Governo apresentou novo pacote fiscal para enfrentar a crise residencial. Estas são as primeiras reações do mercado às novidades.
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Reações ao pacote fiscal anunciado pelo Governo
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O pacote fiscal que o Governo da AD apresentou ao Parlamento para dar resposta à crise na habitação – ou de acesso a habitação, como a ela se referem vários players do setor – está a fazer correr muita tinta, sendo que várias das alterações em cima da mesa que ainda terão de ser aprovadas pelos deputados na Assembleia da República, para poderem entrar em vigor. As reações a algumas das medidas anunciadas já se fazem sentir, nomeadamente por parte das associações de inquilinos, proprietários e promotores e investidores imobiliários. 

Uma das propostas do Executivo é relativa à redução do IVA de 23% para 6% na construção, que é dado diretamente aos promotores imobiliários. Mas, ao contrário do que sucede atualmente, estes passam a ser obrigados a liquidar o imposto, uma responsabilidade que até agora podia ser do empreiteiro, escreve a Lusa. 

Construção de casas em Portugal
Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

APPII: liquidação do IVA pelo promotor exige ferramentas na nova lei

No entender da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), a atribuição da responsabilidade da liquidação do IVA ao promotor exige que a legislação dê ferramentas para pôr em prática este mecanismo. “É necessário avaliar com detalhe os impactos práticos” das medidas, esclarece o CEO da associação. “Estamos a analisar as duas propostas legislativas, que são extensas, para compreender se esta solução é exequível e justa para todas as partes”, acrescenta Manuel Maria Gonçalves.

De recordar que a proposta de lei para reduzir o IVA na construção de casas para venda ou arrendamento a preços moderados dá ao Fisco 150 dias para devolver a diferença entre o IVA de 23% e 6%, sempre que os proprietários construírem ou reabilitarem imóveis destinados à habitação e venderem a casa até 648.000 euros ou se arrendarem o imóvel praticando uma renda mensal não superior 2.300 euros mensais.

De acordo com o diploma, será também o promotor a garantir que os imóveis que beneficiarem do IVA reduzido serão mesmo vendidos ou arrendados aos valores definidos pelo Governo como moderados, no prazo de dois anos.

Manuel Maria Gonçalves, embora afirme que "o objetivo é compreensível", entende que "qualquer mecanismo de controlo deve ser claro, simples e proporcional, evitando criar entraves adicionais ao investimento”. “É fundamental garantir que estas condições não se traduzam em mais burocracia ou incerteza, sob pena de comprometer o efeito positivo da medida”, argumenta. 

"Qualquer mecanismo de controlo deve ser claro, simples e proporcional, evitando criar entraves adicionais ao investimento. É fundamental garantir que estas condições não se traduzam em mais burocracia ou incerteza, sob pena de comprometer o efeito positivo da medida”
Manuel Maria Gonçalves, CEO da APPII

Outro ponto da proposta, onde se estipula que a taxa reduzida de 6% no IVA apenas se aplicará a construções cujo procedimento administrativo seja posterior a 23 de setembro de 2025, "é uma questão que merece reflexão", visto que "qualquer critério temporal deve ser transparente e justificado". “Estamos a analisar se esta data não penaliza projetos já em curso, o que poderia criar situações de desigualdade. É um ponto que iremos acompanhar de perto", adianta. 

Para resolver o problema da falta de casas no mercado, o gestor considera que, além da descida do IVA na construção, é “urgente avançar com reformas profundas: simplificação dos licenciamentos, cedência de terrenos públicos e uma estratégia nacional estável. Só assim conseguiremos aumentar a oferta e garantir preços acessíveis".

Para o presidente da APPII, Hugo Santos Ferreira, a decisão de avançar com um pacote de medidas fiscais para estimular a oferta habitacional é “uma decisão corajosa e há muito aguardada pelo setor, mas não resolve, por si só, os problemas estruturais da habitação em Portugal". E deixa um alerta: a medida que agrava para 7,5% a taxa de IMT para não residentes é “contraproducente para a credibilidade internacional do país” e “preocupante, pois pode dar um sinal contrário ao investimento estrangeiro”.

Novo pacote fiscal apresentado pelo Governo
Governo anunciou novas medidas fiscais relacionadas com a habitação Freepik

Proprietários: não se resolvem “erros do passado”, diz ALP

Do lado dos proprietários, Diana Ralha, diretora da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), considera que o pacote habitacional enviado pelo Governo ao Parlamento "é insuficiente" se não resolver "erros do passado" como o Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) e o congelamento das rendas anteriores a 1990. “Para a ALP, as 'linhas vermelhas' são o AIMI e as rendas congeladas", explicou em declarações à Lusa.

Uma das medidas em cima da mesa prevê que o pagamento do AIMI, também conhecido por 'imposto Mortágua', caia apenas para os contratos de investimento para arrendamento (Built to Rent/BtR) com duração até 25 anos, em que pelo menos 70% da área de construção seja destinada a habitação com rendas a valores definidos pelo Governo como moderadas.

Segundo a diretora da ALP, “isentar o AIMI apenas no BtR não chega", sendo necessário o fim do imposto para todos os proprietários de imóveis. O AIMI, recorde-se, a aplica-se aos contribuintes singulares cujo património imobiliário seja superior a 600.000 euros.

Sobre o congelamento das rendas anteriores a 1990, que a ALP estima atingir 100.000 contratos com rendas inferiores a 130 euros mensais, "não há uma palavra nestas propostas”. “Não há uma intenção do Governo em mexer neste problema", atesta Diana Ralha, salientado que “o choque fiscal do Governo é positivo, mas é insuficiente".

Novo pacote fiscal apresentado pelo Governo
Casas em Lisboa Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Proprietários: “Medidas farão diferença enorme”, diz Aprop 

Também a Associação Portuguesa de Proprietários (Aprop) já se pronunciou sobre as medidas anunciadas pelo Executivo, congratulando-se com a redução fiscal proposta. A redução do IVA para 6% na construção e a descida do IRS de 25% para 10% sobre as rendas “são medidas positivas que farão uma diferença enorme” no setor da habitação, antecipou o presidente da Aprop, João Caiado Guerreiro, citado pela Lusa. 

O mesmo responsável acredita, de resto, que a medida que aumenta para 7,5% a taxa de IMT para não residentes "não é um drama", já que os proprietários que arrendarem os seus imóveis podem escapar à subida do imposto.

Segundo o presidente da Aprop, os valores apresentados pelo Governo como moderados – 648.000 euros na venda de casas e 2.300 euros no arrendamento – "são realistas", alinhados com "a média dos preços praticados no país", por oposição aos "valores ridículos" considerados no pacote Mais Habitação do anterior governo socialista.

"O pacote do Governo é um passo no sentido positivo, mas é preciso fazer mais"
João Caiado Guerreiro, presidente da Aprop

“É preciso também reduzir a burocracia e acabar com a atitude dos municípios em dizer sempre que não", acrescentou Caiado Guerreiro, lamentando que "os prazos longos do licenciamento", que chegam a demorar "quatro e cinco anos", contribuam para "aumentar os custos da construção".

"O pacote do Governo é um passo no sentido positivo, mas é preciso fazer mais", disse ainda.

Novo pacote fiscal apresentado pelo Governo
Casas no Porto Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Inquilinos: medidas com “efeitos positivos, mas insuficientes", diz AIL

Luís Mendes, vice-presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), também já se pronunciou sobre as propostas entregues pelo Governo no Parlamento que têm impacto direto do setor da habitação em Portugal, considerando que “têm efeitos positivos, mas insuficientes" para resolver a crise da habitação.

“São medidas que podem desbloquear o mercado de arrendamento, se tiverem a adesão dos senhorios, mas são pouco estruturadas para conter a crise habitacional. Deviam ter mais fôlego e um caráter mais estrutural", disse o responsável, citado pela Lusa.

Ao determinar benefícios fiscais para a venda de habitações de até 648.000 euros, ou para arrendamento de até 2.300 euros mensais, o pacote legislativo do Governo "abrange 95% do mercado", mas pode acabar por ser "um convite" aos senhorios para que aumentem as rendas até valores próximos do teto que o executivo definiu como renda moderada. “O viés não é o mais correto, pode ter um efeito perverso e dar origem a um aumento ainda maior das rendas, pelo menos numa fase inicial", explicou.

Considerando que a informalidade no mercado da habitação "é elevada e distorce os preços", o vice-presidente da AIL defende a criação de um registo nacional do arrendamento para tornar obrigatório o registo dos contratos e combater a evasão fiscal, aumentar a transparência e fazer baixar os preços.

O responsável acredita que a redução de 25% para 10% da taxa de IRS sobre as rendas não é suficiente para acabar com a informalidade no setor. "Sem fiscalização, tudo o que se fizer pode não produzir efeitos", adiantou.

"Não é com construção nova que se resolve o problema. Os períodos em que mais se construiu em Portugal foram também aqueles em que os preços de venda mais subiram, porque o acesso ao crédito bancário estava facilitado"
Luís Mendes, vice-presidente da AIL

Além da criação de um registo do arrendamento, Luís Mendes sugere uma inventariação do património público com vocação residencial, de modo a poder ser colocado no mercado a custos controlados. “Estas duas medidas são fundamentais para combater a crise da habitação. Não é com construção nova que se resolve o problema. Os períodos em que mais se construiu em Portugal foram também aqueles em que os preços de venda mais subiram, porque o acesso ao crédito bancário estava facilitado", salientou.

As propostas entregues pelo Governo na Assembleia da República correspondem, recorde-se, a uma autorização legislativa que permite ao executivo de Luís Montenegro alterar o Código do IVA, o Código do IRS, o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Código do IMT com o objetivo de fomentar a oferta de habitação a preços mais reduzidos.

*Com Lusa

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