Os investidores estrangeiros têm decidido apostar no imobiliário português no âmbito do programa vistos gold, e continuam a ter interesse. Só desde 2012 até à atualidade foram aplicados 5.652 milhões de euros na compra de imóveis em Portugal por via deste programa, de acordo com os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Mas desde o início do ano que a plataforma destinada a submeter novas Autorizações de Residência por Investimento (ARI) não está a funcionar. E, publicamente, não há qualquer perspetiva de resolução da situação por parte do SEF.
As consequências para o país são muitas e os profissionais da área contactados, no âmbito de uma investigação do idealista/news sobre a paralização do SEF, temem mesmo o pior: que a imagem de Portugal como destino de investimento imobiliário seja manchada lá fora e que afaste mesmo os investidores estrangeiros para países vizinhos.
As dúvidas sobre o congelamento do sistema vistos gold por investimento imobiliário - quer por via de aquisição direta, quer por via de fundos de investimento - são muitas. A alteração à lei que entrou em vigor no início de 2022 – que, recorde-se, veio proibir o investimento em vistos gold nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e também no litoral – é um dos motivos referidos que vem justificar esta situação, até porque a própria plataforma dá a indicação de que o sistema está a "aguardar nova regulamentação" para ser atualizado. E o impasse com a extinção do SEF e transferência de competências para outras entidades - como é o caso do Instituto dos Registos e Notariado e de um novo organismo, a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA) -, é outro fator de risco apontado pelas fontes ouvidas pelo idealista/news.
A verdade é que os estrangeiros fizeram os seus investimentos imobiliários avultados no país – de 500 mil euros ou 1 milhões de euros, por exemplo – e na hora de pedir os vistos gold ou renová-los não conseguem fazê-lo por indisponibilidade do sistema informático. E ninguém sabe ao certo quando é que a plataforma ARI vai estar operacional para dar seguimento a estes pedidos.
No que diz respeito aos vistos gold, o impasse está instalado. E o idealista/news foi descobrir o que sentem os profissionais que lidam com estas questões diariamente e que consequências antecipam para o futuro do investimento imobiliário estrangeiro no país. O SEF, o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Economia e o Ministério dos Negócios Estrangeiros foram contactados sobre este tema, mas até à data da publicação desta notícia não foi obtida qualquer resposta, apesar das várias tentativas realizadas.
Quais são as consequências da paralisação dos vistos gold para o investimento imobiliário?
Gera constrangimentos aos investidores em vistos gold
Os investidores estrangeiros continuam a fazer os seus investimentos imobiliários em Portugal para ter acesso ao programa vistos gold. Mas o que acontece é que na hora de pedir os vistos, deparam-se com um sistema congelado e não há qualquer perspetiva de que a situação seja resolvida no curto prazo.
“Com a nova lei a maioria dos investimentos, mesmo em fundos, passou de acima dos 500.000 euros e, portanto, o que acontece é que nós temos clientes que assumem mesmo que vão processar o Estado por causa deste atraso e que, se a lei mudar, que estão completamente desprotegidos”, explica Raquel Roque, sócia da CRS Advogados.
Os investidores estrangeiros debloquearam capital para terem acesso ao programa vistos gold, “mas se soubessem que ia demorar tanto tempo, não tinham já aplicado o capital, teriam esperado mais uns meses porque, no fundo, não conseguem ter grande rentabilidade ainda, já que não têm a certeza de conseguirem a submissão do visto gold”, partilha a advogada com o idealista/news.
Também um consultor imobiliário que trabalha com vistos gold há 12 anos – e, portanto, desde o início do programa – e preferiu salvaguardar a sua identidade, admite que o “grande desafio” passa mesmo por lidar com os investidores estrangeiros. Isto porque alguns são “mais pacientes e compreendem”, mas outros estão a “desesperar”. E todo este cenário de incerteza acaba por “afetar a boa imagem de qualquer profissional”, admite “Isto tem danos de imagem e nome muito sérios, que são dificilmente são reparáveis”, conclui.
Afastam investimento imobiliário estrangeiro
“Os problemas que eu vejo é que as pessoas não querem investir em Portugal porque não têm confiança no sistema”, resume João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. Isto porque, na prática, questionam quanto tempo irá demorar para obter uma autorização de residência e os profissionais não têm qualquer resposta para dar.
Neste momento, “o problema é que nós não temos lapso temporal para dar, porque pura e simplesmente o sistema [ARI] não está a funcionar e essa incerteza afasta quem quer investir para obter um determinado título. Quem investe para obter um título de residência através de um investimento é claro que não vai fazer”, conclui ainda João Massano, sublinhando que “não é de boa-fé”, o país convidar os estrangeiros para investir no país em troca do vistos gold e depois não honra as obrigações e compromissos que assume, não dando sequer “condições para manterem o título de residência válido”.
Também Raquel Roque antevê e até já começou a notar “uma falta de interesse muito grande por parte de investidores e, portanto, isto claro que vai ter impacto no setor imobiliário em Portugal”. Até porque, como adianta o consultor imobiliário, a informação está a ser divulgada lá fora por via de meios de comunicação internacionais, redes sociais e grupos de WhatsApp e geram “receio” nos investidores que esbarram nela.
"Assim estamos a inviabilizar um dos programas que mais investimento estrangeiro tem trazido ao nosso país, estamos a inviabilizar que possa funcionar nesta altura em que todo o investimento, neste caso internacional, é bem-vindo. Estamos a paralisar essa fonte de receita para o nosso país”, presidente da APPII
“Neste momento, é difícil até conseguirmos angariar clientes golden visa. Está muito difícil conseguir estabelecer uma relação com o investidor, porque o investidor precisa de um mínimo de claridade, um mínimo de procedimento, um mínimo de transparência”, confirma Lidiane de Carvalho, advogada e coordenadora do departamento de imigração da Lexidy Portugal. E como não se sabe quando vão poder aceder ao visto de residência no país, “isso gera uma insegurança jurídica tremenda”, aponta.
Esta situação para Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidos Imobiliários (APPII), “é dramática”. “Quando há esta perceção de que o sistema está parado, naturalmente os novos investidores o que dizem é que para já não vão avançar até ter a certeza de que este problema está resolvido e, portanto, não vão avançar com novos investimentos até ter a certeza que ao fazerem o investimento têm acesso àquilo que o país lhes prometeu, que é uma autorização de residência para investimento e, portanto, a entrada no espaço Schengen. Isso naturalmente está a afastar muitos investidores”, conclui.
Investimento é desviado para países concorrentes
Portugal não é o único país que tem o programa vistos gold. “E a maioria das pessoas não escolhe Portugal por ser Portugal em específico, escolhe por ser um país da União Europeia. Ou seja, querem ter acesso ao espaço Schengen”, começa por explicar uma advogada e sócia-gerente de uma sociedade de advogados especialista em imigração em declarações ao idealista/news, que preferiu não revelar a sua identidade.
O que acontece é que ao saberem que a atribuição de autorização de residência está congelada - não são só para os vistos gold, mas também os tech visa, os startup visa e outros tipos – “os investidores estrangeiros podem começar a preferir outros países que têm programas semelhantes, como Grécia, Malta e até Espanha”, admite ainda indicando que “também o mercado imobiliário vai sofrer as consequências da quebra desse investimento estrangeiro”.
Como, hoje, os preços por metro quadrado dos imóveis localizados em cidades como Lisboa e Porto já estão alinhados com algumas capitais europeias – e, portanto, as rentabilidades para são similares – os investidores acabam por ir para onde a gestão da documentação é mais fácil e ágil, como é o caso da Grácia e Itália. “Temos muitas pessoas quando começam a ver a carga burocrática (…) para imóveis do mesmo tipo ou para volumes de investimento do mesmo tipo, uma boa franja decide ir para destinos muito, mas muito menos burocráticos, muito mais ágeis. E nem é bem questão da burocracia, eu acho que é mesmo de agilidade, porque vai sempre haver um bom advogado, um bom solicitador que trata da documentação. A questão é, depois de entregar os documentos, saber o tempo que vai demorar”, explica o consultor imobiliário.
“Num plano macro, temos que pensar que nós estamos num momento de grande competição entre a mobilidade de investidores, trabalhadores e nómadas digitais. Os países estão hoje em dia em plena competição internacional. Então, hoje, um investidor que quer investir num país europeu (…) vai avaliar as opções que tem: pode vir para Portugal, pode ir para França, pode ir para a Grécia, por exemplo. Eu acho que Portugal tem uma excelente política de atração desses investidores em tese, tem um bom sistema normativo e uma intenção política de receber os nómadas digitais, de os profissionais qualificados, de receber esse investimento. Mas a prática administrativa não condiz com essa realidade. E se o interesse macro do país é a atração desse tipo de estrangeiro, vai começar a perder garantidamente na competição internacional”, alerta a advogada Lidiane de Carvalho, que refere ainda que o Governo português deveria olhar para o exemplo dos seus pares nesta matéria e promover a transparência administrativa.
Portugal ficará com imagem internacional manchada
Todo este impasse no sistema ARI, quer para a submissão de novos processos de vistos gold, como para a renovação de vistos, terá ainda um preço a pagar: a imagem de Portugal enquanto país de investimento imobiliário ficará manchada, seja por via do programa vistos gold ou não.
“Não podemos ter um programa de captação de investimento para nosso país, onde as coisas não andam. Isso é inadmissível. Não se pode prometer vistos aos investidores que avançam com os seus investimentos de avultadas quantias, como 500.000 euros, 1 milhão de euros, e depois nada acontece. Não pode ser. É a credibilidade do país que está em causa”, referiu o presidente da APPII.
A mesma opinião é partilhada pelo presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados: “O nosso país está a ficar com uma péssima reputação internacional em relação a quem está, no fundo, a cruzar o SEF no caminho. E isto, em termos de reputação e imagem do país é terrível, porque estamos a falar de pessoas que preenchem as condições para ter um título válido de permanência em Portugal e pura e simplesmente o Estado português não lhes consegue dar forma de fazerem as renovações. Isto não é de boa-fé do Estado português”, concluiu João Massano.
Também a advogada Raquel Roque adianta que este impasse no sistema ARI do SEF “está a passar uma péssima imagem lá para fora. E depois as pessoas olham para Portugal como um todo, ou seja, não vão separar”, refere ainda admitindo que outros profissionais imobiliários também vão ficar rotulados. “Isto passa uma péssima imagem e um descrédito enorme de todos”, conclui. E o mesmo diz Hugo Santos Ferreira: este cenário “mancha a credibilidade do país enquanto destino de investimento”.
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