
Hoje, construir casas mais sustentáveis é uma prioridade no espaço europeu, num momento em que se sabe que os edifícios são responsáveis por parte significativa das emissões de gases com efeitos estufa e do consumo energético na Europa. É por isso mesmo que a Comissão Europeia (CE) quer apertar as regras do jogo com a nova diretiva focada em descarbonizar o parque imobiliário até 2050. Há, assim, novos desafios à espreita para todos os países europeus e, em particular, para Portugal, que possui um parque habitacional envelhecido. “Temos hoje, mais do que nunca, de prosseguir o caminho para a plena neutralidade carbónica e o reforço do desempenho dos edifícios é crucial nesta transição”, assume Nelson Lage, presidente da ADENE, em entrevista ao idealista/news.
Melhorar a eficiência energética dos edifícios está, portanto, no topo das prioridades na Europa. E “a Nova Diretiva sobre o Desempenho Energético de Edifícios representa um ponto de viragem na sustentabilidade”, acredita Nelson Lage. Isto porque apresenta novas medidas que contemplam a eficiência energética, a eficiência hídrica dos edifícios e ainda pretendem acelerar a renovação dos edifícios existentes, impondo padrões mínimos de desempenho energético.
“A sustentabilidade do imobiliário é essencial para a descarbonização da sociedade e, apesar do enorme avanço nestes últimos anos, o parque edificado nacional (e europeu) continua a precisar de enormes apoios, porque é antigo e pouco eficiente do ponto de vista energético”, considera o presidente da ADENE. Em Portugal, há vários apoios em marcha como é o caso do Programa Edifícios + Sustentáveis (que vai abrir novo aviso) e o Vale Eficiência. “Estes programas de incentivo têm sido essenciais à reabilitação urbana”, considera. E o Governo garante que as políticas públicas de habitação e a nova diretiva europeia estão alinhadas no sentido da descarbonização do parque edificado – já o setor tem dúvidas.
A verdade é que esta nova e mais exigente diretiva europeia traz desafios acrescidos para o setor imobiliário em Portugal, que terá de transformar o atual parque envelhecido e pouco eficiente num “edificado com um balanço energético nulo que cumpra as necessidades energéticas” e até que produza a sua própria energia renovável. “O maior desafio é a criação de edifícios com um design inteligente baseado em técnicas e materiais passivos e que respeitem as condições climáticas do local”, resume presidente da ADENE na entrevista ao idealista/news, que agora reproduzimos na íntegra.

Hoje, melhorar a eficiência energética dos edifícios está no topo das prioridades. Que fatores levaram as instituições internacionais e os governos a reforçar a importância da sustentabilidade no imobiliário?
Basta olhar para os números. Na União Europeia sabemos que os edifícios são responsáveis por mais de 1/3 da energia consumida na Europa. Cerca de 36% das emissões de gases com efeito de estufa também são emitidas pelos edifícios.
A sustentabilidade do imobiliário é essencial para a descarbonização da sociedade e, apesar do enorme avanço nestes últimos anos, o parque edificado nacional (e europeu) continua a precisar de enormes apoios, porque é antigo e pouco eficiente do ponto de vista energético.
A União Europeia tem vindo a apresentar importantes instrumentos europeus como a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), que visam melhorar a eficiência energética nos edifícios. Mas temos de ir mais longe.
A Nova Diretiva sobre o Desempenho Energético de Edifícios representa um ponto de viragem na sustentabilidade e apresenta novas medidas que contemplam, além da eficiência energética, a eficiência hídrica dos edifícios, trazendo para a discussão a importância do ‘Nexus’ água-energia. Além disso, encara a reabilitação do parque edificado de forma mais integrada.
"Temos hoje, mais do que nunca, de prosseguir o caminho para a plena neutralidade carbónica e o reforço do desempenho dos edifícios é crucial nesta transição".
Também as famílias estão empenhadas em melhorar o desempenho energético das suas casas. Exemplo disso é a elevada procura que se sentiu ao Programa de Apoio aos Edifícios + Sustentáveis. O que motiva as famílias a aderirem a este programa?
O aviso Edifícios + Sustentáveis tem sido um enorme sucesso e apresenta-se hoje como um precioso auxílio às famílias que desejam melhorar a eficiência energética das suas habitações.
Recentemente, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, garantiu que o Fundo Ambiental vai lançar um novo aviso no valor de 120 milhões de euros. Sabemos que este novo financiamento vai ter algumas melhorias e que vai focar-se em mais medidas de isolamento das habitações.
Em complemento a outros avisos já lançados, como o já referido Apoio a Edifícios + Sustentáveis, gostava de destacar o Programa de Apoio a Condomínios Residenciais, que vai permitir o financiamento de medidas de eficiência energética dos edifícios residenciais, em especial a adoção de medidas de isolamento térmico das fachadas, coberturas e pavimentos, as quais apresentam maior potencial de eficiência energética e poupança de energia em edifícios.

Como estão a decorrer a outras iniciativas destinadas aumentar a eficiência energética dos edifícios em Portugal, nomeadamente o Programa Vale Eficiência e as Comunidades de Energia renovável (CER), que também contam com verbas do PRR?
Enquanto instrumentos financeiros que ajudam os cidadãos e as empresas a melhorar a eficiência energética dos edifícios, os programas que referem são muito positivos e um importante instrumento para a melhorar a eficiência energética.
No que diz respeito ao apoio à concretização de Comunidades de Energia Renovável e Autoconsumo Coletivo, as mais de 180 candidaturas rececionadas, que representam um apoio superior a 50 milhões de euros, estão em análise, mas podemos afirmar desde já que este é mais um apoio por parte do Estado que está a ser muito concorrido.
Quanto ao programa Vale Eficiência, este revelou-se o mais complicado de concretizar e, diria, foi aquele que teve um sucesso menor. Esperamos que possa ser alvo de melhorias e mais acessível a quem deseja candidatar-se a este apoio. O programa Vale Eficiência é muito importante porque, além de combater a pobreza energética, possibilita o aumento do desempenho energético e ambiental das habitações.
"O maior desafio é a criação de edifícios com um design inteligente baseado em técnicas e materiais passivos e que respeitem as condições climáticas do local".
Há novos apoios à melhoria do desempenho energético das casas à espreita em Portugal, dada a elevada procura que se tem sentido nos últimos meses?
Mais do que novos programas, temos assistido ao relançamento de diversos apoios do Estado com vista à melhoria da eficiência energética dos edifícios, de que é exemplo recente o aviso sobre Eficiência Energética em Edifícios da Administração Pública Central.
De notar que a eficiência energética não se cinge apenas aos edifícios e sabemos que o Governo está a reavaliar os incentivos à mobilidade elétrica em que deverá premiar que opte pelo uso de automóvel elétrico em detrimento dos carros movidos a energia fóssil.
"O maior impacto será passarmos de um parque envelhecido e pouco eficiente para um edificado com um balanço energético nulo que cumpra as necessidades energética"
A Comissão Europeia fez uma revisão à Diretiva Europeia sobre a Eficiência Energética dos Edifícios, que faz parte das propostas no âmbito do “Fit for 55”. Como vê as novas medidas? Como é que o mercado vai lidar com a pressão de renovar os edifícios de baixa classificação energética nos próximos anos?
No contexto do “Fit for 55”, um dos objetivos da Comissão Europeia com a revisão da EPBD é transitar do conceito NZEB (Nearly Zero Energy Building) para o conceito dos edifícios ZEB (Zero Energy Building) ou seja, de quase zero para zero. A grande diferença aqui é a mudança do foco energia para o foco descarbonização.
A Nova Diretiva indica que a necessidade residual de energia destes edifícios deve ser totalmente suprimida por energia proveniente de fontes renováveis produzida no local, por uma comunidade de energia renovável ou por um sistema urbano de aquecimento e arrefecimento.
Acredito que estas novas exigências vão beneficiar e estimular o desenvolvimento tecnológico, que tem sabido dar encontrar soluções de eficiência energética e de produção renovável, com destaque para as comunidades de energia renovável. O maior desafio é a criação de edifícios com um design inteligente baseado em técnicas e materiais passivos e que respeitem as condições climáticas do local.

Qual vai ser o impacto desta nova diretiva europeia em Portugal, que possui um parque habitacional envelhecido? Estão previstos mais apoios do Estado ou da União Europeia neste sentido?
O maior impacto será passarmos de um parque envelhecido e pouco eficiente para um edificado com um balanço energético nulo que cumpra as necessidades energética através da implementação de medidas de eficiência energética. A nova construção terá de passar, por exemplo, pela integração de um design solar passivo, pela instalação de janelas altamente eficientes com um bom isolamento térmico e pela utilização de sistemas mais eficientes.
O segundo desafio é a produção de energia através de sistemas renováveis numa base economicamente equilibrada e sem prejuízo para o conforto dos ocupantes.
Por último, as condições climáticas terão de ser tidas em conta na conceção dos projetos urbanísticos, em particular nos edifícios residenciais, uma vez que condicionam as necessidades de aquecimento e arrefecimento da habitação. O potencial de produção de energia renovável também será essencial para equilibrar as necessidades energéticas, em especial no clima mediterrânico em que vivemos, com verões cada vez mais quentes e secos e invernos mais frios.
O financiamento já existe. Recordo que no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Portugal está a implementar um conjunto de reformas e investimentos destinados a responder aos desafios da transição climática e digital. Ao todo, o PRR disponibiliza 610 milhões de euros para a eficiência energética nos edifícios, dos quais:
- 300 milhões de euros para os edifícios de habitação;
- 240 milhões de euros para edifícios da Administração Pública;
- 70 milhões de euros para edifícios de serviços.
Existem outros programas com incentivos financeiros para a melhoria da eficiência nos edifícios, nomeadamente para o parque edificado habitacional, como é o caso do Programa de Apoio a Edifícios + Sustentáveis, que tem sido um verdadeiro sucesso. Também é importante não esquecer o programa Vale Eficiência, que prevê medidas para combater a pobreza energética.
No que concerne à reabilitação de edifícios de comércio e serviços, foi também lançado o Programa de Eficiência Energética em Edifícios de Serviços, e mais recentemente, um outro programa que abrange edifícios da administração pública central. Estes programas de incentivo têm sido essenciais à reabilitação urbana.

Considera que construir casas sustentáveis sai mais caro ou mais barato para os promotores imobiliários? Como vai ser impactado o preço das casas se os edifícios novos terão se apresentar 0% de emissões de carbono a partir de 2030, segundo a nova diretiva?
Depende sempre da perspetiva com que olhamos para o desafio. Lembro-me bem da entrada dos primeiros carros elétricos em que muitos diziam que seria impossível e eletrificação do parque automóvel e, olhando para os dados do ACP sobre a venda de automóveis, constatamos que o número de carros elétricos já supera a venda de carros a gasóleo.
Neste mundo em constante mudança, sabemos que é cada vez mais importante adaptar as casas e os edifícios às novas necessidades, em equilíbrio com a natureza e a inovação, apresentando soluções imobiliárias inovadoras e sustentáveis.
Sabemos que, neste momento, tudo é mais caro. A guerra na Ucrânia e a crise energética que estamos a viver provocou instabilidade no mercado imobiliário. As taxas de juro estão em alta e a inflação disparou em toda a Europa, o que provocou um agravamento dos preços dos materiais de construção. Se somarmos a esta equação a falta de mão de obra especializada, percebemos que vivemos um clima de desconfiança generalizado.
Este é um cenário que se aplica a todo o tipo de construção, mas acredito que as exigências dos cidadãos pela sustentabilidade devem incentivar o setor da construção a não abdicar de critérios de sustentabilidade e ao cumprimento dos critérios Environmental, Social and Governance (ESG), com o objetivo social de reduzir a pegada carbónica dos projetos de construção civil.
Estou convicto que as empresas do setor que contribuam de forma decisiva para transição energética e para um uso eficiente dos recursos naturais, terão o reconhecimento dos cidadãos.
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