
A pandemia colocou dúvidas sobre o futuro dos escritórios que, apesar de tudo, se dissiparam rapidamente. O teletrabalho ganhou terreno, mas foi o trabalho híbrido que veio para ficar. As necessidades dos espaços de trabalho, por isso, também mudaram, e hoje estão cada vez mais focadas na experiência, fomentando o trabalho em equipa e a criatividade, tal como explicam Conceição e Marta Correia, administradoras da Fluxograma, empresa de Design & Build, em entrevista ao idealista/news. “O conforto e o bem-estar são as grandes preocupações”, referem, até porque “a identidade de cada empresa, seja qual for a sua dimensão, tem que se fazer sentir no dia a dia”, num equilíbrio necessário entre diferentes gerações.
De acordo com as responsáveis, as empresas procuram espaços de trabalho com identidade, capazes de reter talentos, pensados para o bem-estar de quem lá trabalha e de quem os visita, tendo em conta a utilização dos recursos energéticos de forma eficiente. É, por isso, dada “especial atenção à criação de zonas de convívio, salas de reunião formais e informais, espaços versáteis que permitam atividades de formação, ou atividades mais lúdicas”, pensando a luz, a acústica, a tecnologia e as zonas verdes, de forma integrada.
O bem-estar ganhou um especial destaque nestes últimos anos, também à boleia das novas gerações que “não abdicam de um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”. E por isso os locais de trabalho têm cada vez maior impacto na motivação e produtividade dos profissionais nas empresas.
Nesta entrevista que agora reproduzimos na íntegra, Marta e Conceição Correia explicam tipo de investimento que as empresas estão a fazer na criação de espaços de trabalho; o que é que mudou no mercado com a pandemia; qual o impacto da generalização do teletrabalho e modelos híbridos nos escritórios; e ainda que estratégias são postas em prática para melhorar a convivência entre gerações no local de trabalho.

Segundo a Fluxograma, o design é uma das lacunas do mercado de escritórios em Portugal. Que outras “falhas” é possível identificar?
A Fluxograma há 45 anos que acompanha a evolução dos espaços de trabalho. Os escritórios percorreram um longo caminho até ao momento atual. Não são mais espaços cinzentos, projetados só de acordo com a funcionalidade, padronizados, sem qualquer identidade. Hoje criam-se espaços de trabalho a pensar no bem-estar de quem lá trabalha, nas necessidades de conforto e na qualidade de vida, espaços que motivem e incentivem à criatividade e ao trabalho de equipa. Atualmente, os escritórios são versáteis e revelam a identidade e cultura da empresa.
Hoje criam-se espaços de trabalho a pensar no bem-estar de quem lá trabalha
Falta identidade aos espaços? Em que medida?
A identidade de uma empresa conta a sua história, vai além da aparência do negócio, representa a visão, os valores, a cultura e personalidade. A identidade de uma empresa é um fator de diferenciação face à concorrência e que contribui para atrair e reter os colaboradores certos. A identidade de cada empresa, seja qual for a sua dimensão, tem que se fazer sentir no dia a dia, ser vivida no espaço de trabalho, seja na forma como o layout é desenhado, na decoração do projeto, no tipo de zonas que são criadas, seja na associação de determinados símbolos e cores.
Por outro lado, a identidade dos espaços cria ligação da empresa aos colaboradores, fornecedores e clientes. Por exemplo, uma empresa que defenda uma preocupação ambiental, terá essa preocupação evidente no seu espaço de trabalho, seja na utilização de materiais recicláveis, seja na combinação de tecnologia, sustentabilidade com eficiência energética.
A identidade de cada empresa, seja qual for a sua dimensão, tem que se fazer sentir no dia a dia, ser vivida no espaço de trabalho
Há um mercado de escritórios antes e pós pandemia? O que é que mudou? Mercado residencial e de hotelaria?
Relativamente aos escritórios, a pandemia veio acelerar algumas tendências que já vinham sendo estudadas e experienciadas. O conforto e o bem-estar são as grandes preocupações. O trabalho híbrido é a nova tendência. Os espaços de trabalho são mais arejados, com menos postos de trabalho, mais tecnológicos, com ênfase nas zonas informais e de lazer fomentando o trabalho em equipa e a criatividade.

No que diz respeito ao mercado residencial, nunca passámos tanto tempo em casa como durante a pandemia. Novas necessidades surgiram ao viver a nossa casa com mais intensidade e num sentido profissional. Sentimos que o conforto e a versatilidade de alguns espaços foram as maiores exigências. A casa passou a ser pensada tendo como base as atividades: comer, dormir, diversão, trabalho, zonas de relaxamento e não as divisões normais – quarto, sala, outras. A flexibilidade dos espaços, do mobiliário e da iluminação tornou-se essencial. Outro ponto foi o tirar mais partido, de varandas, pequenos jardins, ligação à natureza e ao espaço exterior através de mais plantas e pequenas hortas.
O conforto e o bem-estar são as grandes preocupações. O trabalho híbrido é a nova tendência.
No caso da hotelaria, as maiores questões foram com a limpeza e higienização dos espaços. Cada vez mais a preocupação hoteleira prende-se com o serviço ao cliente e o poder de proporcionar uma experiência recordável.
Qual o impacto da generalização do teletrabalho e modelos híbridos na conceção de um espaço de trabalho?
Com o trabalho híbrido, as pessoas não irão todos os dias ao escritório. Assiste-se a uma redução da necessidade de área disponível para acomodar os seus trabalhadores, por via da rotatividade de equipas. Por isso pensamos o espaço de forma a fomentar o trabalho de equipa, a discussão de ideias. Queremos que os dias em que vão ao escritório representem uma motivação, uma mais-valia a nível profissional e pessoal e um bem-estar para todos. Outro ponto importante para a Fluxograma, é conseguir que o espaço reflita a cultura da empresa, que a ida ao escritório seja um recordatório de qual é a missão, objetivos e os ideais da empresa onde trabalhamos.
Damos uma especial atenção à criação de zonas de convívio, salas de reunião formais e informais, espaços versáteis que permitam atividades de formação, ou atividades mais lúdicas.
Em todos estes espaços torna-se muito importante pensar a luz e a acústica, as zonas verdes, o conforto e as cores ideais para o que se pretende. A tecnologia é fundamental que permita, por exemplo, a reserva da secretária de trabalho, do cacifo onde vamos guardar os nossos objetos pessoais, salas de reunião, ou até do lugar de estacionamento. Para as salas de reunião, tecnologia que permita uma boa qualidade de imagem, e som para reuniões e formações on-line e até mesmo a tradução em simultâneo.
Outro aspeto a ter em conta e que por vezes é esquecido é o espaço de trabalho em casa, tão importante como o espaço de trabalho na empresa. Aqui temos desenvolvido projetos para que os espaços se assumam de forma mais flexível, confortável e com a luz adequada.
Quais são, atualmente, as maiores preocupações das empresas? O que é que procuram?
As preocupações que chegam à Fluxograma por parte dos nossos clientes são um espaço de trabalho com identidade, capaz de motivar e reter talentos, pensado para o bem-estar de quem lá trabalha e de quem o visita, utilização dos recursos energéticos de forma eficiente, a iluminação adequada em cada zona que tenha em atenção a acústica adequada, que promova o relacionamento entre as diversas gerações e que esteja adaptado ao trabalho híbrido.

Por que é que o bem-estar ganhou um especial destaque?
Temos assistido a três razões para o papel tão importante que o bem-estar adquiriu quando pensamos um espaço de trabalho. Por um lado, estas novas gerações não abdicam de um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Por outro lado, as questões que se têm vivido a nível mundial - pandemia, guerra, aumento do número de suicídios, aumento das doenças do foro psicológico, o stress, entre outras - não deixam ninguém indiferente e todos temos uma responsabilidade de tentar inverter esta situação. Por último, um espaço de trabalho que proporcione conforto e bem-estar aumenta a produtividade, a motivação e fomenta o trabalho em equipa, um espaço centrado nas pessoas.
Estas novas gerações não abdicam de um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal
De que forma a definição de um espaço impacta a produtividade e motivação dos trabalhadores?
A funcionalidade do espaço e o seu conforto são o grande estímulo para a produtividade individual e um grande estímulo para a motivação da equipa.
Quais as estratégias para melhorar a convivência entre gerações no local de trabalho?
Para responder a esta pergunta é importante percebermos que neste momento encontramo-nos a trabalhar num mesmo espaço de trabalho com quatro gerações diferentes. Quais as caraterísticas de cada uma destas gerações que devemos ter em consideração?
- Por um lado, os baby boom que cresceram numa época de prosperidade económica, dão maior prioridade ao trabalho do que a vida privada. Preferem o contacto humano à tecnologia. São tendencialmente competitivos e workaholics.
- A geração X, são independentes e autossuficientes, sabem equilibrar o tempo entre trabalho e vida pessoal.
- Millennials dependem muito da tecnologia. São a geração de colaboradores com mais habilitações académicas do nosso tempo. São adaptáveis, flexíveis e ambiciosos e têm um forte espírito empreendedor.
- Geração Z também conhecida como geração do pós-milénio que cresceu num período de instabilidade económica, de grande dependência pelos equipamentos eletrónicos e uma maior preocupação com o meio ambiente.
É de extrema importância um bom ambiente e um bom relacionamento entre gerações de forma a que se consiga potenciar o trabalho em equipa podendo usufruir e tirar partido das qualidades que cada geração apresenta.

Neste ponto, temos ajudado as empresas a promoverem esta integração, pensando o espaço de trabalho de forma a ter presente a identidade da empresa, para que os colaboradores se sintam acolhidos e que todos possam trabalhar na mesma direção e com o mesmo objetivo. Nomeadamente:
- Criando zonas informais que fomentem a discussão, a troca de ideias e que sejam facilitadoras dos momentos informais. Desta forma cria-se uma cultura de diálogo e ajuda no relacionamento e promove a aprendizagem com as diferenças;
- Zonas versáteis e informais como mencionado anteriormente, entre outros;
- Uma boa acústica e iluminação correta, são outros elementos fundamentais de conforto e com influência comportamental logo, na produtividade também.
- Por outro lado, é cada vez mais comum, um espaço que tenha alguma ligação à natureza e que demonstre preocupação com o meio ambiente. Seja a utilização de matéria viva, criação de pequenas hortas, como a eficiência energética.
Qual é o perfil-tipo dos vossos clientes? Podem dar exemplos?
Na Fluxograma os nossos clientes têm um perfil diversificado, atuando nas áreas de escritórios, universidades, arquivos, bibliotecas, auditórios, iluminação, hotelaria, espaços comerciais e mais recentemente o residencial.
Os nossos projetos vão desde o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, salas de espetáculos como o Pavilhão Atlântico (Altice Arena), escritórios como os da Siemens, Unicre, Fujitsu, Delta, área da banca como o Novo Banco, Santander, Millennium, entre muitos outros

Que tipo de serviços oferecem?
Somos uma empresa de Design and Build. A que corresponde uma adaptação ao mercado que nos "pediu" para aplicarmos o conhecimento adquirido ao longo dos anos sistematizando-o através da criatividade (arquitetura e projeto), a visualização 3D dos projetos, a orçamentação e gestão de obra e a sua execução em todas as especialidades. Hoje em dia a Fluxograma dá uma resposta integrada em todas as áreas para a criação e adaptação de espaços de trabalho, habitação ou retail. Atuamos também na área do mobiliário de escritório, da iluminação, dos auditórios e das soluções para arquivos - tipicamente as estantes rolantes.
Qual o peso do mercado de escritórios de Lisboa e Porto no vosso negócio?
Atualmente, este mercado domina a nossa faturação. No entanto, investimento nos nossos recursos humanos com vocação quer para a captação de negócios na área residencial, quer no reforço da equipa de arquitetura com mais valências neste domínio, vai certamente permitir uma redistribuição progressiva do negócio.

Quais são as localizações “preferidas”?
Há muito que começámos a "pensar global". Há mais de 30 anos que estamos presentes em Angola e Moçambique, e já há alguns anos em Marrocos. Depois de uma experiência no Catar, estamos agora a estudar novos mercados para a expansão da empresa numa lógica pós-pandemia. Todavia, entendemos que o potencial do mercado nacional continua a ser muito forte.
Há algum projeto em particular que gostassem de destacar? Por ser mais desafiante, por exemplo...
Temos o projeto de uma empresa Unicórnio, que exemplifica todos os pontos que falámos nesta entrevista. Foi-nos lançado o desafio de criar um espaço disruptivo e colaborativo, um piso para ser pensado que permitisse a realização de formações, entretenimento (aulas de yoga), reflexão e descanso, estímulo à criatividade sem descurar as zonas versáteis de reunião e trabalho individual. Conseguimos criar um espaço que correspondesse a todos estes pontos, sem utilizar uma secretária ou uma cadeira. Um espaço pensado no bem-estar, na produtividade e motivação da equipa.

Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.
Para poder comentar deves entrar na tua conta