Portugal, sendo urgente e necessário adotar cada vez mais práticas sustentáveis e eficientes energeticamente e apostar a descarbonização do setor. O que está a ser feito nesse sentido?
Estão a ser desenvolvidos, por todos os intervenientes no setor da construção (projetistas, construtores, fornecedores de materiais e equipamentos, produtores de betão pronto, etc.), roteiros para reduzir a pegada de carbono e implementar práticas mais sustentáveis com vista a reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, mitigando assim as consequências das alterações climáticas. No caso do setor do betão pronto, para alcançar estes compromissos, são diversas as ações que permitem avançar no seu cumprimento, entre as quais se destacam, por exemplo, a utilização de cimentos de menor pegada de carbono ou de matérias-primas que impliquem menores distâncias de transporte. Por outro lado, há que procurar alcançar também uma otimização das composições dos betões, utilizando a quantidade de cimento estritamente necessária para garantir o desempenho exigido e em conformidade com as normas.
"Estão a ser desenvolvidos, por todos os intervenientes no setor da construção (projetistas, construtores, fornecedores de materiais e equipamentos, produtores de betão pronto, etc.), roteiros para reduzir a pegada de carbono e implementar práticas mais sustentáveis com vista a reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, mitigando assim as consequências das alterações climáticas"
Paralelamente, existem uma série de outros fatores não diretamente relacionados com o betão em si, mas antes com o seu processo de produção, que têm contribuído para colocar o setor no rumo da neutralidade carbónica.
Alguns exemplos são:
- A digitalização da construção, que permite otimizar estruturas;
- A renovação de frotas, que permite reduzir o consumo de combustíveis fósseis;
- A reciclagem e reutilização das matérias-primas que constituem o betão;
- A capacidade de produção e autoconsumo de energias renováveis na qual muitas empresas têm vindo a apostar.
Por último, e não menos importante, tem sido feito um esforço no sentido de sensibilizar o Governo para promover alterações legislativas que facilitem e promovam a redução da pegada de carbono, como por exemplo permitir que as autobetoneiras circulem – tal como já se faz em outros países europeus – com um peso total de 36 toneladas e não de 32 toneladas, permitindo a redução dos quilómetros percorridos.

A APEB inaugurou recentemente um novo Laboratório de betão no Algarve, certo? Que laboratório é este?
A inauguração de um novo laboratório de ensaios de betão para servir a região do Algarve é um investimento estratégico da APEB para a melhoria contínua da qualidade dos nossos serviços, bem como para a satisfação de todos os associados e clientes. Com o objetivo de garantir total fiabilidade nos resultados, este novo espaço está devidamente equipado para proceder à realização de ensaios de resistência à compressão de provetes de betão. Além disso, a nova unidade da APEB possui uma câmara de cura para acondicionamento dos provetes até à data de ensaio.
Isto porque o recente Decreto-Lei 90/2021 obriga a que, para todas as obras – sejam elas da classe de execução 1, 2 ou 3 –, passe a ser obrigatória a verificação da resistência à compressão do betão. Esta é uma responsabilidade que recai sobre o construtor, que fica a cargo tanto da inspeção e dos ensaios de receção previstos na NP EN 13670, como da emissão da correspondente Declaração de Verificação da Resistência.
O Decreto-Lei 90/2021 refere ainda que estes ensaios de resistência à compressão deverão ser realizados em laboratórios acreditados pelo Instituto Português de Acreditação (IPAC), sobre amostras colhidas no local da entrega do betão no estaleiro da obra. Como tal, tanto o laboratório da APEB em Lisboa (Amadora) como o que acabámos de inaugurar no Algarve estão acreditados pelo IPAC.
Quantos laboratórios deste género existem no país? Haverá mais de futuro? Onde?
Em Portugal, existem cerca de 20 laboratórios acreditados para realizar estes ensaios e verificar a qualidade do betão fornecido. Seguramente que, com o aumento da fiscalização da qualidade e sustentabilidade das construções, vai haver uma maior procura por este tipo de ensaios e, como consequência, o número de laboratórios acreditados para os efetuar também aumentará.
Para o setor da construção é muito importante a existência destes laboratórios, pois só desta forma é possível saber se o betão fornecido a uma construção tem efetivamente a resistência definida no projeto e a segurança necessária para, por exemplo, fazer face a eventos sísmicos quando os mesmos ocorrerem.
Também a fiscalização que compete aos municípios pode assim passar a ser mais eficiente, salvaguardando o interesse dos consumidores finais que irão habitar ou trabalhar nessas construções.

O betão continua a ser um “material” importante para o setor da construção? Porquê? Pode ser também considerado um “material” sustentável? Porquê?
O betão é provavelmente o material mais utilizado no setor da construção, uma vez que possui características únicas. É extremamente resistente a grandes cargas e ao fogo, por exemplo; é versátil, podendo ser moldado de acordo com as necessidades construtivas; tem um período de vida útil muito elevado; tem um custo de produção relativamente baixo; e tem a grande vantagem de poder ser facilmente reciclado e reutilizado em novas estruturas.
Sendo certo que o cimento tem um impacto relevante nas emissões de CO2 quando é produzido, também é verdade que esse impacto tem vindo a diminuir com o desenvolvimento e utilização de novos cimentos com menor pegada de carbono. Atualmente, já são produzidos cimentos com metade da pegada ecológica que se verificava há 30 anos. Assim sendo, importa esclarecer que o betão pode ser considerado um material sustentável se forem adotadas práticas mais ecológicas na sua produção e utilização.
"O betão é provavelmente o material mais utilizado no setor da construção, uma vez que possui características únicas (...). Importa esclarecer que o betão pode ser considerado um material sustentável se forem adotadas práticas mais ecológicas na sua produção e utilização"
Por outro lado, há que considerar que a sustentabilidade do betão deve ser analisada tendo em conta todo o período de vida útil de uma estrutura, e não somente o momento da construção. Calcular a sustentabilidade de uma estrutura baseada exclusivamente nos materiais de construção utilizados é inadequado e incorreto, pois deve ser considerada a durabilidade dessa estrutura, a manutenção que a mesma vai requerer durante a sua vida útil, os consumos de energia necessários para a manter dentro dos parâmetros de conforto adequados e o destino a dar à estrutura no fim da sua vida útil.
E o uso da madeira tende a ganhar força em Portugal, tendo em vista a descarbonização do setor? Porquê?
Importa fazer uma análise completa do ciclo de vida de uma edificação para se poder concluir qual a forma mais eficiente de a construir e de a manter. Contudo, estou certo de que todos os materiais têm lugar no setor da construção e todos são necessários para se construir de forma sustentável.
O betão e a madeira podem ser “aliados” no futuro da construção em Portugal? Se sim, como?
Sim, mas acredito que essa aliança poderá estender-se a todos os materiais de construção e deverá começar logo na fase de projeto. Cabe, em primeiro lugar, ao projetista definir os materiais mais sustentáveis e adequados para um projeto e as suas exigências, e, em segundo, encontrar a melhor utilização para cada um desses materiais de forma a otimizar a sustentabilidade dessa estrutura. Tudo isto tendo sempre em consideração o mesmo aspeto basilar: toda a vida útil da estrutura.

Que outros materiais sustentáveis há disponíveis no mercado para tornar o setor mais sustentável?
Todos os materiais utilizados em construção podem ser sustentáveis se o projeto tiver tido em consideração as características dos mesmos e a sua correta utilização no projeto em questão.
"Todos os materiais utilizados em construção podem ser sustentáveis se o projeto tiver tido em consideração as características dos mesmos e a sua correta utilização no projeto em questão"
A pré-fabricação e a modularização estão a ganhar força em Portugal? Está a ser bem aceite pelos vários players do setor?
Num setor em constante evolução, há sempre espaço para todos, e todas as soluções construtivas são bem-vindas. Só assim o setor pode garantir que é cada vez mais sustentável. A diversidade de soluções contribui para que o setor da construção possa criar todas as infraestruturas necessárias ao nosso quotidiano, como é o caso de hospitais, habitações, escolas, tribunais, pontes, viadutos, metropolitanos, aeroportos, etc.
Os custos de construção, nomeadamente os preços dos materiais, têm vindo a subir muito nos últimos tempos. Acredita que o cenário se vai manter?
Estou convicto de que a subida do custo da construção (diretamente relacionada com a subida do custo de todos os materiais) está ligada ao aumento crescente da procura pelos mesmos. Há, naturalmente, outras variáveis: aumentando os preços dos combustíveis, por exemplo, aumentam os custos de produção dos materiais, da energia necessária para os produzir e para os transportar.
Não sendo economista, sabemos que a história nos mostra que sempre que aumenta a procura, aumentam os preços dos materiais, em todos os setores.
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