
Hoje, é relativamente comum que um imóvel tenha vários proprietários. Tal pode acontecer, por exemplo, por aquisição conjunta, partilha entre cônjuges ou sucessão, quando uma herança atribui o mesmo imóvel a mais do que uma pessoa. Nesses casos, estamos perante uma situação de compropriedade. Este cenário pode levantar várias dúvidas sobre como arrendar um imóvel com vários donos. Será necessário acordo entre todos? Ou pode um deles celebrar o contrato de arrendamento sozinho? Explicamos tudo com fundamento jurídico.
Neste artigo preparado pela Teixeira Advogados & Associados para o idealista/news, explicamos como funciona o arrendamento de imóveis em compropriedade: o que determina a lei, quais as consequências associadas a contratos celebrados sem o consentimento de todos os comproprietários, que mecanismos de proteção existem para arrendatários e demais comproprietários quando o contrato é celebrado apenas por um deles, sem legitimidade para o fazer, e como deve ser feita a cobrança das rendas.

O que é a compropriedade?
Antes de tudo, importa compreender o que significa compropriedade. A compropriedade, ou propriedade em comum, está regulada nos artigos 1403.º e seguintes do Código Civil e ocorre quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre o mesmo bem. Um exemplo comum é o de um casal que adquire uma casa em conjunto, tornando-se ambos comproprietários (também designados por consortes) do imóvel.
No que concerne aos direitos dos comproprietários ou consortes sobre a coisa comum, neste caso um imóvel, estes são qualitativamente iguais, isto é, todos têm o mesmo tipo de direitos: de uso, fruição, administração e disposição. Em termos quantitativos, porém, as quotas podem variar. Por outras palavras, os direitos são iguais na sua natureza, mas a proporção em que cada um dos consortes participa no bem pode ser diferente.
Se as partes assim o convencionarem, um dos comproprietários pode ser titular de 75% do imóvel, enquanto o outro detém 25%, por exemplo. Na falta de convenção ou indicação em contrário no título constitutivo, as quotas presumem-se quantitativamente iguais.
Importa ainda referir que, independentemente da proporção da participação no bem comum, o direito de cada comproprietário não incide sobre uma parte determinada do imóvel, mas a totalidade do bem comum. Cada um é titular de uma fração ideal do todo, não possuindo qualquer direito exclusivo sobre uma parte especificada do bem comum, esclarece a Teixeira Advogados & Associados.

Pode um dos comproprietários arrendar o imóvel sem consentimento dos outros?
A resposta é não. Nos casos de compropriedade, os comproprietários exercem, em conjunto, os poderes que pertencem ao proprietário singular, a saber, os poderes de uso, fruição e disposição da coisa. No entanto, embora cada consorte tenha poderes sobre a sua quota-parte, nem todos os atos sobre o imóvel podem ser praticados de forma isolada.
Que atos podem ser praticados pelo comproprietário de forma isolada?
Cada comproprietário pode, por si só:
- Usar o imóvel, desde que o faça de forma compatível com o fim a que este se destina e sem privar os demais comproprietários da sua utilização;
- Dispor ou onerar a sua quota-parte (ou parte dela);
- Intentar ações contra terceiros, nomeadamente ações de reivindicação, para defesa da coisa comum.
Que atos exigem o consentimento dos restantes comproprietários?
Em contrapartida, exigem a maioria ou unanimidade dos comproprietários para serem praticados:
- Atos de administração do imóvel, como o arrendamento ou a realização de benfeitorias;
- Atos de disposição ou oneração da totalidade do bem, como a venda ou constituição de hipoteca sobre o imóvel;
- Atos que envolvam parte especificada do imóvel comum.
O contrato de arrendamento enquadra-se como um ato de administração. Assim, salvo disposição em contrário, a celebração de um contrato de arrendamento relativo ao imóvel comum só é válido caso exista o consentimento da unanimidade dos comproprietários.
Este entendimento é reforçado pelo disposto no artigo 1408.º, n.º 1, segundo o qual só é possível alienar ou onerar parte especificada da coisa comum com o consentimento dos restantes consortes.
Portanto, embora os comproprietários tenham, individualmente, alguns direitos sobre a coisa comum, nenhum deles pode, sozinho, arrendar o imóvel. Esse ato exige o acordo de todos, tal como ocorre, por exemplo, com a venda de um imóvel em compropriedade.

E se um contrato de arrendamento for celebrado sem o consentimento de todos?
A ausência desse consentimento por parte de todos os comproprietários compromete a validade do contrato de arrendamento. Nesses casos, considera-se que houve uma disposição de coisa alheia, ou seja, um negócio jurídico celebrado por quem não tem legitimidade para tal, por o bem não lhe pertencer na sua totalidade.
De acordo com o n.º2 do art. 1024.º do Código Civil, só se considera válido o arrendamento de prédio indiviso quando todos os comproprietários derem o seu assentimento. Na falta deste, o contrato não é válido, pois está ferido pelo vício da ilegitimidade: o arrendamento é acordado por quem não tem poderes para tal.
Como se podem proteger os arrendatários e outros comproprietários?
Quando tal ocorre, tanto os demais comproprietários, como o arrendatário, podem ver-se confrontados com situações de incerteza ou prejuízo. No entanto, o nosso ordenamento jurídico prevê mecanismos de proteção para ambas as partes, dependendo da sua posição e da boa ou má-fé com que atuaram.
Proteção dos demais comproprietários
Quando um contrato de arrendamento é celebrado apenas por um dos comproprietários, sem o consentimento dos restantes, este é, em princípio, inválido. Contudo, essa invalidade não pode ser invocada por aquele que abusivamente arrendou a coisa que não lhe pertencia por inteiro, nem pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, por não estarem em causa razões de interesse ou ordem pública. A iniciativa cabe aos demais comproprietários, ou seja, àqueles que não consentiram na celebração do contrato. Esses comproprietários podem intentar:
- Ação de declaração de nulidade, para que o contrato seja declarado nulo, na parte que lhes diz respeito;
- Ação de reivindicação, solicitando ao tribunal o reconhecimento dos seus direitos de propriedade sobre o imóvel e consequente expulsão do arrendatário;
- Ação de indemnização, para obter compensação relativa à parte do imóvel de que foram privados, com base no valor locativo da mesma;
- Ação de prestação de contas, exigindo ao comproprietário que celebrou o contrato que preste contas dos rendimentos obtidos com a exploração do bem comum.
Proteção do arrendatário
Se o arrendatário desconhecia a situação de compropriedade e agiu de boa-fé, o contrato pode, em determinadas circunstâncias, produzir efeitos. Nestes casos, poderá invocar:
- O princípio da boa-fé, demonstrando que desconhecia a ilegitimidade do consorte que celebrou o contrato;
- O princípio da confiança, defendendo que confiou na aparência de legitimidade do comproprietário que agiu como senhorio.

E quanto às rendas? Quem as recebe?
No caso de um imóvel em compropriedade, as rendas provenientes do contrato de arrendamento devem ser distribuídas por todos os comproprietários, proporcionalmente à sua quota-parte no bem (art. 1405.º do Código Civil).
Se o contrato for celebrado por apenas um dos comproprietários, com o consentimento dos restantes, esse comproprietário fica responsável por repartir as rendas com os demais, de acordo com:
- As quotas-partes de cada consorte no imóvel; ou
- O regime definido em acordo de compropriedade, se existir.
Em suma, o arrendamento de um imóvel em compropriedade exige o consentimento unânime dos comproprietários. A celebração de um contrato de arrendamento por apenas um deles, sem autorização, pode comprometer a validade do contrato, gerar conflitos e afetar os direitos do arrendatário.
Antes de arrendar um imóvel em compropriedade, é essencial garantir que todos os comproprietários estão devidamente informados e de acordo, idealmente, por escrito, para evitar futuras disputas legais.
Um caso prático sobre arrendamento de imóvel com vários donos
Imaginemos um apartamento em Aveiro que pertence, em regime de compropriedade, a três irmãos: Ana, Bruno e Carlos, cada um com uma quota-parte de um terço. Sem consultar os restantes consortes, Carlos decide celebrar, sozinho, um contrato de arrendamento com João, um terceiro arrendatário, fixando livremente o valor da renda e recebendo, desde o início, a totalidade dos pagamentos na sua conta pessoal.
Alguns meses depois, Ana e Bruno tomam conhecimento da existência do contrato e manifestam a sua oposição, alegando nunca terem autorizado o arrendamento nem desejarem abdicar do uso do imóvel. Perante este cenário, e de acordo com o disposto no artigo 1024.º, n.º 2 do Código Civil, o arrendamento celebrado apenas por Carlos é inválido relativamente a Ana e Bruno, por falta de unanimidade entre os comproprietários.
Carlos, por sua vez, não pode invocar a invalidade do contrato, nem beneficiar da sua execução exclusiva, uma vez que atuou sem legitimidade para dispor da totalidade do bem comum. Já João, o arrendatário, poderá eventualmente invocar a sua boa-fé, demonstrando que desconhecia a existência de outros comproprietários e que confiou na legitimidade de Carlos para arrendar o imóvel.
Ainda assim, Ana e Bruno mantêm o direito de reagir judicialmente, podendo intentar uma ação de nulidade do contrato, uma ação de reivindicação da posse do imóvel, ou mesmo uma ação de indemnização, com base na privação do uso da coisa comum. Podem, ainda, exigir a prestação de contas relativamente às rendas recebidas por Carlos durante o período de ocupação do imóvel.
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