
Portugal, situado numa região de atividade sísmica relevante, vive sob o risco constante de tremores de terra e com a memória latente do terramoto de 1755 que destruiu Lisboa e sacrificou muitas vidas. Em muitos casos, quando ninguém espera, podem dar-se fenómenos naturais catastróficos que colocam em perigo pessoas, casas e outras infraestruturas. Em agosto passado, um sismo com magnitude 5,3 na escala de Richter abalou o país, voltando a trazer para cima da mesa a urgência de medidas preventivas, e abrindo debates sobre segurança estrutural, planos de emergência e vulnerabilidade das construções. A falta de preparação e continuar a confiar na sorte pode implicar um custo demasiado alto a todos os níveis e, por isso mesmo, faz sentido continuar a marcar o tema na agenda política, das empresas e cidadãos.
Engenheiros, arquitetos, investigadores e especialistas em estruturas e segurança sísmica ouvidos pelo idealista/news alertam exatamente para a necessidade de maior preparação e prevenção, nomeadamente no reforço de infraestruturas antigas e melhoria da aplicação das normas de construção para novos projetos. O que deve ser feito para aumentar a resiliência sísmica? Falta fiscalização para termos um edificado seguro? Fomos à procura de respostas.
A Lei da Proteção Sísmica entrou em vigor em 1983 e pode-se dizer que há um antes e depois na construção em Portugal, tal como explica o especialista em segurança de edifícios e docente do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), Rodrigo Falcão Moreira. “O anterior regulamento, datado de 1958, foi a primeira norma portuguesa para esse efeito, mas continha apenas algumas regras muito básicas e (hoje sabemos) insuficientes. Portanto, em termos temporais, é efetivamente habitual designar o ano de 1983 como data a partir da qual entra em vigor um regulamento que já oferecia um conjunto alargado de garantias quanto ao comportamento sismo-resistente dos edifícios projetados”, refere.
Deste modo, e tendo sido os projetos “competentemente desenvolvidos, e as respetivas estruturas construídas de acordo com o definido nesses projetos”, então esses edifícios “deverão exibir comportamento sísmico francamente melhor do que os projetados e construídos em datas anteriores, os quais estarão apenas preparados para resistir a ações gravíticas conjugadas com a ação do vento”, revela.

A verdade é que o sismo sentido no verão reacendeu a discussão sobre se o país está preparado para reagir a um sismo de elevada magnitude e até que ponto todas as novas construções e reabilitações estão a ser feitas com a devida resiliência sísmica. Rodrigo Falcão Moreira lembra que, atualmente, um projeto de estruturas sismo-resistentes é desenvolvido com base na regulamentação europeia que veio substituir os antigos regulamentos portugueses, sendo o regime aplicável à reabilitação de edifícios existentes estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 95/2019, em conjunto com a Portaria n.º 302/2019.
O docente considera que as regras incluídas nestas normas, quando cumpridas pelos profissionais da área, “asseguram que as estruturas projetadas/reabilitadas estão dotadas da resistência e ductilidade necessárias para que a vida humana resulte salvaguardada na ocorrência de um sismo”. Portanto, sendo os projetos de construção e reabilitação desenvolvidos nos termos da lei, e “sendo as obras executadas no cumprimento estrito do disposto em projeto”, o especialista acredita que “resultará cumprido o já referido propósito essencial da engenharia sísmica: salvaguardar a vida humana”.
Mónica Amaral Ferreira, investigadora do Instituto Superior Técnico, não tem dúvidas que “os sismos não matam, o que mata são as construções”. E a especialista explica porquê: “O problema está na vulnerabilidade das construções face a um sismo de determinada intensidade. Há uma clara falta de políticas públicas integradas, de uma gestão e ordenamento do território que considere adequadamente o risco sísmico, de sensibilização e informação da sociedade, de uma fiscalização mais exigente e frequente – tanto na construção de edifícios novos como de reabilitações -, e de incentivos que promovam a reabilitação e reforço dos edifícios vulneráveis”, defende.
Resiliência sísmica: das novas construções aos projetos de reabilitação
Rodrigo Falcão Moreira adianta que os danos nos edifícios “estão naturalmente dependentes da intensidade com que um sismo se faz sentir em determinado local, isto para além das características geométricas e mecânicas dos próprios edifícios afetados”. Além disso, tratando-se de um episódio de intensidade sísmica superior àquilo que pode ser considerado “frequente” em determinada região geográfica, “as consequências para um edifício não construído de acordo com as regras adequadas poderão ir desde danos localizados nas ligações pilar-viga, passando por grandes deformações devido a movimentos de torção e/ou desenvolvimento de mecanismos de “piso macio”, até ao seu colapso parcial ou global”.
“Os danos associados a elementos não estruturais, como por exemplo as paredes de alvenaria que constituem a fachada do edifício, são também muito frequentes e responsáveis por graves consequências sobre os ocupantes do edifício”, acrescenta.

Para o especialista, portanto, há que fazer da diminuição da vulnerabilidade sísmica do parque edificado uma prioridade. “Naturalmente que o foco dessa medida deve incidir sobre os edifícios existentes, mas é também necessário assegurar que não se constroem edifícios novos vulneráveis. Para esse efeito, são necessários projetos de estruturas completos e adequados, que cumpram a regulamentação em vigor, e obras bem executadas no estrito cumprimento das soluções projetadas. Em ambos há espaço para melhorar a prática corrente do país”, argumenta.
Humberto Varum, presidente do Colégio Nacional de Engenharia Civil, garante que “projetos de qualidade, desenvolvidos por projetistas responsáveis, encomendados por promotores e clientes exigentes e conscientes, e executados por empresas e técnicos rigorosos, garantirão um nível de segurança em linha com as exigências atuais”, admitindo, porém, que “quando algum elo desta cadeia não for suficientemente forte, poderá resultar num edifício sem o nível de segurança sísmica desejado e esperado”.
“Todas as partes envolvidas no processo de decisão associado à construção de um edifício novo, ou à reabilitação de um edifício existente, devem contribuir para a almejada segurança e resiliência sísmica. A fiscalização também desempenha aqui um papel crucial. Esta deve ser rigorosa e eficaz, e as situações de incumprimento do projeto durante a construção devem ser devidamente identificadas e penalizadas. Além disso, a formação e a preparação das equipas de fiscalização, sobretudo no que diz respeito à segurança sísmica das estruturas, devem ser fortemente promovidas”, defende o responsável.

“Os custos associados à falta de qualidade no projeto e na obra serão, com toda a certeza, muito superiores às poupanças obtidas com escolhas que não estejam alinhadas com a segurança adequada das estruturas. Além disso, optar pela não qualidade coloca em risco a vida dos utilizadores dos edifícios. É igualmente um erro pensar que é possível economizar significativamente no projeto e na execução da obra, sobretudo no que respeita à estrutura”, lembra.
Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult, destaca que todos os novos projetos já são obrigados a cumprir com as normas de resistência sísmica. “Hoje em dia, na reabilitação de edifícios, é obrigatório entregar um relatório de vulnerabilidade sísmica e, nestes casos, já não existe a possibilidade de pedir isenção desta norma, algo que até há alguns anos ainda se podia fazer em casos em que era mantidas algumas condições do edifício e respeitadas algumas limitações que permitiam, assim, contornar esta obrigação. Atualmente, e considero que bem, isso já não acontece, até porque acredito que nós, engenheiros, temos a responsabilidade civil de garantir que qualquer intervenção, num edifício novo ou reabilitado, cumpra com as exigências de resistência sísmica. Por isso, estou relativamente tranquilo ao afirmar que todo o edificado novo ou reabilitado nos últimos anos está em conformidade com estas normas”, argumenta.
Edifícios antigos, bombeiros, escolas ou hospitais: reforço da segurança é essencial
Mónica Amaral Ferreira lembra que os edifícios mais antigos, anteriores à década de 60, cujos regulamentos não contemplavam a segurança sísmica, poderão apresentar maior risco sísmico e, consequentemente mais danos. “Nas obras de reabilitação, até 2019, era inexistente a regulamentação para redução do seu risco sísmico. Muitas intervenções de reabilitação foram realizadas sem a supervisão adequada de engenheiros especializados, o que compromete a integridade estrutural dos edifícios e aumenta os riscos em caso de sismos”, indica a investigadora do Instituto Superior Técnico.

A especialista acrescenta que existem técnicas de reforço estrutural que podem ser aplicadas em edifícios existentes/mais antigos, nomeadamente para melhorar o comportamento sísmico. “O reforço estrutural e sísmico desses edifícios permite não apenas proteger a vida humana, mas também evitar os custos indiretos associados à indisponibilidade das edificações em caso de danos. Trata-se de um investimento na segurança e na resiliência das construções, que resulta em economias significativas a longo prazo e na proteção do património”, lembra.
Marlene Roque, vogal do Conselho Diretivo da Ordem dos Arquitectos, explica que, hoje em dia, a arquitetura moderna, com suas inovações em materiais, técnicas construtivas e desenho, “oferece um conjunto de ferramentas valiosas para aumentar a resiliência sísmica de edifícios, especialmente em centros históricos”. “A combinação de tradição e inovação é fundamental para garantir a preservação do património cultural e a segurança dos habitantes”, diz, acrescentando que a “avaliação e o reforço de edifícios históricos, apesar de processos complexos, são possíveis com uma equipa multidisciplinar, constituída por arquitectos, engenheiros, historiadores e outros especialistas”.
O diretor-geral da GesConsult considera que a grande preocupação deve passar, precisamente, “pelos edifícios existentes que não cumprem as normas, dada a sua construção ter sido anterior à implementação das regulamentações”. Além disso, defende uma preocupação acrescida com edifícios desempenham funções essenciais em caso de sismo, como quartéis de bombeiros ou hospitais. “Precisamos que estas estruturas se mantenham operacionais em cenário de catástrofe, para poderem continuar a servir a população. Aqui, sim, devemos ter um plano de intervenção que garanta que estas infraestruturas são adaptadas para garantir a segurança e o seu funcionamento em situações de emergência, como um sismo”, defende.

Uma opinião partilhada por Humberto Varum. O presidente do Colégio Nacional de Engenharia Civil frisa que todos os edifícios deverão garantir o nível de segurança sísmica exigido pela regulamentação atualmente em vigor. “É importante esclarecer que todos os edifícios devem ser preparados para evitar o colapso em caso de ocorrência de um sismo. No entanto, certos edifícios, sejam públicos ou privados, como hospitais, quartéis de bombeiros, escolas, entre outros, devido às suas funções específicas, devem ser concebidos e projetados de forma que, em caso de ocorrência de um sismo, os danos observados sejam limitados, de modo que as suas funções e os equipamentos que albergam não fiquem comprometidos”, sublinha.
Edifícios e casas seguras: dos desafios às soluções
Marlene Roque defende que a consciencialização suficiente por parte dos promotores imobiliários e arquitetos para projetar edifícios resistentes a sismos é um “desafio contínuo”. “Contrariar o medo e ter uma cultura de prevenção é também em si uma questão cultural. Logo, em Portugal, não há uma consciencialização suficiente por parte de todos os promotores imobiliários e restantes atores da sociedade civil sobre a importância de projetar edifícios resistentes a sismos. Sem dúvida que esta existe da parte dos arquitetos e engenheiros das especialidades, quer por imposição legal, quer por responsabilidade e dever de uma profissão regulada”, salienta a responsável.
De acordo com a vogal do Conselho Diretivo da Ordem dos Arquitectos, a “falta de literacia e responsabilidade dos promotores imobiliários e donos de obra/proprietários torna o processo desafiante”. Na sua visão, esta realidade “acontece por falta de conhecimento técnico, por uma pressão dos custos, por inexistência ou desadequada fiscalização das obras – embora existam normas e regulamentos que estabelecem os requisitos mínimos para a construção de edifícios, a fiscalização nem sempre atua –, e a cultura de prevenção, ainda incipiente em muitos países dificultando a consciencialização da população a importância de construir edificações seguras”.

Também os cidadãos podem (e devem) procurar saber se os edifícios em que vivem/trabalham são seguros. Rodrigo Falcão Moreira considera que é importante procurar informação acerca da data de construção do edifício onde se reside. O especialista adianta que essa primeira análise permitirá enquadrar o edifício (antes ou depois da entrada em vigor das normas de projeto para estruturas sismo-resistentes). Em seguida, poderão junto dos municípios “procurar elementos de projeto e/ou telas finais do que efetivamente se encontra construído, para então poder solicitar um relatório de análise de vulnerabilidade sísmica do seu edifício a um técnico (ou empresa) devidamente qualificado”.
“Esse processo normalmente exige a realização de visitas de inspeção que permitem recolher um conjunto de informações adicionais nas quais se baseará o referido relatório. Na inexistência de elementos de projeto (o que sucede várias vezes), essas visitas de inspeção são ainda mais importantes. Em suma, procurar informação junto do município e recorrer aos serviços de engenheiros especialistas na matéria”, é essencial.
Para Marlene Roque, e para minimizar alguma falta de consciencialização para esta realidade, podem e devem ser realizadas “mais campanhas de divulgação e educação para informar a população, os profissionais da construção e os tomadores de decisão sobre os riscos sísmicos e a importância de construir edificações seguras”. “Pode ser promovida a integração e compatibilização da legislação para refletir o avanço do conhecimento técnico e das novas tecnologias disponíveis, uma fiscalização mais rigorosa e ativa, criação de incentivos fiscais, sobretudo para a população mais envelhecida e proprietária de edifícios nos centros históricos e, por fim apostar na formação profissional continua dos profissionais com responsabilidade na segurança da sociedade civil”, conclui a responsável.

Além disso, recorde-se que, em Portugal 47% das habitações não têm qualquer seguro, 34% têm seguro de incêndio ou multirriscos, mas sem cobertura de risco sísmico e apenas 19% têm seguro com cobertura de risco sísmico. “Os dados mais recentes com este nível de detalhe, correspondentes ao final de 2022, apontavam para pouco mais de 1,1 milhões de habitações com cobertura de sismos, o equivalente a 19% do parque habitacional português. E, de um modo geral, continuará a ser este o cenário global atualmente”, revela a Associação Portuguesa de Seguradores (APS).
“Pelo menos para as frações em propriedade horizontal, para as quais já é obrigatório o seguro de incêndio, exatamente para garantir a proteção de todos os restantes proprietários do edifício, seria lógico que esta cobertura fosse também obrigatória”, defende a associação, sublinhando “o enorme caminho a percorrer para que o parque habitacional seguro tenha o mínimo de proteção contra este tipo de eventos”.
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