Lagarde decidiu voltar a aumentar os juros diretores em 50 pontos base, o que vai levar a novo agravamento da prestações da casa.
Comentários: 0
BCE sobe juros diretores
Freepik

O setor bancário e os mercados financeiros têm atravessado um período de turbulência na última semana, primeiro com o colapso do Silicon Valley Bank, nos EUA, e depois com a forte desvalorização do Credit Suisse, que arrastou toda a banca europeia. Mesmo com uma nova crise financeira instalada, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu manter pulso firme na política monetária contra a inflação e voltar a subir os juros diretores em 50 pontos base, elevando a taxa de refinanciamento para os 3,5%, atingindo, assim, níveis de 2008.

Este cenário deverá ter novo impacto nos créditos habitação novos, bem como nos empréstimos já existentes, tornando as prestações da casa ainda mais caras. E são as famílias mais vulneráveis que vão enfrentar as maiores dificuldades, apontam os especialistas contactados pelo idealista/news.

Apesar da atual instabilidade financeira, o BCE está determinado “em assegurar um retorno atempado da inflação ao objetivo de 2% a médio prazo” (em fevereiro fixou-se nos 8,5%). E, por isso mesmo, regulador liderado por Christine Lagarde resolveu avançar esta quinta-feira com um novo aumento de 50 pontos base das três taxas de juros diretoras, elevando-as para máximos de 2008 - aquando da crise do subprime.

Mas a líder do supervisor assegurou que tomou a decisão tendo em conta os riscos de a atual crise financeira provocar um efeito dominó na banca mundial. O BCE garantiu que está “a acompanhar de perto as atuais tensões no mercado”, reforçando que o sistema bancário europeu é “resiliente, possui capital e liquidez fortes” para garantir a estabilidade financeira na Zona Euro. Além disso, a instituição avançou que está disponível para prestar “apoio em termos de liquidez ao sistema financeiro da área do euro” se for necessário, lê-se no comunicado publicado esta quinta-feira, dia 16 de março.

A decisão do BCE está tomada. A política monetária voltou a apertar num momento em que a incerteza escalou a nível mundial, com a recente falência do Silicon Valley Bank, nos EUA, e as dificuldades sentidas pelo Credit Suisse, na Europa. Mas uma coisa é certa. Esta nova subida dos juros diretores vai agravar ainda mais os custos associados ao crédito habitação.

Como é que a nova subida dos juros pelo BCE impacta as taxas Euribor?

Os sucessivos aumentos dos juros diretores nos últimos 9 meses têm vindo a ser espelhados na subida da Euribor mês após mês. As taxas Euribor subiram tanto que já atingiram os níveis de 2008, dado que se fixaram em fevereiro entre os 2,5% e os 3,5%. À medida que as taxas Euribor a 3, 6 e 12 meses foram aumentando, refletindo as decisões de política monetária, as prestações da casa das famílias que têm créditos habitação de taxa variável foram-se agravando.

Com este novo aumento dos juros diretores é esperado que as taxas Euribor voltem a subir, tal com antecipa Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação Portugal. Para as famílias que estão a pagar créditos habitação de taxa variável, este novo aumento representa um “duro golpe”, porque é esperado um novo agravamento das prestações mensais. “Não esqueçamos que em março do ano passado a Euribor a 12 meses ainda estava negativa, pelo que a revisão anual da prestação mensal vai levar a um aumento significativo”, alerta ainda o especialista.

Mas será mesmo assim? Além de estar intimamente ligada ao BCE, a Euribor é também muito volátil às alterações sentidas nos mercados financeiros. Logo depois de a atual crise bancária ter tocado o solo europeu, a Euribor mudou o seu comportamento, tendo sido registada uma repentina descida das taxas diárias.

Se a atual crise financeira for “transitória” e se o sistema bancário mostrar realmente provas de resiliência, a Euribor deverá retomar as subidas, até porque o BCE confirmou o rumo da sua política monetária esta quinta-feira. “Não estamos perante um ponto de inflexão” da evolução das taxas Euribor, frisa Miguel Cabrita. “O que está a acontecer é uma reação quente à incerteza de haver contágio da crise financeira, o que não tem nada que ver com uma possível recessão ou queda da inflação. O mais lógico é que nos próximos dias ou semanas, vejamos a Euribor a voltar a subir”, destacou ainda em declarações ao idealista/news.

Aliás, as previsões dos especialistas e analistas de mercado – como o Bankinter e a consultora financeira Accuracy - apontam para que a Euribor a 12 meses possa ultrapassar brevemente os 4%, muito embora não deva subir muito mais. Já Miguel Córdoba acredita que a Euribor tem margem para subir um ponto percentual. “Acho que não passará de 5%, a menos que surjam novas tensões”, estima o economista, sublinhando que, depois, as subidas devem “acalmar”. 

Estas estimativas estão em linha com as previsões de subida das taxas de juro diretoras pelo BCE. Em termos gerais, os especialistas acreditam que os juros de referência possam ultrapassar os 4% nos próximos meses, embora de momento excluam que cheguem aos 5%. Depois de estabilizarem nesse patamar por alguns meses, as taxas diretoras deverão começar a descer em 2024 ou até já em 2025.

Prestações da casa sobem - há mais pressão nas famílias vulneráveis

O atual cenário sugere, então, que a subida dos juros diretores pelo BCE vai continuar a influenciar os créditos habitação de taxa variável (e indexados à Euribor), agravando os seus custos. Mas importa salientar que o impacto desta subida será diferente nos empréstimos novos e existentes:

  • Créditos habitação existentes: “Com a aplicação do sistema de amortização francês, pelo qual são pagos mais juros no início do empréstimo, os créditos habitação de taxa variável mais recentes são os que vão sofrer aumentos mais acentuados”, explica ainda Miguel Cabrita. Por isso mesmo, quem já está a pagar o crédito há vários anos não sentirá tanto a subida dos juros nas prestações da casa. Além do ano do contrato, o agravamento da prestação da casa também será superior, quanto maior for o capital em dívida;
  • Créditos habitação novos: desde logo, quem procura um empréstimo para comprar casa, vai contratar taxas de juro bem mais elevadas do que no passado (sejam fixas ou variáveis). E como os juros entram para o cálculo da taxa de esforço das famílias, acaba por reduzir o valor que os bancos estão autorizados a emprestar. Além disso, os bancos estão “ligeiramente mais restritivos no crédito à habitação”, apontou o Banco de Portugal no mais recente inquérito aos bancos.

As famílias que contratam crédito habitação de taxa variável, mais tarde ou mais cedo, vão ver as prestações da casa a serem atualizadas consoante a taxa Euribor contratada (a 3,6 ou 12 meses). E quem vai sentir mais o peso deste aumento das prestações da casa vão ser as famílias com menos recursos, alertam os especialistas. “Para as famílias com crédito habitação de taxa variável, este novo aumento representa um duro golpe devido ao aumento que irão sofrer nas suas prestações mensais, o que pode acabar por colocar em dificuldades os agregados mais vulneráveis”, aponta Miguel Cabrita, do idealista/créditohabitação.

Crédito habitação mais caro
Foto de Thirdman no Pexels

A subida das prestações da casa nos próximos meses poderá causar “sérios problemas nas classes médias-baixas”, sobretudo “se a situação económica piorar e o desemprego aumentar, isto porque os desempregados teriam mais dificuldades em cumprir com o pagamento das prestações aos bancos e poderia voltar-se à questão os incumprimentos”, alerta o economista Miguel Córdoba. Também Víctor Fermosel, professor da EAE Business School, assume que “veremos situações difíceis ainda antes do final deste ano”.

A grande questão é que as famílias viveram vários anos na época do dinheiro barato e contrataram créditos habitação quando a Euribor ainda estava negativa. E, de um momento para o outro, observaram a subida mais rápida de sempre dos juros pelo BCE e a consequente escalada da Euribor. “O problema é que as famílias e as empresas tiveram de assumir os juros em muito pouco tempo e o aumento foi muito rápido”, destaca Santiago Carbó, diretor de estudos financeiros da espanhola Fundación de las Cajas de Ahorros (Funcas).

Além disso, este cenário obriga-nos a rever os contratos de crédito habitação e, em alguns casos, a reestruturar dívidas e empréstimos”,  frisa Santiago Carbó. Em Portugal, as renegociações dos créditos deram o salto nos últimos meses, depois de o Governo de António Costa ter lançado novas regras. 

“Por outro lado, as medidas aplicadas pelo regulador europeu para combater a espiral inflacionista parecem estar a ter um maior impacto na capacidade económica das famílias com empréstimos do que no próprio mercado imobiliário, que embora esteja a abrandar ligeiramente face a 2022 , não está a desacelerar de maneira significativa”, nota ainda Miguel Cabrita.

Subida das prestações da casa
Foto de Kindel Medi no Pexels

Subida dos juros está a abrandar procura por crédito habitação

Os efeitos da subida dos juros no mercado hipotecário são ainda mais abrangentes, sobretudo, quando combinados com a falta de confiança e baixas expectativas para o futuro do mercado imobiliário. A procura por crédito habitação tem arrefecido nos últimos meses (e também mudado o foco). Além disso, novos apoios ao crédito habitação têm surgido em Portugal, apesar de Christine Lagarde insistir que se deve restringir os apoios apenas às famílias mais necessitadas.

O arrefecimento da procura por crédito habitação está a tornar-se cada vez mais visível em Portugal.  Segundo o Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito de janeiro do Banco de Portugal, a procura de crédito habitação diminuiu de forma "particularmente acentuada" no último trimestre de 2022 devido à menor confiança dos consumidores e ao aumento das taxas de juro. “No final de janeiro de 2023, o montante total de empréstimos para habitação era de 100 mil milhões de euros, menos 0,2 mil milhões de euros do que no final de dezembro”, apontou o regulador português recentemente.

Além disso, o mesmo inquérito deu nota que os bancos que operam em Portugal estão mais restritivos na hora de conceder empréstimos para comprar casa devido aos riscos do atual contexto económico. Já Miguel Cabrita considera que “estes aumentos das taxas de juro e da Euribor não estão a ser transferidos de forma tão forte para o preço dos novos créditos habitação que estão a ser oferecidos pela banca”, já que “os bancos pretendem continuar a emprestar dinheiro e a concorrência entre entidades financeiras para atrair clientes solventes é ainda difícil. Desta forma, o aumento do custo do financiamento não está, pelo menos para já, a impactar tanto o mercado imobiliário como previam alguns especialistas”, conclui.

O que também se verifica no mercado hipotecário em Portugal é que há cada vez mais famílias a optar por créditos habitação de taxas mistas, uma vez que lhes trazem mais estabilidade financeira, pelo menos, no curto/médio prazo. "Apesar de, ao contrário de outros países, muitas entidades bancárias em Portugal serem mais relutantes a conceder novos empréstimos com taxas mistas/fixas ou, então, oferecerem-nos a taxas muito elevadas, este tipo de crédito habitação tem sido cada vez mais frequente entre os novos contratos. Desde o início da escalada dos juros em julho, a taxa mista surge como uma fórmula escolhida pelas famílias para obter financiamentos com preços mais baixos e estáveis por um período inicial, de forma a se protegerem da incerteza atual", explica Miguel Cabrita ao idealista/news.

Os dados do BdP provam isso mesmo: “Embora se mantenha a preferência por empréstimos à habitação a taxa variável [representando 69% do montante total], o peso dos novos empréstimos a taxa mista tem vindo a aumentar, atingindo 24% do montante de novos empréstimos realizados em janeiro”, destacou o regulador português no boletim publicado no dia 3 de março. Já as taxas fixas continuam a representar 7% do montante total há quatro meses seguidos, uma vez que continuam a ser bem superiores às taxas variáveis. Importa recordar que o agravamento da política monetária também se reflete nas taxas fixas dos empréstimos, porque os bancos vão ajustando a oferta ao preço do dinheiro.

Quais são os novos apoios para pagar a prestação da casa em 2023?

A par de todas estas mudanças no mercado – e tendo em conta a rápida subida dos juros no crédito habitação –, o Governo de António Costa decidiu desenhar uma série de apoios às famílias no pacote “Mais Habitação”, os quais se vão somar às novas regras para renegociar o crédito habitação, à amortização antecipada sem custos e ao desconto no IRS para quem paga empréstimos habitação (medidas que já estão em vigor).

Em concreto, esta quinta-feira foi aprovado na reunião de Conselho de Ministros o decreto-lei que vem dar luz verde a duas medidas que protege quem tem (ou vai ter) um crédito habitação para pagar:

  • Bonificação dos juros em 50%: a ideia passa por atribuir uma bonificação temporária do encargo com juros nos créditos hipotecários, para famílias com rendimentos até ao 6º escalão e créditos até 250 mil euros, através da compensação de metade do excesso do indexante de referência face a 3% até um limite anual de 1,5 IAS (cerca de 720 euros), indicou o Governo. Sabe-se agora que vão poder beneficiar da medidas as famílias com empréstimos habitação contratados até 15 de março deste ano e que os apoios terão efeitos retroativos até janeiro;
  • Bancos passam a ser obrigados a disponibilizar oferta de taxa fixa no crédito habitação.
Juros a subir no crédito habitação
Freepik

Estes novos apoios às famílias foram enviados para Belém – para que o Presidente da República os possa avaliar - precisamente no mesmo dia que Christine Lagarde apelou aos governos da Zona Euro para começarem "rapidamente" a reduzir os apoios orçamentais às famílias e às empresas para travar a inflação, disse conferência de imprensa, após a reunião de política monetária do BCE.

"É importante começar rapidamente a reduzir essas medidas de forma concertada", quando "os preços da energia baixam", para evitar "aumentar as pressões inflacionistas a médio prazo", declarou Christine Lagarde.

Esta não é a primeira vez que a presidente do BCE frisa que as políticas orçamentais devem estar alinhadas com a política monetária para travar a inflação. Até porque as próximas decisões sobre taxas de juro dependem da ação dos governos, bem como dos novos dados económicos e financeiros, tal como frisou Lagarde.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta