Eduardo Miranda, presidente da ALEP, diz que 72% do AL está fora de Lisboa e Porto e que muitos dos proprietários são portugueses.
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O Alojamento Local (AL) volta a estar no centro das atenções e envolto em polémica. O Governo anunciou alterações no arrendamento de casas de curta duração, com o programa “Mais Habitação” a prever, por exemplo, a proibição de emissão de novas licenças, com exceção dos alojamentos rurais em concelhos do interior do país. Dias antes de serem conhecidas as medidas, o idealista/news esteve à conversa com Eduardo Miranda, presidente da associação do setor, que revelou, entre outras coisas, que “a realidade do AL ainda é, e vai continuar a ser, de pequenos proprietários”. 

O Alojamento Local é, muitas vezes, apontado no discurso político como um dos grandes responsáveis pela subida de preços nas casas nos centros urbanos, mas o líder da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) considera que “há uma visão errada” relativamente à atividade de AL no país, lembrando que a maior parte da mesma não se encontra em Lisboa e Porto – “72% do AL está fora destes dois grandes centros” – e que muitos dos proprietários são portugueses. São pessoas que têm “no AL o seu trabalho, a sua atividade, a sua profissão”, conta. 

O Executivo quer dinamizar o turismo no interior do país, daí permitir, no programa “Mais Habitação”, que possam ser emitidas novas licenças nestas regiões. Sobre este tema, e antes de saber que ia ser colocado um travão em localizações como Lisboa e Porto, Eduardo Miranda lembra que o AL tem estado, de certa forma, a crescer para o interior, pelo menos nos últimos três anos, desde a pandemia da Covid-19. 
 
Sublinhando que o “AL já representa mais de 40% das dormidas em Portugal”, com zonas em que até ultrapassa os 50%, o presidente da ALEP que acusa o Governo de querer matar o setor, adianta que a atividade “pode ter um papel absolutamente essencial no que é o desenvolvimento do turismo sustentável”. 

Alojamento Local em Portugal envolto em polémica
Foto de Max Avans on Pexels

Quantos associados tem a ALEP? Que evolução houve ao longo dos anos?

Por incrível que pareça, foi justamente na época da pandemia que a ALEP teve uma grande evolução do número de associados. Hoje temos qualquer coisa como 7.000 alojamentos associados, que pertencem a mais de 2.000 titulares de alojamento. E, naturalmente, são aqueles que têm uma ligação mais forte com a atividade, que dependem dela, porque ainda há muito alojamento, por exemplo no Algarve e em outras zonas, em que isto é uma mera atividade secundária para eles. A ALEP tem nos seus associados todos os segmentos, desde os gestores até a titulares mais profissionais. Metade deles diria que são pequenos proprietários.

Estamos a falar, sobretudo, de particulares, de pessoas que têm o seu pequeno investimento?

Os associados da ALEP são uma expressão do universo do que é hoje a realidade do AL. E a realidade do AL ainda é, e vai continuar a ser, de pequenos proprietários. A maior parte do AL tem uma unidade. A grande maioria, 70 e tal por cento, tem até três unidades. É a sua casa, mais a casa de praia, mais eventualmente a de um primo, ou do pai, ou de um tio, onde também ele faz a gestão. Esta é a realidade. É claro que também ao longo destes anos o AL evoluiu e também há quem conseguisse criar pequenas empresas, micro-empresas, o que é bom, porque dá emprego permanente, traz mais receitas para a economia, receitas fiscais. Mas a realidade ainda é de pequenos empresários, cada vez mais profissionais, atenção. Mas são pequenos proprietários.

"A realidade do AL ainda é, e vai continuar a ser, de pequenos proprietários. (...) A realidade ainda é de pequenos empresários, cada vez mais profissionais, atenção. Mas são pequenos proprietários"

O Algarve ainda é a zona do país onde há mais espaços de AL? 

Há também uma visão aqui errada, que concentra demasiado o AL em Lisboa e no Porto. Porquê? Porque todo o debate político gira em torno de Lisboa e do Porto. Mas na verdade, a maior parte do AL está fora, isto não mudou. Lisboa e Porto representam 28% do AL, 72% do AL está fora destes dois grandes centros. O maior distrito de AL continua a ser Faro, ou seja, o Algarve. Portanto, a maior parte do AL ainda está na zona costeira, nas zonas balneares, e agora também, ultimamente, o crescimento para o interior, que tem sido nos últimos três anos, digamos, o segmento de maior crescimento.

O interesse pelo interior está a crescer em que zonas? 

O que é que aconteceu nos últimos três anos? Isto inclui os dois anos da pandemia, mais 2022, que era também a prova dos nove, para ver o que é que realmente tinha tendência de continuidade ou não. O que aconteceu foi: o AL mesmo em 2022 teve um crescimento de cerca de 9% na oferta, quando antigamente tinha 15%, portanto, diminuiu o crescimento. Quais foram as zonas que mais cresceram, tanto durante a pandemia como em 2022? Proporcionalmente foram os distritos do interior: Vila Real, por exemplo, Portalegre, por exemplo. Foi um pouco a descoberta, durante a pandemia, de muita gente que resolveu morar no interior, recuperar casas no interior. E isso ajudou o próprio turismo a encontrar o interior, o turismo nacional e depois o turismo internacional, que já estava a começar a descobrir bastante o interior. Esta é uma das tendências: o interior é uma das zonas de maior crescimento. 

"Todo o debate político do AL gira em torno de Lisboa e do Porto. Mas na verdade, a maior parte do AL está fora, isto não mudou. Lisboa e Porto representam 28% do AL, 72% do AL está fora destes dois grandes centros"

A maioria dos particulares detentores de espaços de AL são portugueses? 

Lisboa e Porto têm uma parcela também de estrangeiros, como o Algarve, mas a maior parte são portugueses. Mas há uma característica diferente, que é algo pouco entendido. A maior parte deles vê no AL o seu trabalho, a sua atividade, a sua profissão. A maior parte deles tem 50 anos ou mais, ou seja, é fruto da crise da Troika, em que alguns receberam indemnização, outros ficaram desempregados, outros juntaram as poupanças e fizeram pequenos investimentos. Para eles, o AL é a fonte de rendimento principal ou única, às vezes, e é a atividade profissional. A maior parte das pessoas em Lisboa e no Porto depende disso. 

A fiscalização ao AL continua a ser feita, nomeadamente aos chamados registos fantasma? 

É preciso fazer uma diferenciação: há os registos fantasma e há, eventualmente, atividade ilegal. Esta nem é AL, é ilegal, não está registada. Em Lisboa e Porto, e na maior parte dos centros, a atividade ilegal reduziu muito com o trabalho feito com os registos, com o trabalho de simplificação da legalização, que foi o objetivo da nova lei. Ainda é preciso continuar a fazer, mas hoje Portugal é de longe o país que tem o menor índice de atividade sem estar registada. 

Há outra questão, que é a dos registos fantasma, que são registos que estão legalizados, que cumpriram os requisitos, mas não têm atividade. E aqui é preciso criar, sim, alguns mecanismos na lei. É uma coisa na qual estamos a trabalhar, para permitir a limpeza desses registos. E onde é que eles ocorrem, nas zonas de contenção, em Lisboa e Porto, porque nas outras zonas não interessa, as pessoas dão baixa do registo e depois quando quiserem voltam a abrir de novo. Aqui não, porque perdem para sempre. Isso é preciso corrigir, senão estamos a ver índices em que se fala de pressão ou de concentração que são completamente irreais. Para se ter uma noção, em Lisboa, estamos a falar de qualquer coisa como 40% de registos que estão inativos, são registos fantasmas. No Porto, o número é aproximado.

Talvez este seja um dos pontos principais, o ponto número um para se começar a agir quando se fala de habitação, de AL, de regulamentação. É criar os mecanismos para tentarmos identificar quais são os registos fantasma e incentivá-los [os proprietários de espaços de AL] a tomar uma decisão, ou seja, se continuam ou saem. Isso permitiria uma outra visão do AL em Lisboa e no Porto.

"Há outra questão, que é a dos registos fantasma, que são registos que estão legalizados, que cumpriram os requisitos, mas não têm atividade. (...) Para se ter uma noção, em Lisboa estamos a falar de qualquer coisa como 40% de registos que estão inativos, são registos fantasmas. No Porto, o número é aproximado"

Arrendamento de casas a turistas em Portugal
Foto de Alexjo on Pexels

São imóveis que estão registados como AL, mas que não estão ativos. Há alguém a viver nessas casas? 

Vou dar um exemplo prático de Lisboa sobre os registos a que nós chamamos de fantasma. Lisboa tem quase 21.000 registos de AL, dos quais 18.000 são a casa inteira. Desses 18.000, se formos às plataformas vemos, na prática, que existem qualquer coisa como 11.000 anúncios de curta duração. Portanto, há uma diferença de cerca de 7.000. Que existam cerca de mil dedicados ao segmento de média duração e que não precisam dessas plataformas, até dou esta margem de desconto, o resto significa que não têm atividade. Quer dizer que isto está dedicado a outro tipo de segmentos. Em Lisboa, durante a pandemia, cerca de 2.000 AL deixaram de ter atividade. 

Depois há aqueles que nunca tiveram registo, os tais registos fantasma de origem. Em Lisboa, na altura da suspensão, houve mais de mil registos em duas, três semanas, em 2018 e depois em 2019, e repete-se agora novamente. A maior parte deles nunca entrou em atividade. O pensamento era: vou registar porque nunca se sabe o futuro e depois vai deixar de ser permitido. Isso está errado, não é bom para nós e para a cidade.

Se calhar, começar a trabalhar nesses quatro, cinco, seis mil alojamentos e encontrar uma forma de incentivá-los a tomar uma decisão era um primeiro passo, por exemplo, para conseguirmos uma limpeza, e até libertar alojamentos que nem estão no AL nem no arrendamento de longo prazo.

Isso ajudaria, de certa forma, a aumentar a oferta de habitação em Lisboa? 

Libertava milhares de imóveis que hoje estão a ser usados para alguma coisa. Libertava para relações mais de longo prazo. 

"Quando falamos do AL ser um bode expiatório é um pouco isso, é uma solução fácil, é um culpado fácil para um problema que é um desvio de atenção para aquilo que foi a falta de política de habitação"

“Não podemos diabolizar o AL”. “O Al é o bode expiatório”. Estas são algumas afirmações suas. Significa que é fácil apontar o dedo ao AL para justificar a existência de uma crise habitacional no país?

Sim, quando falamos de bode expiatório é um pouco isso, é uma solução fácil, é um culpado fácil para um problema que é um desvio de atenção para aquilo que foi a falta de política de habitação.

Impacto do negócio do AL no preço das casas em Portugal
Foto de Claudio Schwarz na Unsplash

Considera, no entanto, que o AL pode ter contribuído para aumentar do preço da habitação em Portugal, nomeadamente em Lisboa? Há um fundo de verdade nesta equação?

Há uma correlação real que ainda não foi bem percebida. E esse é um dos problemas das medidas erradas. Em 2016, 2017 e 2018, o AL cruzou-se com outro fenómeno, que é o que está a causar a maior pressão em termos de preço [da habitação]: é a vinda e o interesse dos estrangeiros, tanto para compra como para arrendamento. No caso da compra, o AL cruzou-se com isto, ou seja, os estrangeiros, que já estavam a comprar em outras zonas, passaram a comprar aqui, e para eles fazia todo o sentido ter um bónus, já que vão deixar a casa vazia 11 meses. Isso sim, efetivamente aumentou o preço. Mas a motivação deles é outra, sendo o AL a cereja no topo do bolo. Esta foi a confusão, culpava-se o AL porque diziam que os estrangeiros vinham comprar por causa do AL, e nós dizíamos que não. A suspensão em Lisboa foi excelente nesse aspeto, para mostrar que continuou a compra por parte de estrangeiros, aliás, maior até que antes. 

O maior problema, relativamente à pressão dos preços, foi a questão dessa conjugação do AL com o interesse dos estrangeiros. E agora ficou claro que os estrangeiros estão a comprar por outras razões, uma panóplia de razões onde o AL era a cereja no topo do bolo.

Que importância tem o AL para o setor do turismo em Portugal? 

O AL já representa mais de 40% das dormidas em Portugal. Nos grandes centros, chega aos 50%. No Porto, até ultrapassa os 50%. Mas mais importante que isso, em todas as zonas em que Portugal está a querer desenvolver-se como turismo sustentável, de natureza, por exemplo, o AL representa às vezes 60%, 70%. O AL pode ter e terá um papel absolutamente essencial no que é o desenvolvimento do turismo sustentável

"O AL já representa mais de 40% das dormidas em Portugal. Nos grandes centros, chega aos 50%. No Porto, até ultrapassa os 50%. Mas mais importante que isso, em todas as zonas em que Portugal está a querer desenvolver-se como turismo sustentável, de natureza, por exemplo, o AL representa às vezes 60%, 70%. O AL pode ter e terá um papel absolutamente essencial no que é o desenvolvimento do turismo sustentável"

Há espaço para o AL sem afetar a habitação? Portugal é um país que tem quase seis milhões de casas, das quais 1.100.000 casas são casas de férias usadas 30 dias por ano, 750.000 casas são casas vazias. Existem 1.800.000 casas que não são usadas para habitação, é um potencial gigantesco para resolver o problema da habitação, mas também é um potencial gigantesco, porque as pessoas também têm o direito de ter a sua segunda habitação de praia, para criar um desenvolvimento sustentável do turismo. 

O AL, olhando isto como um todo, é só encontrar as fórmulas certas, tem um potencial gigantesco para aproveitar esse stock, especialmente da segunda habitação, e ajudar nas zonas onde há muitos imóveis vazios, devolutos, a dar um empurrão inicial, para depois se dinamizar a região para habitação, para comércio, ou seja, dinamizar a zona como um todo. Há um potencial gigantesco especialmente para o interior. Infelizmente, o debate todo, a polarização, o uso político eleitoral do AL nos centros urbanos, em relação à habitação, está a esvaziar um pouco esse discurso e essa estratégia que Portugal pode e deve ter.

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