Eficiência e sustentabilidade, qualificação profissional e políticas públicas que garantam estabilidade serão fundamentais, avisam construtores.
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O setor da construção em Portugal olha para 2025 como (mais) um ano de desafios. A escassez de mão de obra qualificada continua a ser um dos maiores constrangimentos, agravado pela pandemia, que intensificou as dificuldades de contratação e retenção de talento. Este problema, aliado ao aumento dos custos das matérias-primas e da energia, representa um obstáculo significativo para o crescimento sustentável da construção. Além disso, perante a necessidade urgente de novas habitações, reabilitação de infraestruturas e iniciativas como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o setor enfrenta uma pressão crescente para compensar a falta de capacidade produtiva. O idealista/news ouviu vários players de mercado que traçam perspetivas para o que aí vem.

"Em 2025, espera-se que o setor da construção continue a desempenhar um papel decisivo na economia portuguesa, com uma projeção de crescimento de 4% em termos reais, cerca do dobro do projetado para o PIB português que é de 1,9%. O crescimento da produção do setor será impulsionado, essencialmente pelo aumento do investimento público e pela manutenção de um nível elevado de procura por habitação", começa por explicar Manuel Reis Campos, Presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN).

"Neste contexto, o segmento de engenharia civil deverá continuar como o mais dinâmico do setor da construção, com um crescimento projetado entre 5% e 7%, alavancado pelo aumento do investimento público, com recursos aos fundos europeus disponíveis no PRR e no Portugal 2030. O segmento habitacional também deverá registar um crescimento, embora mais moderado, entre 1,5% e 3,5%, tendo em consideração, designadamente, o aumento de 0,7% no número de fogos licenciados até outubro. Já para o segmento de edifícios não residenciais estima-se um crescimento de cerca de 1%", acrescenta.

Os maiores desafios do setor

António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais, antevê um ano de desafios económicos e sociais, mas também de oportunidades. Aponta a falta de mão de obra qualificada e pressão dos custos como dois problemas que continuam por resolver. Mas não só, há outros. “Podemos ainda falar da baixa produtividade, que se tem mantido estagnada por décadas no setor da construção. Esta situação representa um obstáculo adicional para as empresas como a nossa, que procuram modernizar-se e tornar-se mais competitivas. Por fim, as incertezas económicas, tanto a nível global como local, podem afetar os investimentos e a execução de projetos, dificultando o planeamento a longo prazo necessário para inovações significativas”, refere o responsável. 

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Acredita que 2025 será “decisivo” para conseguir dar resposta à crise habitacional que hoje vivemos, daí a necessidade, diz, de “repensar a forma e o modo como construímos, direcionando o nosso foco para modelos mais sustentáveis e eficientes”. “Estamos empenhados em adotar práticas sustentáveis e inovadoras, focando-nos na industrialização da construção e na transição para métodos mais ecológicos”, adianta. 

Vítor Lúcio, Presidente do Conselho de Administração do Grupo HCI, aponta a imprevisibilidade como outra das grandes condicionantes de mercado. “Estamos a falar num setor que em 10 anos (2002 a 2012) reduziu cerca de 60% e assim permaneceu durante 6/7 anos. Um setor em que o investimento público reduziu quase a “0”. Com esta quebra perdemos capacidade produtiva, em particular qualificação de mão de obra, que demora a repor”, defende. 

José Rui Meneses e Castro e Diogo Abecasis, responsáveis do MAP Group, preveem uma procura crescente no mercado de habitação, “potenciando a necessidade de novas construções e a reabilitação do edificado existente”. Além do aumento dos custos da mão de obra e principalmente a escassez de profissionais qualificados e operacionais, apontam a “complexidade regulatória do setor imobiliário” como outro constrangimento. 

“Estes fatores impactam diretamente nos prazos e orçamentos das obras, exigindo melhor preparação, planeamento e eficiência”, sublinham.

Lei dos solos: uma oportunidade?

A alteração à lei dos solos tem feito correr muita tinta nas últimas semanas. O Governo aprovou um decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), permitindo a construção e urbanização onde atualmente não é possível. A ideia foi criar regime especial de reclassificação para solo urbano, cuja área maioritária deve obrigatoriamente ser afeta à habitação pública ou à habitação de valor moderado. 

Na visão de Manuel Reis Campos, o alargamento dos terrenos disponíveis para construção, "é uma medida positiva, que há muito defendemos, e irá contribuir para o aumento da oferta de habitação". "Estamos a falar de terrenos contíguos aos centros urbanos que, apesar de estarem classificados na Reserva Agrícola Nacional (RAN), na prática, a sua maioria, não tem “aptidão” para esses fins", argumenta. Este processo bem conduzido, determinará uma efetiva redução dos preços da habitação", defende.

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Vitor Lúcio considera que, em primeiro lugar, é preciso “enquadrar o peso dos terrenos no custo final da habitação”. “Se excluirmos as zonas de ‘habitação de luxo’, que não são as que resolverão o problema da habitação, os terrenos já infraestruturados (ou seja após custos de urbanização – projetos, licenciamento, obras, …) representam 10% a 15% do custo final da habitação. Naturalmente que a alteração da lei dos solos poderá contribuir, mas com um impacto muito reduzido”, acredita o responsável da HCI. 

Os responsáveis do MAP Group consideram que a nova lei dos solos “pode ter um impacto relevante na dinâmica do mercado imobiliário, especialmente no que diz respeito aumento da oferta de terrenos disponíveis para construção”, apesar de existirem algumas “condições particulares associadas”. José Rui Meneses e Castro e Diogo Abecasis mostram-se atentos a estas mudanças e a acompanhar de perto a regulamentação e o seu impacto. “Como empresa, mantemos um diálogo constante com investidores, autarquias e outros stakeholders para identificar oportunidades que possam surgir. Além disso, estamos a reforçar a nossa capacidade de análise de projetos e oportunidades de investimento, garantindo que estamos prontos para responder de forma célere e eficaz às novas possibilidades”, sublinham. 

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Uma opinião partilhada por António Carlos Rodrigues. O CEO do Grupo Casais lembra que, com a reclassificação de terrenos rústicos para urbanos, “a lei estabelece critérios para garantir que as habitações construídas sejam acessíveis e a preços controlados, o que significa que 70% da área acima do solo deve ser destinada a habitação pública e a venda por valores moderados, com limites de preço claramente definidos e registados”.

O construtor diz estar atento às mudanças que esta legislação pode trazer ao mercado de terrenos, considerando que representa uma oportunidade, na medida em que traz a possibilidade de fazer mais projetos de habitação.

A (pesada) carga fiscal 

A redução do IVA para 6% na construção de casas – reclamada pelo setor há muito – foi uma das medidas inscritas no programa Construir Portugal do Governo da AD. E a proposta do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) incluiu aquele que seria o primeiro passo para avançar com a redução do IVA para 6% na construção e reabilitação de habitação. 

No entanto, a iniciativa acabou por ficar pelo caminho. O Executivo veio explicar que a transposição da diretiva europeia, em matéria de benefícios fiscais do IVA, não permitia incluir os projetos de construção das novas tipologias de soluções habitacionais na transposição legislativa da proposta de IVA. E a verdade é que a autorização legislativa do Governo para formalizar esse conjunto de alterações, como a aplicação da taxa reduzida em algumas empreitadas, acabou por ser chumbada no Parlamento, no final de novembro. 

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O chumbo motivou críticas de várias vozes de mercado, uma vez que a carga fiscal continua a ser vista como um dos principais obstáculos no acesso à habitação e barreira ao investimento.

“A manutenção da carga fiscal no setor da construção é um tema sensível, dado o impacto direto nos custos finais para o consumidor. Embora a redução do IVA para 6% não tinha sido considerada no OE em vigor, é importante que o Governo explore outras medidas para mitigar os custos da construção para habitação”, defendem José Rui Meneses e Castro e Diogo Abecasis.

“Desde a simplificação de processos administrativos, até ao apoio direto a iniciativas de habitação acessível, existem várias formas de aliviar a pressão sobre o setor. Continuamos a defender a necessidade de um diálogo construtivo entre os diversos agentes do mercado e as entidades governamentais, mas é fundamental que se tomem medidas a curto prazo para baixar os preços da habitação”, sublinham os responsáveis do MAP Group. 

Para António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais, é fundamental “encontrar uma solução entre aquilo que o Orçamento do Estado permite e as regras da comunidade europeia”.  “Uma coisa é certa, não devemos travar a entrada de capital estrangeiro, ainda que esse seja alocado em imobiliário de valor mais elevado, mas devemos é coletar esses impostos e utilizá-los na execução do programa de habitação acessível”, argumenta. 

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"A rejeição da proposta de redução do IVA para 6% pelo Parlamento foi, sem dúvida, um entrave à dinamização do setor da construção e à resposta que o país precisa dar à crise habitacional. No entanto, atendendo a esta necessidade é possível e urgente que o Governo, em articulação com os diversos partidos, reavalie esta medida e a coloque, novamente, no centro da agenda política", defende Manuel Reis Campos.

"Considero incompreensível que, num momento em que tantas famílias enfrentam dificuldades para aceder a uma habitação condigna, uma solução tão evidente e exequível não tenha sido ainda aprovada. A redução do IVA, além de aliviar a carga fiscal sobre as famílias e as empresas, teria um impacto imediato e direto nos custos de construção, traduzindo-se num aumento do investimento imobiliário em habitação", diz.

A urgência de construir mais casas

Portugal enfrenta um dos seus maiores desafios habitacionais, marcado pela necessidade urgente de aumentar a oferta de casas e torná-las mais acessíveis. Para isso, medidas como a agilização dos processos de licenciamento, a utilização de solo público para novos projetos e a redução da carga fiscal sobre a construção são essenciais, segundo os construtores. A aposta em soluções inovadoras, como a construção modular e técnicas mais sustentáveis, pode reduzir custos e prazos, ajudando a mitigar o problema. 

“Para responder à necessidade imediata de mais habitação, é fundamental acelerar o licenciamento e aprovação de projetos e incentivar a construção em áreas urbanas e suburbanas, onde a procura é mais elevada. Além disso, é essencial continuar a apostar na reabilitação urbana como forma de maximizar o uso do edificado existente”, defendem os responsáveis do MAP Group. 

Apontam ainda as soluções que promovam maior eficiência construtiva como fundamentais, nomeadamente “a utilização de tecnologias mais sustentáveis e metodologias de construção modular, que permitam reduzir os prazos de execução e respetivos custos”. 

Uma opinião partilhada por António Carlos Rodrigues, para quem a “burocracia atual frequentemente atrasa o início de novos projetos habitacionais”, tornando-se essencial, por isso, a agilização do processo de licenciamento. Não menos importante, diz o CEO do grupo Casais, “é o incentivo à industrialização do processo construtivo, que pode levar à adoção de técnicas mais modernas e eficientes, reduzindo custos e tempo de construção”.

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Manuel Reis Campos defende isso mesmo. Considera fundamental "investir em métodos de construção inovadores e sustentáveis, como a construção off-site ou modular, que podem contribuir para reduzir custos e prazos de execução". 

No entanto, o problema habitacional também está profundamente enraizado em fatores estruturais, como a capacidade financeira das famílias, impactada por políticas públicas e alta carga tributária. A regulamentação excessiva, os custos fiscais elevados e a morosidade judicial desincentivam investimentos no setor. 

"A resposta ao desafio de aumentar a oferta habitacional em Portugal deve começar pela redução da carga fiscal sobre o setor da construção. Além disso, é necessário capacitar e dotar o setor com a necessária mão de obra, tanto nacional quanto estrangeira, bem como aperfeiçoar, ajustar e corrigir o 'Simplex Urbanístico', garantindo que as dificuldades surgidas na implementação desta reforma sejam resolvidas sem comprometer os objetivos fundamentais de simplificação e celeridade que a orientaram", salienta o presidente da Presidente da CPCI e da AICCOPN. 

"O reforço do investimento público é igualmente determinante. É fundamental que se acelere a construção das 59 mil habitações anunciadas pelo Governo, assegurando que os recursos necessários cheguem efetivamente ao terreno", acrescenta.

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Para o responsável do grupo HCI, o problema da habitação está, fundamentalmente, na capacidade financeira dos portugueses para acesso a habitação, quer na aquisição quer no arrendamento, e não do lado da oferta. Depois, as “políticas públicas têm uma enorme quota parte de responsabilidade”, salienta. 

O responsável aponta vários constrangimentos, tais como a tributação dos rendimentos o trabalho, pela redução do rendimento disponível; “pela tributação no setor: os estudos existentes apontam para uma carga fiscal que representa, em média, 40% do custo final da habitação”; desincentivos ao mercado de arrendamento; a excessiva regulamentação do setor (áreas, acessibilidades, …); as exigências legais crescentes a nível de qualidade: “tomando como exemplo o âmbito do PRR, as exigências ao nível de eficiência térmica, acústica e energética, encarecem significativamente o custo de construção”. 

“Já para não falarmos na morosidade da aprovação de projetos, com os consequentes aumentos de custos e desincentivo ao investimento, sendo que quanto a este ponto aguardemos pela avaliação do impacto do Simplex”, acrescenta. 

Para o CEO do Grupo Casais, a disponibilização de solo público (defesa, municipal, etc) para construção é uma medida chave. “Existem áreas subaproveitadaa que podem ser transformadas em projetos habitacionais e a utilização deste solo pode aumentar a oferta de casas. A redução da carga fiscal sobre a propriedade e a construção também é importante, uma vez que os impostos elevados tornam a habitação inacessível para muitos cidadãos”, conclui.

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