Subida da Euribor penaliza famílias com crédito habitação de taxa variável, mas não impacta todas da mesma forma. Explicamos.
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Subida da prestação da casa
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As famílias com crédito habitação a taxa variável estão a sofrer com o agravamento das prestações da casa, devido à subida das Euribor. Mas nem todas são afetadas da mesma forma, uma vez que há vários indicadores a pesar na atualização do valor a pagar ao banco todos os meses pelo empréstimo da casa, tal como explicamos neste artigo com base em simulações.

Num contexto ainda de recuperação da crise gerada pela pandemia, foi a instabilidade económica gerada pela guerra na Ucrânia que foi alimentando a espiral inflacionista na Zona Euro desde o início do ano – em agosto atingiu os 9,1%, com Portugal acima da média - e agravando o custo de vida das famílias. Para tentar estancar o trajeto da economia europeia e evitar uma recessão generalizada, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu subir as taxas de juro diretoras, revendo-as em alta em julho e em setembro, num total de 125 pontos base - e a instituição liderada por Christine Lagarde já fez saber que há novas subidas à vista. E esta mudança de política monetária desencadeou uma escalada da Euribor em todos os prazos, colocando um ponto final na chamada "época do dinheiro barato".

É exatamente este movimento das Euribor que leva ao aumento da prestação da casa das famílias com créditos habitação a taxa variável. A grande maioria dos contratos em Portugal (cerca de 90%) é deste tipo, mas a subida das taxas Euribor não impacta da mesma forma todos os contratos de empréstimo habitação de taxa variável, já que o valor a pagar ao banco pelo crédito habitação depende do ano do contrato e do capital em dívida. Como assim? Explicamos tudo tendo por base simulações.

 

O aviso do BCE cumpriu-se a 21 de julho de 2022, quando os juros diretores subiram pela primeira vez em 11 anos em 50 pontos base na zona euro. E como as taxas Euribor mantêm estreita relação com as taxas de juro diretoras, em agosto a Euribor a 12 meses voltou a aumentar, atingindo os 1,249%. E a Euribor a 6 meses chegou aos 0,837%. Isto depois de passarem mais de seis anos em terrenos negativos.

Mais tarde, no passado dia 8 de setembro, o regulador europeu - na mesma linha de vários bancos centrais que têm usado esta estratégia para tentar travar a inflação - avançou com uma subida mais forte, de outros 75 pontos base. E prometeu voltar a aumentar as taxas de juros diretoras nas próximas reuniões, de forma a que a inflação no espaço europeu fique reduzida a 2%, o nível em que é assegurada a estabilidade dos preços. O Governador do banco central da Lituânia, Gediminas Simkus, já veio a publico dizer que o BCE vai voltar as taxas de juro diretoras em, pelo menos, mais 50 pontos base na próxima reunião, já que "as tendências inflacionistas estão a intensificar-se".

Portanto, tudo indica que o mais recente aumento dos juros diretores – bem como os que se avizinham - terão um impacto ainda maior na Euribor. Segundo os especialistas, as taxas mensais da Euribor a 6 e a 12 meses poderão chegar aos 2% até ao final do ano - depois das diárias já terem ultrapassado esta fasquia e estarem a consolidar essa tendência.

Taxas Euribor a subir
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Crédito habitação em Portugal: quais as principais taxas Euribor contratadas?

No nosso país, esta subida das taxas Euribor irá afetar a esmagadora maioria dos créditos habitação existentes. Isto porque “em Portugal, a proporção de empréstimos à habitação com taxa variável é de cerca de 90%, levando a que a subida das taxas de juro de mercado se traduza num aumento do serviço de dívida”, lê-se no Relatório de Estabilidade Financeira de junho de 2022 publicado pelo Banco de Portugal (BdP) Isto quer dizer que o enorme peso de empréstimos existentes indexados à Euribor, faz com que as famílias portuguesas estejam entre as mais vulneráveis ao aperto significativo da política monetária pelo BCE para travar a inflação.

Mas esta é uma realidade que está a mudar dado o contexto de subida dos juros. E isso é visível nos novos contratos de crédito habitação. O BdP dá nota no mesmo relatório que "desde o final de 2021, tem-se observado um aumento das novas operações de crédito à habitação com taxa de juro fixa ou mista, representando, no primeiro trimestre de 2022, 18% dos novos empréstimos (15% em 2021)". 

Os dados do BCE também mostram esta mudança ao detalhe. Entre 2005 e 2015 cerca 96% dos novos créditos habitação em Portugal, em média, eram de taxa variável ou fixa apenas no primeiro ano. Mas depois de 2015 – no rescaldo da crise financeira -, esta percentagem começou a cair: desde 2016 até julho de 2022 só cerca de 66% dos novos contratos optaram pela taxa variável ou fixa no primeiro ano. Ou seja, a taxa variável continua a ser dominante nos novos créditos habitação mesmo num contexto de subida da Euribor, mas a percentagem é 30% menor do que no passado.

Em julho de 2022, 68,0% dos novos contratos de crédito habitação em Portugal têm taxa variável ou fixa só no primeiro ano. Olhando para a realidade de outros Estados-membros da União Europeia (UE), verifica-se que Portugal é um dos países onde a taxa variável mais pesa: está em sétimo da lista que contempla 18 países, atrás da Finlândia (97,7%), da Letónia (94,6%), Lituânia (94,1%), Chipre (94,0%), Estónia (77,8%) e Malta (77,5%).

Já o peso dos créditos de taxa variável ou fixa no primeiro ano é menor em França (3,3%), Eslováquia (3,7%) e Eslovénia (7,5%), mostram os dados que têm em conta a percentagem de taxa variável face ao total de novos empréstimos em cada mês. Nesta base de dados do BCE não há dados atualizados para a Grécia.

  • Qual é a taxa Euribor predominante nos novos contratos em Portugal?

Depois de anos com um mercado dominado por contratos indexados a uma taxa variável a 6 meses, é mesmo a Euribor a 12 meses a que está a subir de forma mais acelerada hoje em dia. Segundo os dados mais recentes do regulador português:

  • a Euribor a 12 meses representou 66,3% dos novos contratos de crédito habitação selados em 2021;
  • a Euribor a 6 meses foi o indexante escolhido em 32,5% dos novos contratos;
  • Euribor a 3 meses de apenas 0,2%.

Mas como a Euribor a 12 meses está a subir as pique, poderá haver uma inversão das tendências, com as famílias a apostar mais na Euribor a 6 e a 3 meses que têm relevado aumentos menos significativos.

Já nos contratos assinados até a 31 de dezembro de 2021, “os indexantes mais frequentes eram a Euribor a 6 meses, em termos de número de contratos [40,5% dos contratos e de 29,1% do saldo em dívida], e a Euribor a 12 meses, em termos de saldo em dívida [28,1% dos contratos e 40,4% do saldo em dívida]. (...) A Euribor a 3 meses continuou a representar menos de um terço da carteira de crédito à habitação a taxa variável (30%, dos contratos e 29,5% do saldo em dívida)”, refere o Relatório de Acompanhamento dos Mercados de Crédito de 2021 publicado em julho de 2022 pelo BdP.

Quanto aos spreads contratados, a maioria dos contratos celebrados a taxa variável em 2021 (60,1%) continuou a ter spreads entre 1% e 1,5%. Os outros 40% dos contratos acordaram spreads com os bancos superiores a 1,5%. Com a saída das taxas Euribor do terrenos negativo, os bancos voltaram a lucrar com os créditos habitação e tendem a ser mais competitivos nas suas ofertas, gerando uma guerra de spreads mais agressiva. O Bankinter já deu o tiro de partida e baixou o spread mínimo para 0,85%, menos 0,05% do que já era disponibilizado pelo banco. Isto para financiamentos de 150.000 euros, com Euribor a 3 meses (0,395% em agosto) e prazo de 30 anos.

Prestação da casa mais cara
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Euribor a 12 meses: como varia a subida da prestação da casa consoante a data do contrato?

A grande maioria dos créditos habitação de taxa variável ​​que são assinados no nosso país utilizam o sistema de amortização francês, o que quer dizer que no início do contrato a maioria da prestação destina-se ao pagamento de juros e o restante à amortização do capital em dívida. E à medida que os anos vão passando começa-se a pagar menos juros e mais capital, até que no final do empréstimo praticamente só se pagará o valor em dívida. Esta é a razão pela qual o impacto do aumento da Euribor não será o mesmo no caso para um crédito habitação contratado em 2021 e para outro contratado em 2005, por exemplo.

Para explicar as diferenças do impacto da Euribor no crédito habitação consoante o ano em que foi contratado, os especialistas do idealista/créditohabitação fizeram uma simulação tendo em conta os seguintes dados:

  • Financiamento: 150.000 euros (valor de referência em Portugal);
  • Euribor a 12 meses (a mais frequente nos novos contratos);
  • Spread a 1,5% (limite superior do mais contratados);
  • Prazo: 25 anos (próximo do prazo médio de 26 anos em 2021);
  • Sem amortizações antecipadas.

Nestas simulações, uma família que tenha contratado um crédito habitação de taxa variável em agosto de 2021 terá de enfrentar um aumento da mensalidade de 118 euros (1.421 euros por ano) – mês em que, recorde-se, a Euribor a 12 meses já estava nos 1,249%. Mas quem contratou antes terá aumentos bem inferiores, já que contam com mais capital amortizado e juros pagos.

No caso de um agregado que contratou o empréstimo em 2018, verá um aumento da prestação da casa de 104 euros (1.245 euros por ano). E quem contratou em 2013 verá a prestação subir 80 euros, refletindo-se num aumento de 960 euros por ano.

Já quem assinou o contrato de crédito habitação em 2005, não só beneficiou de um período em que as Euribor 12 meses estava negativa, como agora verá a prestação da casa subir apenas 44 euros (528 euros por ano), menos de metade do que quem contratou o empréstimo em 2021.

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