Custo do dinheiro volta aos níveis da crise financeira. Lagarde diz que pressões inflacionistas continuam em alta. Explicamos.
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Subida dos juros pelo BCE
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A inflação na Zona Euro já está a dar sinais de descida, abrandando para 9,2% em dezembro. Mas ainda está “demasiado elevada” aos olhos do regulador europeu. E, por isso mesmo, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu esta quinta-feira, dia 2 de fevereiro de 2023, voltar a subir as taxas de juro diretoras em 50 pontos base. Este aumento eleva a taxa de juro das operações de refinanciamento para 3%, o que poderá influenciar ainda mais a evolução ascendente da Euribor e, por conseguinte, agravar os custos do crédito habitação. E terá ainda efeitos nos depósitos a prazo e no crescimento económico dos países europeus. Este não será o último aumento dos juros diretores previsto pelo BCE, já que o regulador avançou que vai voltar a subi-los em março também em 50 pontos base.

A comunidade europeia já esperava um novo aumento dos juros diretores em 50 pontos base. "Há várias semanas que o mercado intuía a subida dos juros em 50 pontos base que aconteceu hoje na reunião do regulador europeu", afirma Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação Portugal. Até porque a própria Christine Lagarde, presidente do BCE, adiantou na anterior reunião de política monetária (realizada a 15 de dezembro) que as taxas de juro diretoras devem continuar a subir "a um ritmo de 50 pontos base durante algum tempo, porque a inflação permanece demasiado elevada e se projeta que continue acima do objetivo [de 2%] durante demasiado tempo”.

"O Conselho do BCE decidiu hoje proceder a um aumento de 50 pontos base das três taxas de juro diretoras do BCE, as quais espera continuar a aumentar"

Com este novo aumento de 50 pontos base anunciado esta agora, as três taxas de juro diretoras passam a ser as seguintes a partir do próximo dia 8 de fevereiro:

  • Taxa de juro das principais operações de refinanciamento passa de 2,5% para 3,00%;
  • Taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez passa de 2,75% para 3,25%;
  • Taxa aplicada à facilidade permanente de depósitos passa de 2,00% para 2,5%.

Foi em julho de 2022, que o BCE começou a aumentar as taxas de juro diretoras, sendo este o ciclo mais rápido de subidas desde a sua criação em 1999. Recorde-se que o regulador avançou com quatro aumentos consecutivos dos juros diretores em apenas seis meses de 250 pontos base, aos quais agora se soma o novo aumento de 50 pontos hoje anunciado. Com as subidas de 300 pontos base, as taxas de juro diretoras atingem, assim, os valores mais elevados dos últimos 15 anos, quando rebentou a crise financeira no final de 2008.

E não vão ficar por aqui, já que este não será o último aumento das taxas de juro diretoras previsto pelo guardião do euro. "O Conselho do BCE prosseguirá a trajetória de subida significativa das taxas de juro a um ritmo constante e mantê‑las‑á em níveis suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao seu objetivo de 2% a médio prazo", explicou o regulador europeu no comunicado publicado esta quinta-feira, dia 2 de fevereiro.

E acrescentou ainda que "atendendo às pressões sobre a inflação subjacente, o Conselho do BCE tenciona aumentar as taxas de juro em mais 50 pontos base na próxima reunião dedicada à política monetária, em março, e avaliará então a trajetória subsequente da política monetária", adiantou ainda o regulador liderado por Christine Lagarde. Posto isto, são esperadas novas subidas das taxas de juro diretoras nas próximas reuniões, agendadas para 16 de março, 4 de maio e 15 de junho. 

Uma coisa é certa, esta escalada de subidas vai continuar a ter efeitos na economia e na carteira das famílias. "O anúncio de novos aumentos nas próximas reuniões são esclarecedores, o que pode afetar ainda mais a economia de muitas famílias com créditos habitação de taxa variável nos próximos meses", comenta ainda Miguel Cabrita.

Subida dos juros pelo BCE
Foto de Tima Miroshnichenko no Pexels

Como é que a subida dos juros pelo BCE impacta o crédito habitação?

As decisões do regulador europeu têm tido um impacto direto nos créditos habitação, tornando-os bem mais caros. Isto acontece porque as taxas Euribor estão intimamente ligadas às taxas de juro diretoras. E como a taxa de refinanciamento está mais elevada (chegou agora aos 3%), os custos dos empréstimos no mercado interbancário europeu estão superiores. Também as taxas fixas estão a subir nos novos contratos à medida que os bancos ajustam a oferta dos juros ao preço do dinheiro.

Agora, quem tem créditos habitação de taxa variável está a pagar prestações da casa bem mais elevadas (algumas subiram centenas de euros). E os valores das prestações deverão aumentar ainda mais quando forem atualizadas consoante a taxa Euribor contratada a 3, 6 ou 12 meses. Isto porque, as médias da Euribor continuaram a escalar:

  • Euribor a 12 meses: atingiu os 3,337% em janeiro de 2023, uma taxa superior à registada em dezembro (3,005%);
  • Euribor a 6 meses: fixou-se em 2,858% em janeiro de 2023, contra 2,560% em dezembro;
  • Euribor a 3 meses: fixou-se em 2,345% em janeiro, mais cerca de 0,282 pontos que em dezembro do ano passado (2,063%).

Isto quer dizer que à medida que o BCE sobe os juros diretores para travar a inflação, as taxas Euribor estão a seguir uma trajetória ascendente, encarecendo ainda mais as prestações da casa das famílias no médio prazo.

  • E as taxas Euribor vão continuar a subir?

A Euribor deverá voltar à rota ascendente, embora a um ritmo ainda desconhecido. Segundo explica o responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal, “o essencial é ver se, depois deste movimento do BCE, a Euribor aponta para uma subida posterior e ruma para os 4%, ou se abranda o seu ritmo de crescimento. A verdade é que a situação atual da inflação, principalmente a subjacente, não nos deixa muito otimistas sobre um possível máximo no curto prazo", conclui.

O que também é certo é que a subida dos juros diretores pelo BCE influencia de forma distinta os créditos habitação de taxa variável existentes e novos:

  • Créditos habitação existentes: “Com a aplicação do sistema de amortização francês, pelo qual são pagos mais juros no início do empréstimo, os créditos habitação de taxa variável mais recentes são os que vão sofrer aumentos mais acentuados”, explicou ainda Miguel Cabrita. Por isso mesmo, quem já está a pagar o crédito há vários anos não sentirá tanto a subida dos juros nas prestações da casa;
  • Créditos habitação novos: as taxas de juro estão mais elevadas para os novos empréstimos, encarecendo as prestações da casa. E como os juros entram para o cálculo da taxa de esforço das famílias, acaba por reduzir o valor que os bancos estão autorizados a emprestar. Por outro lado, com o atual momento de incerteza, na hora de conceder o crédito os bancos estão “ligeiramente mais restritivos no crédito à habitação”, apontou o Banco de Portugal no inquérito aos bancos publicado esta semana.

O que também se verifica no mercado hipotecário em Portugal é que há cada vez mais famílias a optar por créditos habitação de taxas fixas ou mistas, uma vez que lhes traz mais estabilidade financeira, pelo menos, no curto prazo. "Apesar de, ao contrário de outros países, muitas entidades bancárias em Portugal serem mais relutantes a conceder novos empréstimos com taxas mistas/fixas ou, então, oferecerem-nos a taxas muito elevadas, este tipo de crédito habitação tem sido cada vez mais frequente entre os novos contratos. Desde o início da escalada dos juros em julho, a taxa mista surge como uma fórmula escolhida pelas famílias para obter financiamentos com preços mais baixos e estáveis por um período inicial, de forma a se protegerem da incerteza atual", explica Miguel Cabrita ao idealista/news.

Outra consequência da subida dos juros prende-se também com o arrefecimento da procura por crédito habitação. Segundo o Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito de janeiro do Banco de Portugal, a procura de crédito habitação diminuiu de forma "particularmente acentuada" no último trimestre de 2022 devido à menor confiança dos consumidores e ao aumento das taxas de juro. Além disso, os bancos que operam em Portugal estão mais restritivos na hora de conceder empréstimos para comprar casa devido aos riscos do contexto económico. 

Subida das prestações da casa em 2023
Foto de RODNAE Productions no Pexels

Como é que as decisões do BCE afetam a economia?

Desde julho de 2022 até fevereiro de 2023, o BCE já subiu os juros diretores em 300 pontos base, uma evolução que continuará a ter impacto nas economias dos vários países europeus, a vários níveis:

  • Depósitos a prazo mais rentáveis na Zona Euro: a nova subida dos juros diretores decidida pelo BCE elevou a taxa dos depósitos para os 2,5%. E as taxas de juro dos novos depósitos bancários dos particulares na Zona Euro já estão a reagir aos aumentos mais recentes dos juros. A taxa de juro média nos depósitos a prazo até 1 ano no espaço europeu subiu para 1,12% em novembro, segundo apontam os dados do BCE. Já Portugal apresenta uma das taxas de juro nos depósitos a prazo até 1 ano mais baixas da União Europeia (0,31% em novembro).
  • Inflação deverá começar a cair em 2023: a inflação na Zona Euro já tem dado sinais de descida nos últimos meses (em dezembro a taxa foi de 9,2%). E se continuar a desacelerar a este ritmo em 2023, a inflação na Zona Euro poderá terminar o ano indo ao encontro das previsões da Comissão Europeia (CE), que estima que a inflação deverá cair para 6,1% em 2023. Já o Conselho do BCE é menos otimista, prevendo que a inflação na Área Euro fique pelos 8,4% no final deste ano. A descida mais expressiva da inflação só é esperada para 2024 (3,4%). Também em Portugal a inflação está a descer há três meses consecutivos, tendo-se fixado em 8,3% em janeiro, segundo apontou a estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE) esta terça-feira divulgada. As previsões de Bruxelas para Portugal apontam para que a inflação em Portugal se fixe em 5,8% em 2023.

  • Zona Euro esquiva-se da recessão económica: um cenário de recessão económica na Zona Euro foi traçado à medida que o BCE apertava ainda mais a sua política monetária. Mas os dados apurados no final de 2022 e início de 2023 trouxeram surpresas: segundo disse Christine Lagarde esta quinta-feira apesar "da fraca atividade global e da elevada incerteza geopolítica", a economia da Zona Euro "mostra-se mais resiliente do que o previsto e deverá recuperar nos próximos trimestres". As últimas previsões do Conselho do BCE apontavam para uma contração do crescimento económico no primeiro trimestre de 2023, estimando que no final do ano o crescimento do PIB na Zona Euro seria de 0,5%. As previsões da CE apontam para um abrandamento económico ainda maior, de 0,3%.

Crescimento da economia portuguesa em 2023
Foto de Nataliya Vaitkevich no Pexels

Juros do BCE vão continuar a subir em 2023: quanto?

O BCE já deixou bem claro na reunião desta quinta-feira que vai continuar a subir os juros diretores nos próximos meses. E adiantou que o próximo aumento, na reunião de 16 de março, será também de 50 pontos base, elevando as taxas de juro em 350 pontos.

"Manter as taxas de juro em níveis restritivos reduzirá, com o tempo, a inflação, ao refrear a procura, e protegerá também contra o risco de uma persistente deslocação, em sentido ascendente, das expectativas de inflação", esclareceu o regulador europeu no comunicado hoje publicado.

Christine Lagarde também admitiu que o "Conselho do BCE prosseguirá a trajetória de subida significativa das taxas de juro", daqui em diante. Mas qual poderá ser a dimensão da subida dos juros a partir de março?  "As futuras decisões do Conselho do BCE sobre as taxas de juro diretoras continuarão a depender dos dados e a seguir uma abordagem reunião a reunião", referem no documento.

Sobre a dimensão das seguintes subidas dos juros, Klaas Knot membro do Conselho do BCE e presidente do banco central dos Países Baixos, adiantou no final de janeiro que “a dada altura, os riscos em torno das perspetivas de inflação vão tornar-se mais equilibrados". E, nesse momento, o regulador europeu poderá “dar mais um passo para baixo de 50 para 25 pontos base, por exemplo. Mas ainda estamos longe disso”, vincou o presidente do banco central neerlandês citado pela Reuters.

Subida dos juros pelo BCE em 2023
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De acordo com as estimativas dos economistas ouvidos pela Bloomberg, será em maio que o BCE vai começar a abrandar o ritmo de subida dos juros, para 25 pontos base. Uma evolução que irá repetir-se em junho. Depois, em julho, os especialistas acreditam que os juros diretores deverão recuar em 25 pontos base, descendo para 3%. E neste patamar deverão permanecer até ao final do ano, antecipam.

As previsões dos especialistas da Economist Intelligence Unit (EIU) apontam na mesma direção: os juros do BCE vão subir 50 pontos em março e 25 pontos em maio e em junho, elevando os juros de referência na Zona Euro para os 4% em meados de 2023. Este será o nível máximo esperado pelos especialistas da EIU, que foi atingido a um ritmo duas vezes mais rápido do que no último ciclo de aperto em 2005/08, que marca a crise financeira global.

Depois disso, os economistas da EIU estimam que “as taxas de juro da Zona Euro se mantenham neste nível máximo [de 4%] durante, pelo menos, um ano, com o primeiro corte de taxas a ocorrer no terceiro trimestre de 2024”, tal como antecipam no estudo citado pelo Dinheiro Vivo. Mas se a inflação voltar a subir devido a um agravamento inesperado da guerra na Ucrânia ou da cadeia de abastecimento de matérias-primas, os juros do BCE poderão começar a descer ainda mais tarde.

Segundo estimativas do Deutsche Bank - que consultou 900 analistas de fundos de investimento internacionais -, as taxas de juro na Zona Euro vão fixar-se nos 3,5% em 2023. Por seu turno, o departamento de análise do Bankinter prevê que as taxas de juro diretoras se fixem nos 3,25% até ao final deste ano (o que pressupõe descidas durante 2023).

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