Parece haver a ideia de que se estão a construir casas mais pequenas. Será que promotoras, construtoras e mediadoras têm esta visão?
Comentários: 0
Construção de casas pequenas
Freepik

Aumentar a oferta de casas no mercado, nomeadamente para a chamada classe média, é a solução apontada pela generalidade dos players do setor imobiliário para dar resposta à crise na habitação que se instalou em Portugal. Será, por exemplo, que se estão a construir casas mais pequenas no país, sendo esta uma nova “tendência” do mercado? “Se estivermos a falar do mercado residencial para portugueses, concordo”, começa por dizer ao idealista/news Luís Corrêa de Barros, CEO da promotora imobiliária Habitat Invest, salientando que é “uma das poucas formas que os promotores encontram para colocar no mercado residências acessíveis aos portugueses”.

Não havendo uma receita milagrosa para dar resposta à crise na habitação, há sinais de mudança que vão surgindo, como o facto de se estar a apostar na construção de habitação nas periferias das grandes cidades, como Lisboa e Porto. Ao mesmo tempo, a dimensão e as necessidades das famílias tendem a mudar, e quem anda no terreno a promover, construir e vender e arrendar imóveis e empreendimentos residenciais parece estar atento a este fenómeno.

Parece haver uma ideia no mercado residencial de que se estão a construir casas mais pequenas. Concorda com esta visão? O idealista/news lançou o desafio e foi ouvir o que têm a dizer sobre o assunto promotores, construtoras e mediadores imobiliários.

Mediação imobiliária em Portugal
Freepik

Casas mais pequenas? A visão dos promotores imobiliários

“O mercado residencial enfrenta vários desafios. O principal e mais difícil de combater é a falta de poder de compra da média dos portugueses, resultado de um fraco crescimento económico em termos médios ao longo dos últimos 25 anos a par de uma fiscalidade agressiva. Paralelamente, o aumento dos custos de construção, a escassez e os elevados preços dos terrenos urbanos, o que tem levado ao surgimento de uma tendência para a construção de casas mais pequenas”, responde José Cardoso Botelho. 

Segundo o CEO da Vanguard Properties, promotora mais direcionada para o segmento de luxo, a procura por zonas urbanas, as preocupações com a sustentabilidade e a valorização da localização e da tecnologia também estão a contribuir para essa mudança. “Embora essa tendência seja eficiente e esteja alinhada com as necessidades atuais, pode suscitar preocupações sobre a qualidade de vida em espaços reduzidos, destacando a importância de um design funcional e de qualidade”, comenta, frisando que o mercado de luxo escapa a esta tendência de construção de casas mais pequenas. 

Gonçalo Cadete, CEO da SOLYD Property Developers, considera que “a visão de que se estão a construir casas mais pequenas não é totalmente precisa”. Há, sim, “uma mudança na forma como os espaços habitacionais são pensados e utilizados”, observando-se “uma evolução na procura do tipo de habitação”, nomeadamente após a pandemia: “As prioridades das famílias mudaram, existe uma maior valorização do espaço de vivência que combina o interior e o exterior, aliando maior qualidade de vida e bem-estar”.  

Nesse sentido, reforça que a SOLYD tem apostado em projetos que respondam às novas exigências, com habitações com áreas interiores bem aproveitadas e modernas, onde as varandas e os terraços são “parte integrante da habitação”. Isto “sem abrir mão do conforto” e privilegiando “edifícios com espaços que promovem uma vida em comunidade, com a oferta de áreas de lazer, de ginásios, de salas multiusos e outras áreas comuns que tornam o edifício mais funcional e adaptado ao estilo de vida contemporâneo”. 

"Construir casas mais pequenas é das poucas formas que os promotores imobiliários encontram para colocar no mercado residências acessíveis”
Luís Corrêa de Barros, CEO da Habitat Invest

Do lado da Habitat Invest, Luís Corrêa de Barros afirma que, no caso do mercado residencial para portugueses, a opção por construir casas mais pequenas é das “poucas formas que os promotores encontram para colocar no mercado residências acessíveis”. 

“Com o aumento dos custos dos materiais de construção e de mão de obra e a enorme carga fiscal existente, todos estes custos recaem sobre o preço final. A consequência destes fatores é a de colocar o preço das casas em valores que não são suportáveis pelas famílias portuguesas, aos quais vieram acrescer o aumento das taxas de juro para o crédito habitação. A única forma de combater, em parte, esta situação, passará obrigatoriamente pela diminuição das áreas vendáveis, tornando assim o produto final mais próximo das capacidades financeiras dos portugueses. É uma realidade que não sendo a mais desejada é a possível”, comenta o CEO da empresa.

Casas em Lisboa
Foto de Vita Marija Murenaite na Unsplash

Cenário ganha força nos grandes centros urbanos

Uma opinião partilhada por David Carreira, Country Manager da Thomas & Piron Portugal, e João Cabaça, CEO da VIC Properties, promotora que viu ser aprovado no final do ano passado, por parte da Câmara Municipal de Lisboa, o megaprojeto imobiliário na Matinha.

“Diria que é inevitável [optar por construir casas mais pequenas]. Quando não se consegue baixar o tempo e os custos com o desenvolvimento, o financiamento e a construção, resta diminuir áreas para que os preços unitários se mantenham ‘estáveis’ para se ir ao alcance da maioria dos compradores. É passarmos de uma análise ‘preço/m2’ para uma análise ‘preço unitário/apartamento’. É um ‘mal necessário’, uma mudança de paradigma que se impõe”, sustenta David Carreira. 

"Nos grandes centros urbanos tem-se registado um aumento da construção de casas mais pequenas. Esta tendência reflete mudanças nos estilos de vida, como a redução do tamanho médio dos agregados familiares, as elevadas taxas de ‘solo-living’, limitações económicas, necessidade de maximizar o uso do espaço disponível, etc."
João Cabaça, CEO da VIC Properties

“Nos grandes centros urbanos tem-se registado um aumento da construção de casas mais pequenas. Esta tendência reflete mudanças nos estilos de vida, como a redução do tamanho médio dos agregados familiares, as elevadas taxas de ‘solo-living’, limitações económicas, necessidade de maximizar o uso do espaço disponível, etc. Mas a subida galopante dos custos da construção leva a um aumento do preço de venda, valor que não tem sido acompanhado por aumentos salarias proporcionais. Assim, para que as famílias consigam adquirir estes imóveis tem sido necessário ajustar o tamanho médio das casas, sobretudo nos segmentos médio e baixo do mercado”, acrescenta João Cabaça.

Construção de casas novas
Freepik

Estão a nascer casas mais pequenas? Que dizem as construtoras

Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), frisa que os dados oficiais, do Instituto Nacional de Estatística (INE), “não confirmam essa perceção de forma generalizada”. E apoia-se em números: “Nos primeiros dez meses de 2024, registou-se um aumento homólogo de 0,7% no número de fogos em construções novas licenciadas e um crescimento de 0,6% na área licenciada, o que indica uma certa estabilidade no tamanho médio das habitações”.

Ainda assim, esta é uma situação que não pode ser analisada da mesma forma a nível geográfico, alerta o responsável, sublinhando que nos grandes centros urbanos a situação pode ser diferente. "A forte pressão da procura, aliada à escassez de terrenos disponíveis e aos elevados custos associados, pode levar ao desenvolvimento de habitações mais compactas, como forma de responder às restrições do espaço urbano".

"As famílias, por um lado, são mais pequenas e a habitação é mais utilitária à medida que a malha urbana oferece um conjunto de serviços e comodidades que não precisam estar incorporadas em cada casa. (...) Além disso, existem os fatores económicos que levam a que se baixe o número de m2 para reduzir o valor da renda ou custo de aquisição da habitação"
António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais

Quando questionado sobre o mesmo tema, ou seja, se estão a ser construídas casas mais pequenas em Portugal, António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais, responde de forma taxativa: “Sim, porque as famílias, por um lado, são mais pequenas e a habitação é mais utilitária à medida que a malha urbana oferece um conjunto de serviços e comodidades que não precisam estar incorporadas em cada casa. A mudança de hábitos também é uma das razões (é mais frequente comer fora de casa do que cozinhar por exemplo). Além disso, existem os fatores económicos que levam a que se baixe o número de m2 para reduzir o valor da renda ou custo de aquisição da habitação”. 

Vitor Lúcio, presidente do Conselho de Administração do grupo HCI Construções, fala numa “tendência irreversível”, no caso de se querer “adaptar a oferta à capacidade aquisitiva dos portugueses”. Diogo Abecasis e José Rui Meneses e Castro, responsáveis do MAP Group, reforçam a ideia de se trata de um “fenómeno impulsionado por vários fatores, como o aumento dos custos de construção, o preço elevado dos solos e as alterações nos hábitos de vida, com mais pessoas a preferirem localizações centrais e a optar por habitações mais compactas e funcionais”. 

Construção de casas novas
Freepik

Casas mais pequenas? O olhar das mediadoras imobiliárias 

E os mediadores imobiliários o que terão a dizer sobre o tema, baseando-se na experiência de anos a transacionar imóveis para compra ou arrendamento?

Manuel Alvarez, presidente da Remax Portugal, refere que a forma de colmatar muita da procura que tem existido passa por disponibilizar mais produto, mas também mais diverso e a preços mais acessíveis. “A dimensão de cada habitação é um fator que influencia tanto a diversidade como a acessibilidade”, assegura, enaltecendo que pode haver, no entanto, “alguma reduflação (termo económico aplicável aos produtos que diminuem de tamanho ou dimensão, mas que continuam a ser vendidos ao mesmo preço)”. “Mas é algo intemporal que transcende o mercado imobiliário”, frisa. 

Um sentimento de certa forma partilhado por Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, e Luis Nunes, CEO e Diretor-Geral da ComprarCasa. “É uma tendência clara [construir casas mais pequenas] e necessária para alinhar a oferta com o poder de compra das famílias e com as novas dinâmicas sociais”, analisa Ricardo Sousa, lamentando, contudo, o facto de muitos dos projetos em desenvolvimento ainda refletirem “uma visão desajustada da realidade atual, baseando-se em modelos aspiracionais do passado”.

"É urgente rever os Planos Diretores Municipais (PDM) numa perspetiva metropolitana e modernizar os códigos de construção para garantir que a oferta habitacional responde, de forma realista, às necessidades do presente e do futuro”
Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal

“É urgente rever os Planos Diretores Municipais (PDM) numa perspetiva metropolitana e modernizar os códigos de construção para garantir que a oferta habitacional responde, de forma realista, às necessidades do presente e do futuro”, acrescenta.

Luis Nunes considera, também, que o mercado parece apontar na direção de se apostar na construção de casas mais pequenas, tendo-se criado no setor residencial uma “cultura de satisfação pelas áreas das habitações”. E explica o raciocínio: “Se numa mesma área total de construção conseguirmos ter quatro frações em vez de três, poderemos estar já a ajudar a criar respostas para as necessidades do mercado, desde que consigamos as ditas quatro frações com áreas devidamente condignas de habitabilidade. Esta é uma realidade de importantes cidades europeias e mundiais. Áreas mais pequenas, mas devidamente suficientes, geram mais capacidade de resposta”.

Para Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, “a dimensão das casas não parece ter-se alterado substancialmente”, havendo uma mudança, sim, na adaptação das habitações face “ao contexto no qual se localiza o empreendimento” e ao 'target' a que se dirige. “Esta, sim, parece ser uma tendência clara de mercado, que pode ser muito encontrada sobretudo nas periferias das grandes cidades e que até à pandemia não eram tão frequentes”, remata. 

Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta