Altos custos de manutenção e com energia destes imóveis são os maiores desafios para os proprietários, diz o presidente da APCA.
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Viver em casas históricas em Portugal
António Maria de Mello, presidente da Associação Portuguesa das Casas Antigas Crédito: Associação Portuguesa das Casas Antigas

Casas-museu, hotéis, alojamentos locais, palcos de concertos, mas também cenários para filmagens, casamentos e outras cerimónias. As casas históricas fazem parte do património imobiliário do país e ajudam a fomentar a economia local. Quase sempre mudam de mãos por heranças, mas há cada vez mais investidores - sobretudo estrangeiros - de olho nestes ativos para comprar. O grande desafio para os proprietários são os custos de manutenção e também a fatura de energia. Algumas acabam em ruínas, pela falta de verbas, mas a Associação Portuguesa das Casas Antigas (APCA) está a trabalhar com o Governo para ajudar a manter e revitalizar este setor, que emprega cerca de 4.000 pessoas e move perto de 400 milhões de euros por ano. 

Quantas casas históricas há em Portugal e em que situação se encontram? Que uso lhes é dado e quanto custa aos proprietários mantê-las em bom estado? As respostas a estas perguntas são dadas por António Maria de Mello, presidente da Associação Portuguesa das Casas Antigas (APCA), em entrevista ao idealista/news. “As pessoas, muitas vezes, não imaginam a dificuldade que os proprietários passam de frio no inverno, porque não há dinheiro que suporte aquecer a casa toda. Há muitos sacrifícios que se fazem para manter essas casas”, conta, salientando que o “tema da energia é muito complicado para estas casas, porque em algumas não é permitido pôr janelas termolacadas, tem de se manter a madeira, a traça antiga, o que faz com que se gaste mais energia”.

Sublinhando que a APCA “continua a desenvolver-se para ajudar os proprietários a manter as casas na sua posse, ou seja, para não serem abandonadas ou vendidas, ou transformadas em hotéis ou noutra coisa que não seja a génese da casa”, o responsável revela que o Governo está atento a este assunto e que a Secretaria de Estado da Cultura vai apoiar a associação com o objetivo de continuar a “dinamizar este setor do património histórico”. “(…) Se não nos ajudam a manter as casas, algum dia desaparecem e depois é o Estado que tem de tomar conta delas”, frisa. 

Um estudo realizado pela APCA – “começou a ser feito em novembro de 2021 e terminou em junho deste ano” – concluiu, por exemplo, que há mais de 2.000 casas históricas em Portugal, sendo que a maioria (48,3%) encontra-se na região Norte. Senguem-se, por esta ordem, a região Centro (22,6%), a Área Metropolitana de Lisboa (16,4%), o Alentejo (11,1%) e o Algarve (1,6%). Segundo o mesmo, o contributo económico anual total destas casas antigas e históricas, que podem ser também palácios, ascende a 434 milhões de euros em vários tipos de atividades: hotelaria, Alojamento Local (AL), espetáculos musicais, batizados etc. Mas há uma nova tendência a ganhar força: o arrendamento das casas para a rodagem de filmes e séries, adianta António Maria de Mello na entrevista. 

Casas históricas em Portugal
Associação Portuguesa das Casas Antigas

Quando nasceu a APCA e qual é o seu propósito e missão?

A APCA nasceu em 1977/1978 para defender o património histórico nacional. Por acaso, o meu avô foi um dos fundadores. Hoje continua a ter esse objetivo, o de defender o património, mas não contra ocupações de casas por causa da reforma agrária, por exemplo. A APCA continua a desenvolver-se para ajudar os proprietários a manter as casas na sua posse, ou seja, para não serem abandonadas ou vendidas, ou transformadas em hotéis ou noutra coisa que não seja a génese da casa.

Temos cerca de 200 associados, ainda é muito pouco. Em Portugal há mais de 2.000 casas históricas. Vai desde casas que quase estão em ruínas até outras habitadas: umas podem estar abertas ao público, algumas só para festas e eventos, outras só para dormida. Há de tudo.

O que é uma casa histórica? Como se podem definir?

Normalmente são casas com mais de 100 anos, com uma determinada arquitetura. Um prédio com 100 anos não será uma casa histórica. Mas há casas que não têm 100 anos e já são históricas: a casa da Amália [Casa-Museu Amália Rodrigues], no Príncipe Real (Lisboa), tem menos de 100 anos, mas é história porque viveu lá a Amália. Não há um critério muito objetivo. Tem de haver algo que distinga o imóvel: a arquitetura, quem viveu lá, se foi uma pessoa ilustre, etc. Depende de uma série de variáveis e é decidido pela direção da APCA se faz sentido ou não. 

"Em Portugal há mais de 2.000 casas históricas. Vai desde casas que quase estão em ruínas até outras habitadas: umas podem estar abertas ao público, algumas só para festas e eventos, outras só para dormida. Há de tudo"

Esta direção só existe desde outubro de 2021. Só sou presidente há um ano, e a direção mudou toda. Estamos a dinamizar um pouco mais a associação no pós-Covid, que prejudicou um pouco o seu movimento e a angariação de novos sócios. Termos poucos sócios é um problema. Estamos a lutar contra isso. Temos feito vários trabalhos para ajudar os associados, temos uma programação para este ano e estamos a cumpri-la e, aos poucos, vão aparecendo mais sócios.

Há alguma ligação entre estas casas antigas e/ou históricas com a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC)?

Há casas históricas que estão classificadas, e a classificação é aprovada pela DGPC. Nós aconselhamos os nossos associados a classificarem as casas, e tratamos da classificação, não aprovamos, mas temos um departamento que ajuda os sócios a classificarem. Temos três ou quatro casas neste momento em classificação, mas um sócio da associação não tem de ter a sua casa associada na associação para ser classificada pela DGPC. 

Entre as casas antigas há também palácios, palacetes, etc… 

Consideramos tudo casas históricas, quer sejam grandes ou pequenas. O que distingue um palácio de um palacete é um pouco a dimensão. São mais de 2.000 casas históricas, não necessariamente palácios ou palacetes. Na região Norte há mais, mas são mais pequenas. As maiores estão nas cidades, Lisboa, Porto, Coimbra, etc., onde há mais população.

Casas antigas e casas históricas em Portugal
Associação Portuguesa das Casas Antigas

Quando foi realizado o estudo? Quantas pessoas foram inquiridas?

A nova direção da associação decidiu ver qual é o mercado que estamos a trabalhar. Sou muito pragmático, sou da área da engenharia, e para tratar de uma coisa tenho de saber o que tenho na mão, tenho de saber qual é a área em que vou intervir. Pedimos a uma empresa para fazer esse estudo. Foi a Kepler e foi pro-bono. O estudo começou a ser feito em novembro de 2021, com inquéritos às pessoas, por e-mail e telefone, e terminou em junho deste ano. 

Quais são as principais conclusões a retirar do estudo?

Que há mais de 2.000 casas e que o setor emprega cerca de 4.000 pessoas. É um setor importante em termos económicos e sociais. Estas casas provocam um movimento financeiro à volta da zona onde se encontram muito importante, porque há nas aldeias sempre à volta um sapateiro, um serralheiro, um restaurante, um café, um hotel… Calculamos que a economia gerada por tudo isto ande à volta de 400 milhões de euros por ano. 

"Estas casas provocam um movimento financeiro à volta da zona onde se encontram muito importante, porque há nas aldeias sempre à volta um sapateiro, um serralheiro, um restaurante, um café, um hotel…"

Um Alojamento Local (AL), por exemplo, tem de ter perto uma lavandaria, restaurantes, mercearia, diversão, etc. Essas casas criam uma economia à volta delas. Se desaparecem, essa economia desaparece. Por outro lado, quando os turistas visitam Lisboa, Porto e outras cidades, vêm ver o charme das mesmas. Em Lisboa, não é só o Castelo e os museus, são as casas históricas, as casas antigas

Temos estado a falar com o Governo, que nos vai apoiar. A Secretaria de Estado da Cultura vai apoiar-nos para continuarmos a dinamizar este setor do património histórico, é um apoio simbólico, mais de divulgação das casas, da própria associação. Se não nos ajudam a manter as casas, algum dia desaparecem e depois é o Estado que tem de tomar conta delas.

Isso tem acontecido? Os proprietários, no contexto atual, marcado por altas taxas de inflação e aumento do custo de vida, podem deixar de conseguir manter as casas?

Sim, e com o ‘boom’ da energia pior. Este tema da energia é muito complicado para estas casas, porque em algumas não é permitido pôr janelas termolacadas, tem de se manter a madeira, a traça antiga, o que faz com que se gaste mais energia. Por outro lado, não é possível pôr em muitas casas placas fotovoltaicas para poupar energia, por causa da estética. 

Proprietários de casas históricas
Associação Portuguesa das Casas Antigas

Mas isso acaba por ser um pouco um contrassenso, tendo em conta a importância da sustentabilidade no setor imobiliário e da construção, certo?

Em conjunto, o próximo passo a dar é tentar ajudar os proprietários a resolver esse assunto, arranjar uma solução juntamente com o Estado e com a Direcção-Geral do Ambiente. Uma solução em que se poupe energia, que não se gaste tanto e também que não se estrague muito as fachadas e a traça da casa.

O estudo conclui que os proprietários gastam, em média, mais de 50.000 euros por ano. Que tipo de custos são estes? 

Manutenção. As casas classificadas estão isentas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o que é uma ajuda importante, mas são casas que precisam de muita manutenção. E depois há os custos com pessoal. São casas grandes e, se calhar, têm de ter vários empregados. As pessoas, muitas vezes, não imaginam a dificuldade que os proprietários passam de frio no inverno, porque não há dinheiro que suporte aquecer a casa toda. Há muitos sacrifícios que se fazem para manter essas casas.

Muitas destas casas ficam na posse dos atuais proprietários na sequência de heranças?

Acho que é a maioria. Se acontecer uma casa ser transacionada não é uma coisa muito habitual. Pode acontecer é o proprietário vendê-la a um estrangeiro para ser construído um hotel. Portugueses a comprar a portugueses não é muito habitual. 

Estas mais de 2.000 casas históricas são propriedade sobretudo de portugueses? 

Há de tudo. Conheço algumas que foram compradas por franceses, americanos, brasileiros... há muitos estrangeiros a comprar. E muitas são transformadas em hotéis, por exemplo. 

Disse que se corria o risco de algumas destas casas históricas passarem para a esfera dos Estado devido, por exemplo, aos elevados custos de manutenção. As casas perderiam, dessa forma, a sua “história”?

Não é bom é que aconteça, porque o Estado não tem dinheiro para manter as casas. Por outro lado, o Estado fica sem a história da casa. Uma das coisas importantes em manter os imóveis nas mãos dos proprietários é que estes conhecem a sua história, o seu passado, são casas com muitas histórias. Estamos a tentar que cada casa tenha o seu ‘notebook’, o seu livrinho com a história da própria casa ao longo dos anos. É um trabalho que queremos fazer. 

Viver numa casa histórica, que à partida será maior em termos de dimensão que uma casa “normal”, que um apartamento, tem um custo bastante elevado, como disse. Será que as pessoas têm essa noção?

É uma vida completamente diferente. Já vivi ambas as partes. Num apartamento, a casa é mais pequena, mas é mais cómoda. No verão há ar condicionado e no inverno há aquecimento. Numa casa grande não, a pessoa vai de um lado para o outro e veste um carapuço. A temperatura da casa é a temperatura da rua, praticamente, tirando uma divisão ou outra. 

Casas antigas e históricas
Associação Portuguesa das Casas Antigas

Fala-se tanto na sustentabilidade e na necessidade de os edifícios obedecerem a normas de eficiência energética. Devia ser também uma realidade para as casas antigas? 

É um trabalho que vamos ter de fazer com o Estado. Tentar sensibilizá-los para algumas técnicas que se possam usar e que não se estrague a história da casa, as fachadas, nem danifique o interior. 

Relativamente à eficiência energética, as casas não podem ser vendidas, e ninguém pode lá viver, se a certificação for inferior a E, e todas as casas histórias são abaixo de E. Estamos a ver junto da União Europeia, através da associação histórica de casas antigas belga, que é nossa representante na Comissão Europeia, a possibilidade de haver uma exceção a este regulamento e a tentar adaptar essa exceção para Portugal, que passa por estas casas com eficiência energética abaixo de E poderem ser transacionadas. 

Que uso é dado à generalidade destes imóveis? Hotéis, Alojamento Local, etc. É sobretudo isto?

Tem havido agora uma tendência de se usarem estas casas para filmagens, cinema, anúncios etc. É uma área que se está a desenvolver bastante. Casamentos e batizados também continua a haver, mas não é o ideal, porque desgasta muito as casas, e a margem [de lucro] não é assim tão significativa. Ao arrendar as casas para filmagens, por exemplo, é muito mais interessante, e pagam bastante melhor. Nós, na APCA, ajudamos os proprietários: a nossa ação é avisar o que se está a passar e ajudar nos contactos. Há também pequenos concertos de jazz, de música clássica, coisas mais pequenas, mas com maior valor acrescentado. 

"Tem havido agora uma tendência de se usarem estas casas para filmagens, cinema, anúncios etc. É uma área que se está a desenvolver bastante"

É importante reforçar que as pessoas respeitem estas casas e ajudem a mantê-las, visitá-las, ver o jardim, a casa, dormir lá. Muitas destas casas são casas-museu, podem ser visitadas. Estamos a atualizar o site da associação, que estava muito desatualizado, e temos a ideia, por exemplo, de fazer uma espécie de rota de casas-museu e de permitir que haja no site uma lista de imóveis que podem ser visitados. 

Há muitas casas antigas em ruínas?

Infelizmente há. Não sei qual é o número, mas há e por várias razões: porque os donos não têm dinheiro para manter, ou por problemas de partilhas, em que como já é de muitas pessoas ninguém se entende. Em Lisboa há várias casas históricas que estão com tijolos nas janelas, etc. Os proprietários, em última instância, se não conseguem fazer face aos custos, abandonam-nas.

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1 Comentários:

Fatima Arruda
15 Novembro 2022, 0:23

Que excelente iniciativa. Almejo que consigam uma maneira de conservar e dar vida a essas belas casas. No norte há muita ruínas e casa belíssimas que deveriam receber mais atenção. Sou fascinada por casas com história.

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