Especialista em habitação Sandra Marques Pereira diz que programa do Governo consegue alguma regulação do mercado.
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Mais Habitação
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Lusa

A investigadora Sandra Marques Pereira considera que, com o pacote Mais Habitação, o Governo consegue pela primeira vez “alguma regulação” do setor, embora mostre dúvidas da sua capacidade de execução devido ao perfil burocrático do Estado.

Aprovados num Conselho de Ministros realizado na quinta-feira, os apoios extraordinários para o pagamento de rendas e a bonificação dos juros em créditos habitação são medidas conjunturais, aponta a investigadora do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa.

“Estas medidas têm como alvo a minimização dos impactos desta crise conjuntural que vivemos agora, que tem que ver com a inflação e com as taxas de juros”, destaca Sandra Marques Pereira, que vê as restantes propostas do pacote – cuja aprovação pelo Governo está prevista para o dia 30 de março - como resposta à crise estrutural do setor.

“Este é um pacote muitíssimo diversificado e há até algumas medidas que, pela primeira vez, tocam em alguma regulação do mercado”, refere a especialista em temáticas de cidades e territórios, doutorada em Sociologia e professora convidada do mestrado integrado de Arquitetura e do doutoramento Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos.

Dessas medidas, a académica evidencia a importância do limite nas rendas de novos contratos, da possibilidade de os condomínios se manifestarem contra alojamentos locais, do arrendamento coercivo de casas devolutas e do fim dos vistos ‘gold’, embora realce, sobre o último ponto, que se mantêm benefícios fiscais para alguns grupos estrangeiros.

No entanto, antevê dificuldades na aplicação e na eficácia de algumas medidas.

Competências do Estado central e das autarquias dificultam aplicação prática do Mais Habitação

“O mais problemático na execução deste programa é a sua operacionalização”, considera, reconhecendo uma “sobreposição de responsabilidades em matéria de políticas de habitação entre o Estado Central e as autarquias”, e que o programa pode ser usado como “combate político” para os municípios.

Neste sentido, Sandra Marques Pereira olha para a organização burocrática do Estado como obstáculo ao uso coercivo de imóveis devolutos.

Casas devolutas
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A crítica estende-se ao subarrendamento de imóveis a senhorios, elogiando, em oposição, os apoios estatais às rendas por serem pagos de forma automática.

Retratando uma “hiperdesregulação” do mercado imobiliário, com vários fatores e vivida não só em Portugal, defende que foi sentida com força no país devido à diferença entre salários e os elevados preços.

“Este problema torna-se evidente sobretudo a partir de 2016 e 2017, e começa a haver uma pressão pública bastante grande”, recorda Sandra Marques Pereira.

Habitação ganhou força no debate político nos últimos anos

A especialista traça uma crescente dimensão política do tema: em 2017, é criada a Secretaria de Estado da Habitação, tornando-se, em 2023, num ministério autónomo; surge em 2018 a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH) e a Lei de Bases da Habitação em 2019.

Procurando uma política de habitação universal, a NGPH não era suficiente e não tinha o financiamento necessário, afirma a investigadora do Iscte, pelo que se vê parte dos objetivos agora renovados e com dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Sandra Marques Pereira rejeita ainda a ideia de que as periferias das cidades sejam feitas apenas de habitantes “expulsos” dos centros: “Fizeram-se maioritariamente às custas de pessoas que vieram de outras partes do país e aí se instalaram.”

O arrendamento obrigatório de casas devolutas – que consiste na possibilidade de o Estado, por motivos de interesse público, arrendar essas habitações, pagando uma renda aos proprietários – é uma das medidas do Programa Mais Habitação, anunciado no dia 16 de fevereiro e que será aprovado na totalidade no Conselho de Ministros agendado para dia 30.

O Governo aprovou já também um decreto-lei que procede à criação de um apoio extraordinário designado "Apoio à renda" e de um apoio extraordinário à subida acelerada do crédito à habitação consubstanciado na "Bonificação de Juros".

Na terça-feira, a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Luísa Salgueiro, revelou que o organismo vai enviar ao Governo um conjunto de contributos para melhorar o Mais Habitação, de forma a “responder às reais necessidades do país”.

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