Lagarde rejeita comprometer-se com valores, mas mantém pulso firme na política monetária de combate à inflação.
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Subida de juros
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Que ninguém tenha dúvidas: travar a inflação é a grande determinação do Banco Central Europeu (BCE). E nem o pânico nos mercados financeiros desencadeado, nos últimos dias, pelas crises do Silicon Valley Bank e Credit Suisse fez com que o guardião da zona euro mudasse o rumo ou abrandasse a subida das taxas de juros diretoras. Mantendo-se fiel ao já antes anunciado aumento de 50 pontos percentuais para este 16 de março, Christine Lagarde escudou-se na "resiliência da banca europeia" para justificar a decisão de voltar a tornar o dinheiro mais caro. Quanto ao futuro, desta vez a presidente do regulador preferiu não indicar o que fará, argumentando que "as decisões do BCE vão sendo tomadas consoante a economia evolui e, neste momento, a incerteza é muito elevada". Garante que o supervisor está atento e disponível para reagir caso seja necessário, mas não se cansa de repetir, porém, que ainda há muito a fazer no combate à inflação, dentro do objetivo de atingir 2% a médio prazo.

"Estamos confiantes de que esta nova subida de 50 pontos base foi uma decisão robusta, tendo em conta todo o caminho que temos pela frente", respondeu Christine Lagarde em conferência de imprensa. Quando questionada sobre futuros aumentos dos juros recorreu "à grande dependência dos dados", para ir monitorizando a evolução dos indicadores económicos e financeiros, e tomar decisões. "Não é possível neste momento determinar o rumo a tomar no futuro", declarou várias vezes aos jornalistas, após a reunião desta quinta-feira, em que o Conselho do BCE que decidiu elevar a taxa de refinanciamento para os 3,5%, com impacto para as empresas e famílias, na hora de pagar mais caro o crédito habitação, por exemplo.

Christine Lagarde
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Sublinhando que "as crises nunca são iguais", Lagarde rejeita, para já, que se esteja numa situação similar à crise financeira de 2008. "Lembro-me claramente do que aconteceu e do que tivemos que fazer. Reformamos a estrutura, chegamos a um acordo com Basileia III. Aumentamos o rácio de capital, aumentamos o rácio de cobertura financeira também”, aproveitou para recordar, concluindo que “os bancos estão numa melhor posição e a arquitetura e regulação da supervisão foi melhorada nos últimos anos". 

Também o vice-governador Luis de Guindos destacou a solidez da banca europeia, frisando que os bancos europeus têm uma exposição muito limitada às instituições americanas que faliram. “Os bancos são resilientes, têm altos rácios de capital, buffers de liquidez robustos, uma exposição limitada às instituições dos EUA”, declarou o responsável espanhol aos jornalistas.

Governos devem começar a cortar nos apoios às famílias e empresas para ajudar a reduzir a inflação

A presidente do BCE aproveitou ainda a ocasião para deixar um apelo aos governos da zona euro para que comecem "rapidamente" a reduzir os apoios orçamentais às famílias e às empresas, para travar a inflação - isto no mesmo dia em que o Governo português aprovou um pacote de medidas de apoios às rendas e ao crédito habitação, em Conselho de Ministros, no âmbito do Mais Habitação.

No entendimento de Lagarde, "é importante começar rapidamente a reduzir essas medidas de forma concertada", quando "os preços da energia baixam", de forma a evitar "aumentar as pressões inflacionistas a médio prazo". 

Até porque, as futuras decisões quanto aos juros, segundo as suas palaras, serão exatamente “determinadas pela avaliação das perspetivas de inflação, à luz dos dados económicos e financeiros que forem sendo disponibilizados, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária”, explicou detalhando que “isto é algo inovador e substancial. Estas três componentes nunca as discutimos e são os três elementos para determinar a nossa reação daqui para a frente”.

Por sua vez, os economistas e analistas ouvidos pelo idealista/news antecipam que o BCE não terá outra alternativa se não continuar a encarecer o preço do dinheiro, uma vez que a inflação está a revelar-se mais difícil de conter do que o esperado, e consideram que o teto das taxas de juro ficará em torno de 4,5%, um ponto acima dos níveis atuais. A única grande mudança que antevêem daqui para a frente é uma possível menor intensidade de futuras subidas das taxas de juro e que a instituição envie mensagens mais contidas ao mercado, sem antecipar movimentos monetários futuros que possam comprometer as suas decisões. 

Conforme explica o economista e professor de economia e finanças Miguel Córdoba, “a inflação ainda está presente nas economias ocidentais. As taxas estão a ser aumentadas gradualmente pelos bancos centrais, mas a inflação permanece e já faz quase dois anos. A única forma eficaz de combatê-la é elevando as taxas de juros para dificultar o acesso das unidades económicas à liquidez e, assim, restringir o consumo, baixando os preços. Assim, as taxas de juro têm de continuar a subir, embora seja verdade que se verifica um certo abrandamento no aumento da inflação e é possível que a meio do ano esta se estabilize”.

Banco Central Europeu
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Recorde-se que a principal missão dos bancos centrais é garantir a estabilidade financeira e de preços, o que se regista quando a taxa de inflação ronda os 2%, bem abaixo dos níveis atuais em ambos os lados do Atlântico. Nos EUA, por exemplo, a inflação ficou em 6% em fevereiro, ante 6,4% em janeiro e somou sua oitava queda mensal consecutiva, segundo dados do Bureau of Labor Statistics (BLS).

Na zona do euro, os preços também têm vindo a baixar, mas a meta do BCE é quatro vezes maior. Segundo o gabinete de estatísticas comunitárias do Eurostat, no segundo mês do ano a inflação situou-se em 8,5%, uma décima abaixo de janeiro, e encadeou quatro meses consecutivos de desaceleração. Por outro lado, a taxa subjacente, que exclui o efeito de energia e alimentação, bateu recorde, atingindo 5,6%.

As novas previsões do BCE sugerem que, em média, a inflação na zona monetária comum se situará nos 5,3% em 2023; em 2,9% em 2024 e em 2,1% em 2025. Portanto, e como enfatiza a organização, "prevê-se que a inflação permaneça muito alta por muito tempo".

Inflação alta justifica previsões de juros em 4,5%

A persistência da inflação é justamente o que leva os especialistas a preverem medidas monetárias mais restritivas por parte dos bancos centrais, por mais turbulência que haja nos mercados financeiros. 

“Os dados de inflação não estão a mostrar a esperada contenção de preços”, reconhece Santiago Carbó, diretor de Estudos Financeiros da Fundação de las Cajas de Ahorros (Funcas).

Nessa linha, Manuel Romera, diretor de serviços financeiros da IE Business School, sustenta que “as taxas vão subir até que a inflação seja controlada e isso ainda está acontecendo muito pouco”. 

Em termos gerais, economistas e analistas consideram viável que as taxas de juro na zona euro ultrapassem os 4% nos próximos meses, embora de momento excluam que cheguem aos 5%. Passado o período de alta, a previsão é que fiquem estáveis ​​por alguns meses antes que cheguem as quedas, algo que pode acontecer em 2024 ou já em 2025, conforme explicou o BCE antes da tempestade financeira desta semana. 

Subida de juros
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“É possível que as taxas na Europa ultrapassem os 4%, chegando a algo em torno de 4,5%, embora se a inflação disparar podem subir ainda mais. A minha aposta é que não ultrapassem 4,5% e que até meados do ano a inflação diminua e deixe de ter fortes altas como até agora”, argumenta Miguel Córdoba a esse respeito. O economista acredita que, uma vez que o preço do dinheiro esteja em torno de 4,5% (e em torno de 5% nos EUA), “os bancos centrais desacelerariam suas medidas e esperariam atentos para ver o que acontece com a inflação”. Se, como é previsível, moderar no segundo semestre, não creio que as taxas subam mais, embora assim permaneçam por vários meses, antes de diminuir gradualmente até atingir um patamar entre 2% e 3% em 2024-2025, o que seria considerado adequado para as economias”.

Na mesma linha, Víctor Fermosel, professor da EAE Business School, também acredita que as taxas de juros poderão ultrapassar em breve os 4%. “É algo que pode acontecer, por mais indesejável que seja a situação económica, com a inflação subjacente completamente descontrolada e alguma incerteza, somada à passividade dos cidadãos, parece uma possibilidade nada remota. O que parece difícil a priori é que ultrapassem os 5% ”.

O diretor de estudos financeiros da Funcas também não descarta que as taxas possam ultrapassar os 4%, embora insista que tudo depende das circunstâncias. Teremos que ver o que acontece nos próximos meses porque o roteiro pode ser parar as subidas antes de chegar lá. O problema é que a inflação está sendo mais "pegajosa" do que o esperado. Por outro lado, será preciso estar atento à evolução da economia porque, se ela sofrer demais, os bancos centrais terão de tirar o pé do acelerador”, insiste Santiago Carbó.

Portanto, os aumentos futuros das taxas de juros dependerão da evolução da economia, da inflação ou de quanto tempo durarem as tensões nos mercados financeiros devido ao temor de uma crise global. Algo que, no momento, os especialistas não veem como viável.

BCE garante estar atento à turbulência nos mercados e disponível para agir

"O ortodoxo é que os juros subam esta semana 0,5 ponto, como aconteceu, e continuem com a mesma política até que a inflação diminua. Os problemas na bolsa estão ampliados por especuladores que procura ganhar dinheiro face a um problema que não é real. O Silicon Valley Bank era um banco mal administrado que só investia em títulos do governo quando as taxas estavam baixas, então não há ativos tóxicos, apenas um spread de taxa de juros negativo, e é por isso que caiu. O Credit Suisse também vinha a arrastar problemas de gestão há cerca de 2 anos e meio e a meter-se em todas as poças. São casos específicos de bancos mal geridos e é bom que o sistema os expulse”, reconhece Miguel Córdoba.

A própria presidente do BCE, Christine Lagarde, precisou na conferência de imprensa após a reunião do Conselho do BCE que o órgão está a "acompanhar atentamente as atuais tensões nos mercados e está preparado para responder no que for necessário para manter a estabilidade de preços e a estabilidade financeira no área do euro". E, para esclarecer dúvidas, insistiu que "o setor bancário da zona euro tem resiliência e sólidas posições de capital e liquidez. Em todo o caso, o BCE dispõe de todos os instrumentos de política monetária necessários para fornecer liquidez de suporte ao sistema financeiro da zona euro se necessário e preservar a boa transmissão da política monetária". 

Nessa linha, o professor da EAE Business School insiste que o ritmo de alta dos juros “vai depender também dos agentes externos. O mundo está em tumulto. O ambiente é claramente de incerteza e isso não é bom para nenhuma economia, especialmente para as mais vulneráveis”.

Famílias em dificuldades
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Da empresa de análise Link Securities acreditam que a partir de agora a instituição manterá uma abordagem reunião a reunião, sem antecipar decisões futuras. "Estamos convencidos de que, a partir de agora, os membros do Conselho de Governadores do BCE serão mais contidos na hora de fazer declarações, adotando o mantra de que seus próximos movimentos dependerão dos dados macroeconómicos que forem divulgados." 

Por seu lado, o departamento de análise do Bankinter considera possível reduzir o ritmo de subida das taxas. “Não há nenhum problema subjacente geral que afete o sistema financeiro americano, muito menos o europeu. Muito provavelmente levará muito pouco tempo para a situação se estabilizar e deixar uma boa consequência: os bancos centrais serão menos agressivos subindo as taxas”.

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