
O cenário, em Portugal e no mundo, é de inflação alta, de taxas de juro a subir, de custos de construção a disparar, de poder de compra a diminuir. Mas há também boas notícias, nomeadamente para o setor imobiliário. O país continua na mira dos investidores, que continuam a considerá-lo atrativo, e resiliência mantém-se como palavra de ordem num cenário que tende a ser de pós-pandemia. Disso mesmo dá conta Jorge Bota, que foi eleito recentemente presidente da ACAI – Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária. “Portugal continua a ser muito atrativo, não só pela qualidade dos seus ativos, mas também porque disponibiliza ainda taxas de rentabilidade melhores que os nossos principais concorrentes”, diz em entrevista ao idealista/news.
Segundo o responsável, o imobiliário tem dado, ao longo dos anos, boas respostas a momentos de crise, uma tendência que se tenderá a verificar: “O imobiliário tem demonstrado a sua resiliência, não só porque é um ativo de investimento para ciclos mais longos, como reflete como nenhum outro o desempenho da economia, que não tendo sido brilhante na última década, não deixou de ser positiva. Por outro lado, o imobiliário tem a clara vantagem de ser um ativo físico, tangível, e que apesar das crises continua a ter a sua existência, mesmo que o seu valor possa ter sido afetado momentaneamente”.
A ACAI, recorde-se, foi constituída em 2013 e tem como objetivo a promoção, regulamentação e desenvolvimento da atividade de consultoria imobiliária, de avaliação e administração de imóveis, de mediação e acompanhamento de negócios imobiliários, bem como de defesa, promoção e representação dos interesses empresariais do setor, lê-se no site da associação, que tem como associadas as consultoras B. Prime, CBRE, Cushman & Wakefield, JLL, Savills e Worx. Juntas, são responsáveis por cerca de 95% dos negócios imobiliários envolvendo a propriedade comercial, através da sua prestação de serviços de avaliação, consultoria e/ou mediação.
“Trata-se de uma associação que representa entidades que nos últimos cinco anos foram responsáveis por avaliar mais de 118 milhões de metros quadrados (m2) de imoveis, além de terem colocado 660.000 m2 de lojas, 900.000 m2 de escritórios e 700.000 m2 de área logística e industrial, em Portugal, o que representa a maior parte dos negócios em imobiliário comercial no país”, adianta Jorge Bota na entrevista dada ao idealista/news por escrito e que pode ser lida em baixo na íntegra.

Foi eleito recentemente Presidente da ACAI. Quais os principais desafios para os próximos três anos de mandato?
Os principais objetivos da eleição desta nova direção foram claramente ter um maior dinamismo por parte da ACAI, demonstrar a relevância de uma associação que representa os maiores players do mercado imobiliário comercial e organizar uma atuação conjunta com as demais associações do setor, visto haver no futuro nova legislação que irá afetar diretamente o setor, que todos pretendemos que seja mais eficiente, transparente e uma referência nacional e internacional.
A ACAI foi constituída em 2013. Que balanço faz da atividade da associação desde então?
Tem sido um balanço positivo, mas que tem de ser melhorado e ajustado aos novos tempos, mais exigentes e com novos desafios para o mercado em geral e para os seus ‘stakeholders’ em particular. Este é um setor determinante para um bom funcionamento do setor financeiro e para o universo de organismos de investimento coletivo, principalmente no que às avaliações diz respeito, e que normalmente só é lembrado quando existem problemas e dificuldades. A ACAI tem claramente o objetivo e a responsabilidade, em conjunto com os demais intervenientes, de participar junto das entidades reguladoras, em melhorar e antecipar esses problemas.
"A ACAI representa entidades que nos últimos cinco anos foram responsáveis por avaliar mais de 118 milhões de metros quadrados (m2) de imoveis, além de terem colocado 660.000 m2 de lojas, 900.000 m2 de escritórios e 700.000 m2 de área logística e industrial, em Portugal, o que representa a maior parte dos negócios em imobiliário comercial no país"
A ACAI agrega as maiores consultoras do setor, responsáveis pela maioria do volume transacionado em investimento imobiliário, avaliações e demais transações em imobiliário comercial, em Portugal. É, também por isso, uma responsabilidade grande assumir a presidência da ACAI?
Claro que sim, porque trata-se de uma associação que representa entidades que nos últimos cinco anos foram responsáveis por avaliar mais de 118 milhões de metros quadrados (m2) de imoveis, além de terem colocado 660.000 m2 de lojas, 900.000 m2 de escritórios e 700.000 m2 de área logística e industrial, em Portugal, o que representa a maior parte dos negócios em imobiliário comercial no país. Além disso, estas mesmas empresas foram responsáveis pela angariação e conclusão de cerca de 3.000 milhões de euros de operações de investimento imobiliário por ano, e não estamos a contar neste valor as transações para promoção imobiliária, como os terrenos, por exemplo. Por isso, estamos a falar claramente de um conjunto de intervenientes que é estratégico para um setor que é um dos maiores promotores internacionais de Portugal como destino de investimento.

Como definiria a relação existente entre as associadas da ACAI, que são, na prática, as principais consultoras imobiliárias a operar em Portugal? Sempre foi uma relação “saudável”?
A relação entre associados, desde sempre, foi pautada por um grande respeito entre todos, mas com uma saudável concorrência, por vezes feroz, porque o objetivo de todas estas empresas é serem líderes de mercado e as mais relevantes em Portugal, à semelhança do que acontece com os mesmos intervenientes em todo o mundo.
Por outro lado, também sempre foi um objetivo claro destas consultoras, e a ACAI tem um papel relevante, apostar na profissionalização do setor, numa maior transparência dos dados e de toda a atividade, procurando sempre trazer para Portugal aquelas que são as melhores práticas internacionais. Exemplo disto e que é reconhecido internacionalmente como referência foi a criação do LPI – Lisbon Prime Index, que recolhe dados do setor de escritórios e que permite disponibilizar uma informação fidedigna deste setor a todo o mercado e intervenientes, permitindo dar maior segurança e previsibilidade para os investidores internacionais, por exemplo.
O setor imobiliário tem-se mostrado muito resiliente nos últimos tempos, marcados por uma inesperada pandemia e, agora, pela guerra na Ucrânia, que fez disparar a inflação, as taxas de juro, os custos de construção etc. Acredita que esta resiliência se vai manter?
Acredito que sim, embora os tempos atuais, à semelhança do que se tem passado nos últimos 10 anos, são mais imprevisíveis e voláteis. No entanto, o imobiliário tem demonstrado a sua resiliência, não só porque é um ativo de investimento para ciclos mais longos, como reflete como nenhum outro o desempenho da economia, que não tendo sido brilhante na última década, não deixou de ser positiva. Por outro lado, o imobiliário tem a clara vantagem de ser um ativo físico, tangível, e que apesar das crises continua a ter a sua existência, mesmo que o seu valor possa ter sido afetado momentaneamente.
"(...) O imobiliário tem demonstrado a sua resiliência, não só porque é um ativo de investimento para ciclos mais longos, como reflete como nenhum outro o desempenho da economia (...). O imobiliário tem a clara vantagem de ser um ativo físico, tangível, e que apesar das crises continua a ter a sua existência, mesmo que o seu valor possa ter sido afetado momentaneamente"
Que segmento do setor imobiliário está a dar melhor resposta ao momento que se vive atualmente? Porquê?
Desde 2021 que os dois setores que se têm vindo a destacar são a logística e a hotelaria. Não só porque Portugal tem ativos de grande qualidade, no setor do turismo e são referências internacionais, como, no caso da logística, foi o último dos setores a recuperar e beneficiou claramente dos últimos impactos da pandemia e das dificuldades dos canais logísticos internacionais, que lhe vieram dar uma importância acrescida.
O segmento de escritórios está bastante dinâmico. Continua a haver muita procura de espaços por parte das empresas, agora já mais adaptados ao modelo de trabalho híbrido? E a oferta está a corresponder às expectativas?
Vai claramente manter-se esse dinamismo, por várias razões: Portugal continua a ser um destino muito atrativo para a localização de empresas de serviços e de tecnologias, é um destino muito atrativo por atrair expatriados e a qualidade dos nossos escritórios e das pessoas está alinhada com o que de melhor existe em toda a Europa, com um preço ainda competitivo.
A oferta, principalmente nos novos projetos, tem vindo a fazer um trabalho muito positivo para se ajustar às necessidades e preocupações que as empresas têm para corresponder aos seus colaboradores e está a fazer um trabalho notável e pouco conhecido para se adaptar às novas exigências de sustentabilidade e neutralidade carbónica, que será seguramente o grande desafio do setor para os próximos anos, pois temos metas muito ambiciosas em toda a Europa.

Sustentabilidade é palavra de ordem também no setor imobiliário. Há, de facto, uma cada vez maior preocupação com este tema, nomeadamente com os critérios ESG? O futuro do setor passa pela aposta na sustentabilidade?
Sem dúvida! Este é um movimento que já se iniciou e que terá um papel determinante no setor, pois no caso de Portugal até fomos mais ambiciosos em termos de objetivos que a maior parte dos países europeus. A sensibilização do setor está feita, e será necessário aproveitar os meios disponíveis para fazer esse trabalho que terá resultados que beneficiarão não só o setor, mas toda a sociedade.
O que esperar do setor imobiliário até final do ano nos vários segmentos (escritórios, retalho, logística, hotelaria, residencial)?
Todos irão ter um desempenho muito positivo este ano. À data de hoje, as transações já nos permitem ter a garantia de que 2022 será o melhor ano de sempre para os escritórios e para a logística, sendo de crescimento também para a hotelaria e para o segmento residencial. Talvez o setor menos exuberante, mas mesmo assim com uma reação positiva, pois foi dos que mais sofreu com a pandemia, seja o retalho, embora também de forma distinta em função dos vários formatos, com desempenhos muito positivos para os retail park, por exemplo.
À data de hoje, as transações já nos permitem ter a garantia de que 2022 será o melhor ano de sempre para os escritórios e para a logística, sendo de crescimento também para a hotelaria e para o segmento residencial"
Há negócios na calha (em pipeline) que podem “sair do papel” em breve? O que nos pode revelar?
A ACAI não trata de negócios e por isso só os seus associados, individualmente, poderão responder a esta pregunta, mas todos eles estão com perspetivas muito positivas, com alguns projetos, não só de expansão, como de diversificação.

Os investidores imobiliários, nomeadamente os estrangeiros, continuam atentos ao mercado português, mesmo em tempos de inflação alta etc.? O que os continua a atrair?
Esta é uma realidade, apesar de não poder deixar de mencionar que existe uma maior prudência na análise de novos investimentos, principalmente pelas incertezas que existem relativamente ao impacto do aumento das taxas de juro no desempenho das economias e na liquidez. Portugal continua a ser muito atrativo, não só pela qualidade dos seus ativos, mas também porque disponibiliza ainda taxas de rentabilidade melhores que os nossos principais concorrentes. Isto deve-se a ser um mercado com menor liquidez, mas traz também oportunidades para melhorar a rentabilidade dos portfolios internacionais dos grandes fundos de investimento.
"Portugal continua a ser muito atrativo, não só pela qualidade dos seus ativos, mas também porque disponibiliza ainda taxas de rentabilidade melhores que os nossos principais concorrentes. Isto deve-se a ser um mercado com menor liquidez, mas traz também oportunidades para melhorar a rentabilidade dos portfolios internacionais dos grandes fundos de investimento"
Sinta-se à vontade para acrescentar qualquer informação que considere relevante.
Uma área que nos preocupa bastante é o setor de avaliações, que desde o último quadro normativo de 2015 tem vindo a ser afetado por muitas limitações, como consequência da lei e que claramente têm vindo, na nossa opinião e dos demais intervenientes, a prejudicar a qualidade das mesmas, o que poderá ter um impacto relevante quando estivermos sujeitos a momentos de maior stress para o setor.
Pensamos que deveria haver um trabalho conjunto no sentido de melhorar as condições atuais, pois se é verdade que os objetivos que imperaram para essa lei são positivos, válidos e de encontro a uma melhor fiabilidade e credibilidade desta ferramenta essencial para o setor financeiro, também é verdade que já passou tempo suficiente para se poder fazer uma avaliação do que correu bem, e o que poderá ser melhorado para o que não correu tão bem. Sendo os objetivos nobres e meritórios, por vezes as consequências acabam por contradizer os objetivos inicialmente idealizados. Esperamos que exista disponibilidade para que esse estudo de melhoria seja feito nos próximos tempos.
Para poder comentar deves entrar na tua conta