Quem o diz é a Contaminar Arquitetos, autora da casa de Leiria que venceu o MasterPrize2021, em entrevista ao idealista/news.
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Conceito de casa muda na pandemia
Casa Povo | Equipa Contaminar Arquitetos Contaminar Arquitetos

Tudo mudou com a chegada da pandemia da Covid-19. E a arquitetura não foi exceção. As casas, que antes eram tidas como meros dormitórios, passaram “agora a estar no centro de tudo” e “a qualidade e o conforto do espaço da casa tornaram-se uma prioridade para todos”, segundo declaram desde a Contaminar Arquitetos. Responsável por desenhar a Casa Povo (em Leiria) - que venceu o prémio MasterPrize2021, na categoria de arquitetura residencial unifamiliar - este gabinete português anda, ultimamente, nas bocas do mundo e o idealista/news foi entrevistar a sua equipa.

Um lugar rochoso, com topografias irregulares e contrastes acentuados. Assim descrevem os arquitetos do atelier o “pequeno” terreno onde hoje se encontra a Casa Povo, que foi mesmo o “ponto de partida conceptual” para o desenvolvimento deste projeto arquitetónico. As características do local remeteram a Contaminar Arquitetos para as origens da humanidade, surgindo a ideia de criar uma casa que se assemelha a uma caverna ou gruta. “Um refúgio natural e maternal” que pretende homenagear os “primórdios da humanidade e da sua relação simbiótica com o ambiente que habita”, tal como explicam na entrevista, dada por email.

Assim foi pensada a Casa Povo, que possui um total de 291.50 metros quadrados (m2) e dez divisões. A obra foi concluída em 2019 e dois anos depois foi distinguida internacionalmente, sendo o primeiro prémio recebido pela Contaminar Arquitetos, gabinete que nasceu em Leiria há cerca de 17 anos. “É muito gratificante para o atelier ver o seu trabalho valorizado por um prémio como o MasterPrize2021”, disse a equipa de arquitetos ao idealista/news.

Casas no campo
Casa Povo Contaminar Arquitetos
A casa pode ser inspirada pelo local onde se encontra – como foi o caso da Casa Povo. Mas não só. “A casa é um reflexo da época”, dizem. E, como tal, as casas que estão a nascer desde março de 2020 também vão espelhar, nos seus traços, os efeitos da pandemia. “A habitação propriamente dita não voltou a ser a mesma, a habitação anteriormente tida como o dormitório passa agora a estar no centro de tudo, é o espaço onde vivemos, trabalhamos, vamos à escola, brincamos, vamos ao restaurante ou até o espaço onde estamos a beber um copo no final de um dia de trabalho”, defende a equipa do atelier de arquitetura leiriense, que assume mesmo que “a qualidade e o conforto do espaço da casa passaram a ser uma prioridade para todos”.

A conclusão é só uma: “A pandemia será certamente uma época marcante na arquitetura em geral e na habitação”, defendem os arquitetos que já têm sentido mudanças na procura, dando nota que as famílias que “moram em apartamentos procuram preferencialmente uma moradia” para viver. Afinal, a “arquitetura está sempre em constante mudança, o modo como a vivemos é influenciável por fatores externos e internos”, resumem desde a Contaminar Arquitetos.

"A habitação multifamiliar será dos maiores problemas que temos em mãos, o modus operandi tem de mudar e a mentalidade também."

O que também acabará por mudar no futuro será o “'modus operandi' e a mentalidade” na definição de habitação multifamiliar, indicam ainda. Isto porque há hoje a necessidade de ter casas acessíveis com espaços mais acolhedores, varandas ou terraços e espaços verdes. Estes pontos serão o “ponto de partida para uma nova arquitetura e consequentemente um modo de vida que se prevê prolongado no tempo”, antevê a equipa de arquitetos.

“Arquitetura com história” é o único vírus que a Contaminar Arquitetos diz querer propagar. Mas como define o seu traço arquitetónico? Quais os desafios que encontrou ao desenhar a Casa Povo? E como é que veem o conceito de casa a mudar em tempos de pandemia? Partilhamos, agora, as respostas a estas e outras perguntas na entrevista realizada por escrito pelo idealista/news à equipa da Contaminar Arquitetos.

Casas do futuro
Leiria I Contaminar Arquitetos

Como surgiu o desafio de desenhar a Casa Povo? Foi proposto por um cliente? 

Normalmente, quando os clientes procuram o atelier é porque conhecem o nosso trabalho. Maioritariamente não vêm com ideias predefinidas, mas sim com um gosto pela arte e por aquilo que conhecem e desenvolvemos como equipa. O cliente apresenta-nos um programa de necessidades e tipos de vivências que nós respeitamos e trabalhamos de modo a obter um projeto final de acordo com todo o tipo de premissas – premissas por parte do cliente e premissas arquitetónicas, que são fundamentais respeitar quando criamos espaços.

Quais são os traços deste projeto que o tornam único? Onde se inspiraram?

Um lugar onde os elementos rochosos são predominantes na paisagem, terras calcárias, topografias irregulares e contrastes acentuados. Este contexto geológico único proporcionou-nos um ponto de partida conceptual que é ao mesmo tempo onírico e romântico sem perder a ligação ao que é a realidade física e intrínseca deste local. Surge assim a ideia de uma caverna ou gruta, um refúgio austero entalhado e denticulado que é humanizado pelos seus ocupantes. É um olhar e uma homenagem aos primórdios da humanidade e da sua relação simbiótica com o ambiente que habita, contém em si o paradoxo da pedra perene e agreste que se torna um refúgio natural e maternal.

A Casa Povo "é um olhar e uma homenagem aos primórdios da humanidade e da sua relação simbiótica com o ambiente que habita".

Quais foram os principais desafios no desenvolvimento do projeto de arquitetura da Casa Povo? Houve adaptações ao projeto inicial? Se sim, porquê? 

Durante o estudo prévio o maior desafio foi adaptar o programa de necessidades do cliente ao terreno, um lote de pequenas dimensões e um terreno bastante acidentado em termos de declive. Foram estudadas várias opções de apropriação do terreno onde acabámos por concluir que a habitação seria construída no limite do terreno e que a sua vivência ao nível térreo seria desenhada para o interior do pátio.

O projeto mantém desde o início o conceito bem agarrado, isso é o que nos interessa manter durante todo o processo. O restante projeto surge como um espaço que cresce e evolui conforme a sua progressão e necessidade de resposta a eventuais alterações que possam surgir.  

Como foi para a sua equipa receber o prémio MasterPrize2021? 

É muito gratificante para o atelier ver o seu trabalho valorizado por um prémio como o MasterPrize 2021.  

Casas na natureza
Casa Povo Contaminar Arquitetos

Em atividade desde 2004, a Contaminar Arquitetos já recebeu outros prémios de arquitetura a nível nacional ou internacional? Se sim, quais? 

Fomos nomeados a finalistas em vários prémios nacionais e internacionais, mas nunca vencedores.

Como definem o traço arquitetónico da Contaminar Arquitetos? 

Desde a primeira obra que o atelier tem o objetivo de comunicar, transmitir novos conceitos e métodos de projetar. Essas novas ideias são apoiadas no diagnóstico e análise do sítio, promovendo como que uma infeção local. Atualmente, somos contaminados com informação e contrainformação, mas também somos portadores de formalismos e conceitos. O nosso trabalho não é imune, absorve os pensamentos de todos os nossos colaboradores e clientes. O único vírus consciente que a Contaminar quer propagar é uma arquitetura com história, adaptada tanto ao terreno como às vivências dos seus clientes.

"O único vírus consciente que a Contaminar quer propagar é uma arquitetura com história, adaptada tanto ao terreno como às vivências dos seus clientes".

Quais são os projetos que destacam no vosso portfólio? Porquê? O que têm de especial? 

“Contaminar Leiria”, foi o primeiro projeto do atelier. Foi o projeto que marcou a matriz da contaminar, éramos jovens e tínhamos acabado de sair da universidade, foi o projeto onde percebemos que podíamos continuar a sonhar. A “Hill Cork House” será outro projeto de referência pelo modo de como ela se apropria silenciosamente do terreno.

Quais são as áreas de atuação do vosso gabinete em termos setoriais e geográficos? Focam-se somente em projetos residenciais na zona de Leiria? 

Essencialmente projetos na zona centro. Maioritariamente desenvolvemos projetos habitacionais, sendo que também temos experiência nas áreas industriais, hotelaria e educacional.

Qual é o vosso perfil de clientes? Mais nacionais ou internacionais? 

Nacionais. Pontualmente internacionais, depende das áreas geográficas de intervenção.

Arquitetura muda na pandemia
Hill Cork House Contaminar Arquitetos

A pandemia impactou a vossa atividade? Sentiram um abrandamento ou um reforço de pedidos? 

A pandemia impactou todos os setores e o nosso não ficou indiferente. Os pedidos foram alguns, os clientes que moram em apartamento procuram preferencialmente a moradia.

De que forma a pandemia impactou e vai impactar a forma de desenhar e construir casas?  

A casa é feita de acordo com as vivencias e as necessidades da pessoa que nela habita. A casa é um reflexo da época. A pandemia afetou-nos a todos na generalidade e a arquitetura não ficou indiferente. A habitação propriamente dita não voltou a ser a mesma, a habitação anteriormente tida como o dormitório passa agora a estar no centro de tudo, o espaço onde vivemos, trabalhamos, vamos à escola, brincamos, vamos ao restaurante ou até o espaço onde estamos a beber um copo no final de um dia de trabalho. A qualidade e o conforto do espaço da casa passaram a ser uma prioridade para todos.

"A arquitetura está sempre em constante mudança, o modo como a vivemos é influenciável por fatores externos e internos".

Há diferenças nos pedidos de projetos que vos surgem? O conceito de casa e espaço está a mudar? Em que sentido? 

Quando projetamos a habitação unifamiliar, desejamos que as pessoas utilizem a sua habitação na totalidade, sendo que em todos os projetos entendemos o que é realmente importante para o cliente e propomos um espaço que responde às necessidades de cada um. Temos essencialmente uma dualidade de conceitos/cliente, o cliente mais urbano que procura uma habitação de contemplação e o cliente rural onde fundimos o espaço interior com o exterior, o jardim e/ou o pátio surge como um prolongamento do espaço interior projetado. A arquitetura está sempre em constante mudança, o modo como a vivemos é influenciável por fatores externos e internos. A pandemia será certamente uma época marcante na arquitetura em geral e na habitação.  

Casas com espaços exteriores
Foto de Askar Abayev en Pexels
O que falta nas casas de hoje que se deveria ter em conta nas casas novas? 

Quando falamos no que faz falta nas casas… a habitação multifamiliar será dos maiores problemas que temos em mãos, o modus operandi tem de mudar e a mentalidade também. Os apartamentos e edifícios no geral deverão ser mais acolhedores, a necessidade de espaços verdes, áreas de jardim, coberturas acessíveis, varandas e terraços devidamente dimensionados, compartimentos interiores destinados ao apoio de funções que anteriormente jamais pensámos fazer dentro de casa, serão o ponto de partida para uma nova arquitetura e consequentemente um modo de vida que se prevê prolongado no tempo.

Quais os projetos de arquitetura que têm em mãos para o futuro? 

Estão em curso obras nas quais temos boas expetativas.

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1 Comentários:

Manuel Rocha
5 Dezembro 2021, 15:33

Curioso! Depois da pandemia, eu só quero estar fora de casa.
Da casa já eu fiquei farto. Agora quero é rua, viajar e contactar com pessoas. A casa tornou-se, de facto, apenas um local (dos vários possíveis...) para dormir.
A vida é curta para ser passada em casa!

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