Em entrevista, o presidente da DNA Portugal diz que os nómadas "trazem empresas, recuperam imóveis e entram na comunidade local”.
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Nómadas digitais em Portugal
Gonçalo Hall, presidente da DNA Portugal DNA Portugal

Andam de mala às costas de país em país, conhecendo o mundo a trabalhar. Esta é a vida dos nómadas digitas. Muitos querem morar em Portugal durante vários meses, procurando comunidades preparadas para os receber, como há em Lisboa, Porto ou na Madeira. Vivem, sobretudo, em alojamentos temporários. Mas há sempre quem “se apaixone pelo país” e queira fixar-se.

“Vemos hoje nómadas digitais a ficarem mais de seis meses em Portugal, a trazerem as suas empresas, a recuperarem imóveis, a fazerem parte da comunidade local”, adianta em entrevista ao idealista/news o presidente da Digital Nomads Association Portugal. Esta é, portanto, uma oportunidade para descentralizar o movimento de Lisboa e dar a conhecer o interior do país, que está a ser despovoado ano após ano.

A vontade de conhecer novos lugares e culturas durante todo o ano já havia levado muitos a teletrabalhar por vários cantos do mundo, inclusive em Lisboa. Mas este movimento de nómadas digitais deu o salto durante a pandemia da Covid-19, altura em que o teletrabalho se massificou. E Portugal têm-se vindo a adaptar ao estilo de vida e às necessidades destes nómadas digitais, criando comunidades, eventos, hubs, espaços de cowork e coliving. E ainda criou um visto para nómadas digitais em outubro de 2022, que os permite permanecer no país até um ano.

Foi com o objetivo de promover Portugal junto dos nómadas digitais que nasceu a Digital Nomads Association Portugal (DNA Portugal), em agosto de 2022, uma organização que trabalha com o Governo, municípios e parceiros para “criar comunidades de nómadas digitais, que ajudem a descentralizar o movimento de Lisboa, explorando o que de melhor tem o país”, nomeadamente no interior de Portugal, onde podem, aliás, beneficiar de apoios, explica Gonçalo Hall.

Atualmente, há seis comunidades de nómadas digitais, a mais antiga em Lisboa (2015) e as mais recentes, que nasceram durante a pandemia, na Madeira, Ericeira, Porto, Portimão e Lagos. Mas Portugal “tem potencial para ter uma rede de comunidades com mais de 20 destinos que têm uma sazonalidade muito alta”, como a região da Serra da Estrela ou a Costa Oeste com o surf, considera o responsável.

“Apenas com a melhor estruturação do produto Portugal podemos pensar em descentralizar o impacto dos nómadas digitais e aproveitar a grande oportunidade económica e social que representam para Portugal”, nomeadamente ao nível da “revitalização do território, promoção de coesão social e fixação de população no interior”, aponta o presidente da DNA Portugal em entrevista ao idealista/news, que pode ser lida em baixo.

Teletrabalho pelo mundo
DNA Portugal

Para apoiar a integração de nómadas digitais em Portugal surgiu a Digital Nomads Association Portugal (DNA Portugal) em agosto de 2022. De que forma têm ajudado esta comunidade até agora? Que iniciativas têm promovido em concreto?

A Digital Nomads Association Portugal foi criada no dia 12 de agosto de 2022 com o objetivo de estruturar e promover Portugal para nómadas digitais, através da criação de hubs, eventos, comunidades e promoção dos destinos com condições ideais para o trabalho remoto.

O nosso objetivo é trabalhar com o Governo, municípios e parceiros para a criação destes hubs em todo o país de forma a promovermos o nosso país como um todo para atrair nómadas digitais de todo o mundo. Queremos, sobretudo, criar comunidades de nómadas digitais que ajudem a descentralizar o movimento de Lisboa, explorando o que de melhor tem o nosso país.

Os nómadas digitais não viajam entre destinos, mas entre comunidades, pelo que a criação e gestão destas comunidades é a chave do sucesso de um projeto de atração deste mercado. A vila nómada da Madeira, do qual sou responsável, é o melhor exemplo do mundo em como este mercado pode estar integrado na economia e sociedade local, beneficiando todos na comunidade. Neste sentido fizemos as seguintes ações:

  • tour pelo interior do país, onde lecionámos 7 workshops para os municípios e empreendedores locais acerca do mercado e como se podem adaptar para atrair nómadas digitais;
  • palestras em parceria com o Turismo de Portugal e o NEST em Coruche e na Covilhã;
  • reuniões com mais de 20 municípios em todo o país para a implementação dos primeiros projetos piloto (esperamos que a primeira comunidade entre em funcionamento em outubro de 2023);
  • promoção de Portugal em eventos da especialidade em todo o mundo;
  • organização de um dos maiores eventos do mundo para nómadas digitais que vai ser o Nomad World Fest em Albufeira, de 9 a 14 de outubro.

Esperamos em breve conseguir começar a implementar a nossa rede de vilas nómadas digitais em todo o país e a sua promoção global, tudo indica que lançaremos a primeira parte deste projeto em outubro de 2023. Outro projeto que vamos implementar assim que a primeira comunidade esteja lançada é um estudo ao ecossistema português para que possamos compreender melhor o mercado em Portugal. Ainda existem poucos estudos a este mercado por ter crescido recentemente com a pandemia.

"Apenas com a melhor estruturação do produto Portugal podemos pensar em descentralizar o impacto dos nómadas digitais e aproveitar a grande oportunidade económica e social que representam para Portugal"

Qual é o perfil dos nómadas digitais em Portugal? De onde vêm principalmente? Em que setores trabalham? Quais as idades médias? Chegam sozinhos ou com família? Quanto tempo tendem a ficar em Portugal?

Os nómadas digitais são trabalhadores remotos que estão em constante movimento. Os dados mais realistas que temos são os do projeto do Governo Regional da Madeira em parceria com a Startup Madeira. Nesses dados verificamos que:

  • vêm da Alemanha, Polónia, Reino Unido e EUA;
  • Idade média: 33 anos;
  • Trabalham maioritariamente em tecnologia, sendo que a sua profissão varia, podendo ir desde programadores, marketeers a advogados;
  • Chegam maioritariamente sozinhos, mas começamos agora a ver cada vez mais famílias.
Nómadas digitais na Madeira
DNA Portugal

Como avalia a evolução da chegada de nómadas digitais a Portugal? Que efeitos tem para o país?

A comunidade de nómadas digitais em Portugal já existe desde pelo menos 2015, não é algo novo. Cresceu com a pandemia, uma vez que mais pessoas podem trabalhar de forma remota e vemos agora que se distribuem mais pelo país.

Os nómadas são um novo mercado na área do turismo de longa duração, que têm o potencial de ter maior impacto na economia e na sociedade pela sua estadia mais longa. E há ainda abertura para ter um impacto positivo nos locais por onde passam.

Na Madeira a pergunta que mais nos fazem é: “Como é que posso ter um impacto positivo?”, então criámos muitas atividades nesse sentido que vão desde voluntariado em associações locais, ensinar programação nas escolas, campanhas de recolha de alimentos a ‘hackathons’, onde ativamente tentam melhorar a ilha através da implementação de tecnologia. A chave aqui é a integração e gestão desta comunidade, que hoje só existe na Madeira, e que DNA quer trazer e implementar em todo o território nacional.

Existe ainda o potencial desta comunidade se apaixonar pelo nosso país e se querer fixar em Portugal, o que tem acontecido pela nossa extraordinária qualidade de vida. Vemos hoje nómadas digitais a ficarem mais de seis meses em Portugal, a trazerem as suas empresas, a recuperarem imóveis, a fazerem parte da comunidade local.

Esse acaba por ser também um objetivo declarado do nosso projeto, ao criarmos comunidades distribuídas pelo país, podemos distribuir a fixação da população no interior e em outras regiões como o centro de Portugal, onde vários municípios têm perdido 15% da população a cada 10 anos.

O trabalho remoto é, sem dúvida, a melhor oportunidade que Portugal já teve para revitalizar o seu território, para promover a coesão territorial e repensar as oportunidade que temos em todo o país para fixação da população. Os nómadas são apenas um dos perfis que podem ajudar através das suas estadias temporárias, mas são sem dúvida parte de uma oportunidade muito maior para o país.

A nível internacional mais de 40 países já criaram vistos para este setor e vemos cada vez mais a atração de talento equiparar-se em termos de impacto e investimento à atração de empresas para os diferentes países.

"Vemos hoje nómadas digitais a ficarem mais de 6 meses em Portugal, a trazerem as suas empresas, a recuperarem imóveis, a fazerem parte da comunidade local"

Perante a alta procura, o Governo criou um visto para nómadas digitais, que entrou em vigor no final de outubro de 2022. O que mudou para esta comunidade? Quais os aspetos mais e menos positivos deste visto?

Portugal tem hoje um dos melhores vistos para nómadas digitais do mundo, tem os requerimentos certos e é uma ferramenta interessante não para a atração de nómadas, mas para a extensão da sua estadia. O visto tem a duração de um ano, o que permite aos nómadas, que não fazem parte da zona Schengen, ficarem mais tempo e experimentarem mais regiões de Portugal. Os últimos dados públicos indicam cerca de 550 vistos aprovados nos primeiros meses do programa.

Em termos competitivos o único ponto negativo tem sido a duração necessária para a aprovação dos vistos para nómadas digitais (cerca de dois meses), que é muito acima de alguns dos nossos competidores, que tomam a decisão e entregam o visto em duas semanas.

Viver como nómadas digitais
DNA Portugal

Como é que os nómadas digitais vivem em Portugal? Em casas partilhadas, comunidades de nómadas ou arrendam a sua própria casa…? Pedem-vos ajuda para comprar casa no país?

Os nómadas digitais ficam na sua maioria em Alojamento Local (AL), apartamentos com serviços e acesso a cozinha e em alguns hotéis que oferecem cozinha também apesar de ainda ser a minoria. Muitos partilham casa com outros nómadas e procuram alojamento específico como espaços de coliving.

Temos tido cada vez mais investimento em Portugal em espaços de coliving. Esse vai ser o futuro provável deste mercado: a criação de mais alojamento específico que esteja adaptado às necessidades deste mercado e que se foque apenas no médio termo.

A sua chegada nos últimos anos tem influenciado de alguma forma a evolução dos preços das casas em Portugal, nomeadamente no arrendamento? Porquê?

Os nómadas digitais procuram alojamentos de curta duração. Por isso, só quem decide ficar mais tempo (com o visto nómada) poderá entrar no mercado de arrendamento tradicional.

Existe uma falsa perceção em Portugal do impacto e número de nómadas que o país recebe. Estima-se que cheguem cerca de 120.000 nómadas digitais por ano, nada comparável com os mais de 15 milhões de turistas que recebemos em 2022. E menos 1% dos nómadas fica mais do que seis meses com o visto, o que faz com que o número e impacto nas rendas seja muito baixo.

Comunidades de Nómadas digitais
DNA Portugal

Lisboa continua no topo do ranking da NomadList. Mas tem havido cada vez mais críticas sobre o alto custo de vida e os elevados preços das casas, estando o número de chegadas a cair. O que justificam estes números? Quais são os aspetos que mais os preocupam ou que não vão ao encontro das suas expectativas?

Lisboa está neste momento em terceiro lugar do Nomadlist. Mas o site não se baseia apenas em número de nómadas no destino, como também em vários dados acerca dos destinos como a classificação que os nómadas dão ao destino, o acesso a serviços de saúde privados, qualidade de vida, etc.

Apesar de hoje estar em terceiro lugar, podemos observar uma queda significativa do número de nómadas em Lisboa: de 20.000 no pico do ano passado a apenas 6.800 no último mês. Lisboa não deixou de ser sexy, mas Portugal está neste momento num pico turístico com os preços do alojamento turístico em recordes, tal como a sua ocupação. Uma vez que os nómadas utilizam na sua maioria Alojamento Local, a redução da disponibilidade e aumento de preços no setor faz com que Lisboa deixe de ser competitiva quando comparando com outras cidades com uma qualidade de vida similar, principalmente em Espanha.

Não é uma preocupação, uma vez que o país tem muito mais para oferecer, quando falamos no Algarve, no Alentejo, no norte e centro do país, onde todos os municípios sofrem de uma grande sazonalidade e querem muito atrair este mercado. Temos de trabalhar para criar comunidades de nómadas digitais nestes municípios que mais precisam e redirecionar o ‘flow’ de nómadas de Lisboa para o resto do país, como a Madeira tão bem fez com o seu projeto que começou na vila da Ponta do Sol e depois se espalhou por toda a região.

"Temos de trabalhar para criar comunidades de nómadas digitais nestes municípios que mais precisam e redirecionar o ‘flow’ de nómadas de Lisboa para o resto do país"

Quais os principais destinos escolhidos em Portugal pelos nómadas digitais para se instalarem e o que pesa na decisão?

Os nómadas digitais viajam principalmente entre comunidades, neste momento Portugal tem comunidades em Lisboa, Madeira (com cinco comunidades na região), Ericeira, Porto, Portimão e Lagos. Os nómadas procuram comunidade, facilidade de integração, Alojamento Local disponível, atividades desportivas, internet rápida e conectividade a nível dos transportes.

Acreditamos que o nosso país tem o potencial para ter uma rede de comunidades com mais de 20 destinos que têm uma sazonalidade muito alta, principalmente no Centro de Portugal na região da Serra da Estrela, na Costa Oeste com o surf, no Algarve com a qualidade da infraestrutura e em outras regiões com o seu potencial específico.

Nómadas digitais na Madeira
DNA Portugal

Há também nómadas digitais a querer começar negócios a partir de Portugal? Quais as principais áreas de interesse? Quais os principais fatores que os incentiva e desincentiva?

Sim, 25% dos nómadas digitais são empreendedores e estão constantemente a criar negócios. Temos muitos espaços de coliving e coworking criados por nómadas, negócios em tecnologia e muitos outros.

O que incentiva é a paixão pelo país e pela nossa cultura, no entanto os nossos impostos para as empresas não são competitivos e a nossa burocracia ainda assusta muito do investimento principalmente na área tecnológica, onde outros países europeus estão a fazer um trabalho notável a nível da redução da burocracia e tributação, caso da Estónia e da Lituânia.

"25% dos nómadas digitais são empreendedores e estão constantemente a criar negócios. Temos muitos espaços de coliving e coworking criados por nómadas, negócios em tecnologia e muitos outros"

Como vê o futuro da chegada de nómadas digitais em Portugal? Têm novas iniciativas na manga na DNA Portugal?

Portugal cresceu de forma orgânica com muito trabalho de líderes de comunidade locais como aconteceu em Lisboa, Ericeira e Lagos. Penso que está na hora de termos um papel mais proactivo na atração e gestão desta comunidade para que possamos tirar o máximo partido económico e social da sua presença em Portugal.

Mais países estão a competir por este mercado de nómadas digitais. Espanha, por exemplo, lançou no último mês o seu visto. E a Grécia, Croácia, entre muitos outros, estão a crescer e a investir na atração de talento, pelo que a nossa posição como líderes está em risco, com a prova da redução drástica dos números em Lisboa. A Madeira deu-nos a receita do sucesso, temos de trabalhar na estruturação do nosso país e na gestão ativa deste mercado, algo que poucos estão ainda a fazer.

A DNA Portugal está a trabalhar para criar uma rede de comunidades distribuídas por todo o território português, garantido que todas as comunidades têm uma integração local, um impacto positivo e que todos podemos ganhar com a sua criação. Estamos também a organizar uma das maiores conferências do mundo para nómadas de 9 a 14 de outubro no Algarve, denominada The Nomad World.

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