É um "diploma de vários prós”, diz Hugo Santos Ferreira, temendo, contudo, que se possa ter "ido longe de mais em alguns casos".
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Simplex dos licenciamentos
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Há muito que os vários players do setor imobiliário – promotores, investidores e mediadores, entre outros – reclamam mudanças nos processos de licenciamento. Menos burocracia, mais rapidez, exigem. Tudo em prol do aumento da oferta de casas no mercado. O novo ano trouxe novidades, com a entrada em vigor do simplex dos licenciamentos urbanísticos: o Decreto-Lei n.º 10/2024. “Regra geral, o simplex trouxe notícias animadoras para o setor imobiliário, tendo sido um diploma de vários prós”, começa por dizer ao idealista/news Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). “Levanta-se [no entanto] a dúvida de saber se não terá ido longe de mais em alguns casos”, acrescenta.

A grande maioria das 26 medidas do novo simplex dos licenciamentos urbanísticos entram em vigor dia 4 de março, mas algumas já têm efeitos desde 1 de janeiro de 2024. Uma das mais polémicas está relacionada com a compra e venda de casas, deixando de ser obrigatório apresentar, por defeito, a licença de utilização na hora da aquisição – fica a saber tudo sobre este tema neste link.

Em declarações ao idealista/news, Hugo Santos Ferreira - uma das vozes mais ativas no setor imobiliário nos últimos anos, nomeadamente em temas relacionados com os constantes atrasos nos processos de licenciamento, sobretudo em Lisboa - enumera algumas das vantagens e riscos do novo simplex dos licenciamentos urbanísticos. 

Deixando no ar a possibilidade de o Governo ter “ido longe de mais em alguns casos”, o responsável considera que apesar de não ter sido “um diploma unânime entre todos os stakeholders, foi quase na sua globalidade muito consensual”. “Continuar como estamos não era a solução e era mesmo inadmissível nada fazer, pelo que encaro este simplex como um primeiro passo, importante e necessário, na luta contra um dos maiores cancros da nossa economia e diria mesmo da nossa democracia, a burocracia”, sustenta. 

Prós e contras do simplex do licenciamento urbanístico
Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) Créditos: Diogo Coelho para o idealista/news

Prós e contras (e dúvidas) do simplex, segundo Hugo Santos Ferreira:

  • "Será que o fim do alvará de construção e a utilização preferencial do mecanismo de comunicação prévia não poderão causar dificuldades aos promotores imobiliários junto dos investidores, dos bancos e das seguradoras? 
  • Num cenário em que o único documento exigível são os comprovativos das taxas pagas ou até mesmo as comunicações prévias, resta perceber como é que aquelas entidades irão lidar com esta garantia que – ainda que proporcione uma positiva celeridade no processo construtivo – exija, para o alcançar, que se enfraqueçam as garantias e a segurança jurídica dos players de mercado;
  • No final de contas, importa perceber se existe alguma garantia. Isto porque podemos estar perante a solução de um problema, através da criação de um outro. Ou seja, alterando-se a causa, mas não o efeito;
  • É certo que a celeridade influenciará positivamente a construção e a diminuição dos preços das casas, porém a falta de segurança também (mas no sentido oposto). A desburocratização é imperativa, mas qualquer que seja o mecanismo utilizado, não deve pôr em causa a segurança do investimento;

"Se a burocratização é inimiga do promotor ou do construtor imobiliário, a insegurança e o risco também o são. Se o objetivo passa por construir mais habitação e incentivar os promotores imobiliários a fazê-lo, é premente desburocratizar, mas nunca comprometendo a segurança jurídica inerente a essa desburocratização"

  • Se a burocratização é inimiga do promotor ou do construtor imobiliário, a insegurança e o risco também o são;
  • Se o objetivo passa por construir mais habitação e incentivar os promotores imobiliários a fazê-lo, é premente desburocratizar, mas nunca comprometendo a segurança jurídica inerente a essa desburocratização;
  • Desta feita, deixando os profissionais de ter uma validação por parte da câmara da conformidade da obra com o projeto e do próprio projeto com a lei, é certo que o risco recairá – na totalidade – sob o promotor imobiliário. O que fará com que o mesmo pensará duas vezes antes de iniciar qualquer projeto; 
  • Costuma dizer-se que “tempo é dinheiro”. Se assim é e nós já arcávamos com as consequências inerentes à burocracia camarária, o risco também o é. Ou seja, estamos a falar de um custo que nem todos os promotores imobiliários estarão dispostos a correr;
  • Se deixámos de ter uma validação por parte da câmara da conformidade do projeto com as normas legais, este risco urbanístico, que antes era partilhado entre a autarquia e o promotor, fica agora do lado do promotor (ainda que de forma solidária com o projetista responsável); 

"É verdade que precisamos construir mais, trazer mais oferta de casas, nomeadamente acessíveis, ao mercado, e este primeiro passo (...) é bom. Fica, porém, a dúvida de saber se não terá sido um 'passo maior que a perna'. Desburocratizar sim, mas não a todo o custo. Não existirá forma de acabar com a burocracia sem que isso acarrete insegurança, que possa gerar riscos acrescidos e por isso, afinal, mais custos?"

  • Tudo isto é ainda mais difícil de explicar a um investidor (ainda para mais estrangeiro) ou mesmo a um banco financiador. Isto porque serão penosas as consequências de um projeto que se inicia sem licença que, por qualquer motivo, acabe por ser embargado, penalizando severamente quem correu o risco de investir nesse projeto;
  • É verdade que precisamos construir mais, trazer mais oferta de casas, nomeadamente acessíveis, ao mercado, e este primeiro passo, que aliás nasce da Carta Nacional da Habitação criada por este Governo, é bom. Fica, porém, a dúvida de saber se não terá sido um 'passo maior que a perna'. Desburocratizar sim, mas não a todo o custo. Não existirá forma de acabar com a burocracia sem que isso acarrete insegurança, que possa gerar riscos acrescidos e por isso, afinal, mais custos?"

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