Dados mostram dimensão do problema da falta de casas, que também toca Portugal. Bruxelas promete dar soluções aos países.
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Plano europeu de habitação
Ursula von der Leyen, presidente da CE Créditos: Getty Images | Freepik

Faltam casas em Portugal. Mas não só. Este é um problema que se vive, de forma geral, um pouco por toda a União Europeia (UE), e com graves impactos para as famílias a nível económico e social. Isto porque - com a escalada de preços dos imóveis residenciais nos últimos anos - no mercado há, sobretudo, falta de habitações acessíveis. Ou seja, casas que os agregados possam pagar com os seus salários, sem altas taxas de esforço e sem comprometer a sua qualidade de vida. 

Esta crise na habitação ganhou tal dimensão que a própria Comissão Europeia viu necessidade de procurar e dar soluções aos países. E, hoje, é o dia de conhecer em detalhe a estratégia desenhada por Bruxelas: a CE apresenta um ambicioso plano europeu para a habitação que traz recomendações, simplificações de licenciamentos (ambientais) e novos recursos financeiros para os Estados-membros. 

Para ajudar a perceber o que motivou as autoridades comunitárias a avançar com este plano europeu de emergência habitacional, que também tocará Portugal, o idealista/news mergulhou nos dados da habitação do Eurostat. Além desta análise, revelamos também o que já se sabe da "bazuca" de Bruxelas.

O novo plano europeu para a habitação: o que já se sabe

Esta terça-feira, dia 16 de dezembro, a Comissão Europeia (CE) vai apresentar um novo pacote europeu sobre a habitação, que promete combinar esforços a nível europeu, nacional e local para fazer face à falta de oferta de casas, que tem impulsionado a subida dos preços. Trata-se de um plano que vem eliminar barreiras e desbloquear investimentos, colocando Bruxelas como agente catalisador da resolução da crise da habitação na Europa, sem substituir o papel do Estados-membros na gestão das suas políticas residenciais.

Ao que se sabe até ao momento, esta nova estratégia da CE inclui:

  • um plano europeu para a habitação acessível;
  • novos limites ao Alojamento Local (na forma de iniciativa legal, uma vez que em algumas cidades europeias este tipo de alojamento representa até 20% do parque habitacional, depois de ter crescido mais de 90% nos últimos 10 anos);
  • um novo programa Bauhaus europeu;
  • nova estratégia para a construção habitacional;
  • uma proposta para revisão das regras de auxílios estatais relativas aos serviços de interesse económico geral.

Bruxelas quer dar às “comunidades a flexibilidade de que necessitam para construir mais casas a preços acessíveis” ao abrigo de regras e auxílios estatais, destacou recentemente Ursula von der Leyen, presidente da CE. 

É neste sentido que foram incluídas neste plano uma série de recomendações para incentivar os países a reduzir custos e a simplificar licenciamentos, através da digitalização e da harmonização das regulamentações europeias, de forma a acelerar a entrega de mais 650 mil casas por ano, que se somam às 1,5 milhões de habitações que estão a ser construídas anualmente. Segundo o plano, que o El País teve acesso, está em discussão a nova Lei de Simplificação e Aceleração das Avaliações Ambientais, que deverá reduzir o número de avaliações exigidas para avançar com a construção de casas acessíveis ou sociais. E para que seja possível colocar no mercado mais habitação acessível e sustentável, Bruxelas quer dar impulso à construção de casas pré-fabricadas.

“Sem acesso digno e justo à habitação, não pode haver trabalho digno, nem qualidade de vida”, António Costa, presidente do Conselho Europeu 

Além disso, vão existir novos instrumentos financeiros que cada país poderá usar para aumentar o seu parque habitacional através do orçamento da UE e do Banco Europeu de Investimento (BEI). “Estamos a trabalhar com o BEI para apoiar os esforços locais no sentido de disponibilizar 1,3 milhões de casas novas ou renovadas em toda a Europa”, anunciou ainda Ursula von der Leyen em outubro. Será um plano “muito impactante” para os 27 Estados-membros da UE, onde se inclui Portugal, tal como adiantou em entrevista ao idealista/news Francisco Rocha Antunes, Co-Chair do Conselho Europeu de Habitação Acessível da Urban Land Institute.

“A Europa entende como estratégico resolver o problema da habitação, porque senão não há crescimento económico, não há atração nem retenção de talento”, frisou Francisco Rocha Antunes na entrevista. Aliás, “sem acesso digno e justo à habitação, não pode haver trabalho digno, nem qualidade de vida”, alertou, por outro lado, António Costa, ex-primeiro-ministro socialista de Portugal e atual presidente do Conselho Europeu. 

Todos os detalhes e novidades sobre este novo plano de choque para resolver a crise da habitação na Europa vão ser conhecidos esta terça-feira, dia 16 de dezembro. Mas tudo indica que a receita de Bruxela para o mercado residencial no espaço europeu só vá entrar em vigor em fevereiro de 2026.

Habitação acessível na Europa
Getty images

O estado de arte da habitação na Europa

Há um conjunto de dados sobre a habitação que têm alarmado Bruxelas. Os elevados preços das casas para comprar e arrendar, em plena escalada nos últimos anos, colocaram as famílias europeias em situações difíceis: os jovens estão a sair tarde de casa dos pais, ainda há uma proporção significativa de pessoas a viver em casas sobrelotadas e as despesas com a casa pesam cada vez mais nos salários. Tudo isto acaba por travar a emancipação dos jovens, constituição de família e tem impacto na qualidade de vida, na demografia e até no crescimento económico.

Por detrás destas dificuldades está a falta de oferta de casas na UE perante a elevada procura, espelhada pela falta de investimento em habitação e um tímido crescimento das novas licenças residenciais, a par do aumento do custo generalizado da construção de casas, que subiu mais de 50% desde 2010.

Preço da habitação dá o salto – mas compra de casa domina

Desde logo, os dados mais recentes do Eurostat revelam que os preços das casas para comprar aumentaram 60,5% entre 2010 e o segundo trimestre de 2025. E há vários países onde o crescimento do custo da habitação é ainda mais alarmante: na Hungria (+277%) e na Estónia (+250%) os preços mais do que triplicaram neste período. E mais do que duplicaram em dez países da UE: Lituânia (+202%), Letónia (+162%), República Checa (+155%), Portugal (+141%), Bulgária (+133%), Áustria (+117%), Luxemburgo (+112%), Eslováquia (+105%), Polónia (+104%) e Croácia (+102%). A Itália foi o único país onde os preços das casas diminuíram (-1%). 

Também o custo de arrendar casa cresceu na UE, mas de forma menos acentuada, tendo-se registado um aumento de 28,8% em 15 anos. “As rendas aumentaram em 26 países da UE, com os maiores aumentos registados na Estónia (+218%), Lituânia (+192%), Hungria (+125%) e Irlanda (+117%). A Grécia foi o único país onde os preços das rendas caíram (-9%)”, detalha o Eurostat. Em Portugal, as rendas das casas aumentaram na ordem dos 50% neste período.

Embora o valor das casas para comprar tenha subido muito mais do que o preço do arrendamento nos últimos 15 anos, há uma clara tendência para a aquisição na Europa. Em 2024, 68% das famílias europeias era proprietária de uma habitação, enquanto menos de um terço vivia em casas arrendadas. Portugal supera a média europeia, com 74% das famílias a viver em casa própria. A grande exceção é a Alemanha, onde mais de metade da população arrenda casa.

Preço das casas na Europa
Eurostat

Despesas com a casa pesam mais nos salários

Os elevados custos com a habitação acabam por pesar cada vez mais nos salários das famílias. O recente relatório do Conselho Europeu sobre a crise da habitação na Europa revelou que Lisboa (116%), Madrid (74%) e Barcelona (74%) são as cidades da UE onde os habitantes destinam uma maior percentagem do salário médio para pagar a habitação. As três cidades ultrapassam outras com níveis de vida considerados superiores, como Viena (37%) o Luxemburgo e Frankfurt (34%, cada) ou Helsínquia (35%).

Portugal não está bem posicionado neste retrato da habitação. Mas não ficamos por aqui. No ano passado, a proporção da população com encargos excessivos com a habitação em Portugal – em que as prestações da casa, rendas ou outras despesas com a casa pesam mais de 40% dos rendimentos disponíveis - teve um dos maiores aumentos da UE (de dois pontos percentuais) para 6,9%, ainda que tenha ficado abaixo da média comunitária (8,2%). Este dado levou Bruxelas a alertar que os estes novos desafios da crise habitacional aumentam o risco de pobreza e a desigualdade social no nosso país.

E há mais jovens nesta situação. O Eurostat concluiu que em 16 países da UE – Portugal incluído -, a taxa de sobrecarga dos custos com a habitação foi maior entre pessoas de 15 a 29 anos do que na população em geral. “Em alguns países onde os jovens tendem a sair de casa mais cedo, como Dinamarca, Holanda, Alemanha, Suécia e Finlândia, o custo da habitação pesa ainda mais sobre os jovens”, explica o gabinete de estatística europeu. Por outro lado, "os países onde os jovens saem da casa dos pais mais tarde, como Chipre, Croácia e Itália, tendem a apresentar níveis mais baixos de sobrecarga com os custos de habitação”, conclui. Mas há uma exceção: apesar de os jovens saírem de casa mais tarde na Grécia (30,7 anos), a sobrecarga com os custos de habitação continua elevada (acima dos 30%).

Em Portugal, há mais jovens entre os 15 e 29 anos que estão sobrecarregados com as despesas da casa (8,4%) do que a população em geral (6,9%). Mas encontra-se a meio da tabela europeia neste indicador, até porque Portugal é o sétimo país onde os jovens saem mais tarde da casa dos pais, aos 28,9 anos (em média). Hoje, os jovens até aos 35 anos possuem apoios do Estado para comprar casa, como a isenção do IMT e garantia pública, mas esta última medida, ao dar financiamentos até 100% para aquisição da primeira casa, acaba por subir a taxa de esforço.

Sobrecarga de despesas com a casa
Eurostat

Os jovens com dificuldade em sair de casa dos pais e os migrantes que não encontram habitações acessíveis quando chegam aos países europeus, leva-nos a outro cenário bem visível na Europa: as casas sobrelotadas. Em 2024, 17% da população europeia vivia em habitações sobrelotadas, uma realidade que tocou mais de uma em cada quatro pessoas na UE entre os 15 e os 29 anos. 

Já em Portugal registam-se menos pessoas a viver nesta situação (11%), mas os migrantes são um grupo de risco. A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla inglesa) concluiu que “um quinto dos migrantes em Portugal vive em alojamentos sobrelotados, em comparação com menos de um décimo dos nacionais portugueses”.

Como está a construção de habitação na Europa? 

A falta de casas públicas e privadas é a principal raiz do problema, tal como concluiu a Comissão Especial sobre a Crise da Habitação na UE. Este é o resultado da construção insuficiente e de falta de investimento habitacional nas últimas décadas, um cenário agravado pelos atrasos nos licenciamentos, “carga fiscal excessiva”, falta de mão de obra qualificada e subida dos custos de construção.

O relatório "Habitação na Europa – Edição 2025", do Eurostat, revela que foi investido na habitação apenas 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da UE em 2024, um valor ligeiramente inferior ao do ano anterior (5,6%). Esta percentagem variou entre os 27 Estados-membros, oscilando entre os 8% do Chipre e os 2,2% na Polónia, com Portugal a meio da tabela (4,3%) depois de ter crescido ligeiramente no último ano.

Em 2024, estima-se que 1,5 milhões de habitações na UE receberam licença de construção, ligeiramente menos do que no ano anterior. A Polónia concedeu o maior número de licenças (287.000), seguida por França (284.000). No extremo oposto, está Luxemburgo com 3.900 licenças. Uma vez mais, Portugal fica a meio lista com 33.700 licenças de construção de casas, um máximo da última década, mas ainda insuficiente para fazer face à atual procura.

“Entre 2010 e 2024, houve um aumento de 5% no número de licenças de construção para habitações na UE. Entre os países da UE, o número aumentou em 18 países e diminuiu em nove. O maior aumento foi na Bulgária (+211%), seguida por Malta (+98%) e Espanha (+96%). Observaram-se diminuições na Itália (-50%), Finlândia (-49%) e França (-36%)”, detalha o relatório. Em Portugal, a subida de licenças foi de 34%.

Além de o investimento em habitação estar aquém das atuais necessidades da procura na Europa, também se tem assistido a um aumento dos custos construção de casas. Os dados do mesmo relatório revelam que, entre 2010 e 2024, os preços de produção na construção de casas aumentaram 56% na UE e quase 47% em Portugal. Os maiores aumentos deste indicador foram observados na Hungria (+172%), Bulgária (+145%) e Roménia (+137%), e os menores na Grécia (+6%), Itália (+23%) e Chipre (+25%). 

É perante esta falta de casas, subida dos custos de construção e consequente incremento dos preços finais das habitações para comprar ou arrendar, que Bruxelas quer simplificar licenciamentos, reduzir burocracias e dar novos recursos financeiros aos Estados-membros. Os esforços terão de ser conjuntos, já que para combater o défice habitacional e garantir preços acessíveis, estima-se que a UE necessite de um investimento anual na ordem dos 300 mil milhões de euros no setor da construção. 

Em Portugal, depois de várias iniciativas frustradas, levadas a cabo na última década pelos governos anteriores no sentido de tentar solucionar os problemas habitacionais que se começavam a agudizar no país, o atual Executivo da AD, liderado por Luís Montenegro, já mostrou que também reconhece os efeitos desta crise de acesso à habitação

Prova disso mesmo, é o recente plano fiscal que apresentou na Assembleia da República, no início de dezembro, para reduzir impostos no setor (como o IVA na construção), dar mais benefícios fiscais no arrendamento e simplificar licenciamentos urbanísticos. Este conjunto de alterações legislativas necessita ainda de passar pelo crivo do Parlamento e, com este novo plano de Bruxelas, poderá até de ser adaptado às novas regras europeias. 

Por outro lado, foram aprovadas várias medidas no âmbito do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) para a habitação e imobiliário, além de que os municípios estão a ser chamados para apoiar o aumento da oferta de habitação, nomeadamente, através do uso de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

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