Mesmo com a pandemia, alta inflação e subida dos juros, a procura de casas continua em alta, dando gás aos preços das habitações.
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Preço das casas para comprar
GTRES

A pandemia da Covid-19 veio impactar por completo o contexto económico internacional e gerou um boom imobiliário mundial. Durante a crise marcada por vários períodos de confinamento, as famílias passaram a valorizar mais a casa e foram engordando as suas poupanças, fatores que, aliados às baixas taxas de juro nos créditos habitação, ajudaram a impulsionar a procura de casas para comprar um pouco por todo o mundo em 2020 e 2021. Foi por isso mesmo que os preços das casas à venda continuaram a aumentar mesmo durante a crise. Mas a consequência deste panorama é só uma: as famílias passam mais tempo a pagar a casa, sendo precisos cada vez mais anos de salário para o fazer. Até porque os salários continuam a não aumentar ao mesmo ritmo dos preços das casas.

Quando as economias começaram a dar os primeiros passos para recuperar da pandemia, foram surpreendidas pela eclosão da guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022, que provocou vários desequilíbrios na cadeia de abastecimento global. Foi, sobretudo, a partir do início do ano que o mundo viu crescer a inflação de forma descontrolada, aumentando o custo dos cestos de compras a um ritmo bem mais elevado do que os salários. Para travar o ciclo inflacionista que, entretanto, se instalou no mundo, os bancos centrais têm subido as taxas de juro diretoras para níveis que não se viam há muito.

Mas nem mesmo a subida das taxas de juro diretoras – que vem supostamente contrair o consumo – está a travar a compra de casa no mundo. Aliás, os preços das casas à venda parecem ter atingido máximos dos últimos anos em vários países. O estudo 'Global Real Estate Bubble Index 2022' do banco suíço UBS – que analisa o risco de uma bolha imobiliária em 25 grandes mercados imobiliários do mundo, sem contabilizar, contudo, uma cidade portuguesa – revela qual é a atual taxa de esforço para comprar casa nas grandes cidades mundiais, bem como o tempo necessário para rentabilizar a compra de casa, colocando-a no mercado de arrendamento.

Comprar uma casa no centro: são precisos quase 9 anos de salário médio

Comprar uma casa no centro de uma grande cidade é, por si só, mais caro do que comprar nas periferias. E o que os dados da UBS mostram é que os preços das casas nos grandes centros urbanos têm evoluído bem mais rápido do que os salários entre 2021 e 2022, sendo precisos cada vez mais anos de salários médios anuais para pagar um apartamento de 60 metros quadrados (m2). Mas há exceções.

Em Hong Kong – onde se encontram as casas mais caras do mundo - são precisos 24 anos de salário integral para comprar um apartamento de 60 m2 no centro da cidade, mais 5 anos do que em 2012. Mesmo quem trabalha em Hong Kong e ganha o dobro do salário médio de um trabalhador qualificado no setor de serviços teria dificuldade em pagar por um apartamento dessa dimensão.

Hong Kong é, segundo a UBS, a cidade onde são precisos mais anos de salário para adquirir uma habitação. Logo a seguir está a capital francesa, Paris, onde são precisos 15 anos de rendimentos totais anuais para comprar casa (+ 1 que em 2012).  Em Tóquio (Japão) e Londres (Reino Unido) são precisos 14 e 12 anos de salários para adquirir casa no centro, respetivamente.

“A inacessibilidade da habitação é, muitas vezes, um sinal de forte procura por investidores estrangeiros, ou pode indicar também que o mercado residencial possui uma regulamentação rígida no arrendamento ou até um controlo apertado nos preços. Se a procura por investimentos enfraquecer, o risco de uma correção de preços aumenta e as perspetivas de valorização de longo prazo são reduzidas”, analisa a UBS no seu relatório.

Em Singapura (10 anos), São Paulo (9 anos) e Milão (7 anos) também há uma taxa de esforço expressiva para comprar casa no centro, apesar de nestas cidades sejam precisos menos anos para pagar a habitação ao banco do que em 2012.

Por outro lado, comprar casa é relativamente acessível em Miami, Madrid, Dubai, São Francisco e Boston, já que hoje são precisos entre 5 a 6 anos de rendimentos anuais para pagar a habitação. Já em cidades como Los Angeles, Milão, Genebra ou Zurique, comprar um apartamento de 60m2 é relativamente viável em termos de negócio, uma vez que as rendas das casas são elevadas. Ainda assim, são precisos entre 7 a 8 anos de salários para pagar o investimento inicial na habitação.

“No que diz respeito à procura de casas, o poder de compra também depende das taxas dos créditos habitação, bem como das obrigações de pagamento. Se as taxas de juros estiverem altas, o peso da prestação da casa sobre a rendimentos pode ser elevado, mesmo em cidades onde os preços das casas são relativamente acessíveis em relação aos salários, como nos Estados Unidos. Por outro lado, os preços das casas à venda elevados podem ser sustentados com taxas de juros baixas e sem requisitos de amortização total do empréstimo, como acontece na Suíça e na Holanda”, comenta ainda o banco suíço.

Comprar casa para arrendar: quantos anos leva a rentabilizar o investimento?

Os dados relativos ao mercado de arrendamento revelam que em quase metade das grandes cidades analisadas são precisos 30 anos (ou mais) de rendas para rentabilizar a compra de casa.

Em cidades como Munique, Hong Kong e Telavive, o retorno do investimento chegou a 44 anos em 2022. Também em Frankfurt, Genebra e Zurique é preciso arrendar a casa durante cerca de 40 anos para ter o investimento inicial pago. “O número de anos extremamente elevado indica uma dependência excessiva dos preços das casas das taxas de juros baixas. Ou seja, os preços das casas em todas as cidades analisadas são vulneráveis ​​a uma correção acentuada se as taxas de juros continuarem a subir”, diz a UBS.

Já as várias cidades dos EUA – como Miami, Nova Iorque e Los Angeles - refletem o oposto, já que nestes centros urbanos são precisos cerca de 20 anos ou menos para conseguir obter o retorno do investimento e as rendas das casas cresceram muito face aos valores praticados há uma década. Além disso, nestas cidades o regulamento do mercado de arrendamento é mais “suave”, aponta a mesma publicação.

"Pelo contrário, os regulamentos do mercado de arrendamento na França, Alemanha e Suécia são mais favoráveis ​​aos inquilinos, impedindo que as rendas das casas reflitam os níveis reais do mercado", destaca o relatório do UBS.

Só uma cidade das 25 analisadas manteve uma relação preço/renda estável entre 2012 e 2022: Milão nos 27 anos. E houve duas que tiveram apenas uma ligeira mudança na última década:

  • Madrid: há 10 anos era necessário colocar a casa a arrendar na capital espanhola durante 23 anos para obter o retorno do investimento. E em 2022 são necessários apenas 22 anos (-1 ano). Esta foi a única cidade das 25 em que, agora, é necessário deixar a casa no mercado de arrendamento mesmo tempo do que em 2012;
  • Dubai: nesta cidade dos Emirados Árabes Unidos são precisos 16 anos para rentabilizar a casa no mercado de arrendamento, só mais um do que há uma década.

"Todos esses dados não refletem apenas taxas de juros baixas ou uma forte regulamentação forte do mercado de arrendamento, mas também expectativas de preços crescentes, como é o caso de Zurique e Munique", dizem desde a UBS. “Os investidores esperam ser compensados ​​com ganhos de capital pelos rendimentos muito baixos obtidos no mercado de arrendamento. Mas se essas esperanças não se concretizarem e as expectativas se deteriorarem, é provável que os proprietários presentes em mercados stressados ​​sofram perdas de capital significativas”, alertam os especialistas da entidade bancária.

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