
Durante várias décadas, os centros históricos das cidades portuguesas foram deixados à sua própria sorte. Mas tudo mudou há cerca de dez anos, quando um movimento de reabilitação urbana chegou a Portugal, transformando as cidades por completo. A reabilitação de edifícios passou, portanto, a estar na agenda dos promotores imobiliários, bem como dos investidores estrangeiros, que, muitas vezes, reabilitavam imóveis antigos em troca de vistos gold. Desde outubro de 2012 até novembro de 2022, foram investidos 516 milhões de euros na reabilitação de edifícios, um valor que representa apenas 8,6% do investimento em imobiliário somado por via dos golden visa. Isto quer dizer que a reabilitação urbana tem atraído menos vistos dourados do que a aquisição de imóveis, muito embora seja requerido um investimento mínimo 30% mais barato. Mas esta tendência está a dar sinais de mudança em 2022, num momento em que o Governo está a avaliar o fim dos vistos gold.
No nosso país, o dinamismo da reabilitação urbana acentuou-se há cerca de dez anos. Uma data que coincide com o início do programa de Autorizações de Residência por Investimento (ARI) em Portugal – fez uma década em outubro. E os dados dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) mostram que ambos andaram de mãos dadas desde 2012 até à atualidade, já que o programa golden visa foi responsável por atrair mais de 516 milhões de euros para a reabilitação urbana, mediante a aquisição de edifícios antigos por, pelo menos, 350.000 euros. Este capital movimentado durante dez anos concedeu 1.445 autorizações de residência a investidores estrangeiros, que passaram a poder residir no nosso país, bem como viajar livremente pelo espaço Schengen.
O que os dados do SEF também permitem concluir é que o investimento em reabilitação urbana representa apenas 8,6% do montante alocado ao mercado imobiliário português por via do programa vistos gold, que totalizou 5.981 milhões de euros nos últimos dez anos. E onde foi aplicado, afinal, a maior fatia do investimento? À aquisição de imóveis a partir de 500 mil euros, que representou 91,4% do investimento total em imobiliário e atribuiu um total de 9.043 vistos dourados neste período.
Estes dados revelam, desde logo, duas preferências dos investidores estrangeiros para obtenção de vistos dourados no nosso país ao longo dos últimos dez anos:
- tendem a investir no mercado imobiliário: montante somado nos últimos dez anos representa cerca de 90% do investimento total, de 6.674 milhões de euros. Com este investimento no programa foram concedidas 11.384 ARI, 10.488 por aquisição de bens imóveis, 874 por transferência de capitais e 22 por criação de postos de trabalho. O maior número de ARI foi concedido a cidadãos oriundos da China, Brasil e Turquia;
- preferem aplicar mais capital na aquisição de imóveis do que na reabilitação, muito embora seja 30% mais caro.
Como está a evoluir o investimento em reabilitação urbana por via dos vistos gold em 2022?
No início do ano, os investidores estrangeiros depararam-se com alterações ao programa dos vistos gold: passaram a não poder adquirir casas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e no litoral para obtenção das autorizações de residência em Portugal. Estas alterações legislativas também tiveram impacto na agilização dos processos, já que a plataforma ARI – utilizada para submeter os pedidos de vistos gold – esteve inoperacional nos primeiros cinco meses do ano, indicando que estava a aguardar regulamentação, tal como noticiou o idealista/news.
Depois de terem sido travados vários processos de obtenção de vistos dourados no início do ano, alguns membros do Governo de António Costa vieram a público dizer que, afinal, o SEF não precisava de qualquer regulamentação para aplicar a alteração legislativa ao programa dos golden visa e, pouco tempo depois, a plataforma ARI passou a estar operacional.
Mas o que mudou, afinal, no programa dos vistos gold desde o início do ano? E o que se manteve? Raquel Roque, advogada e sócia da CRS Advogados, explica ao idealista/news que com as alterações introduzidas que entraram em vigor no dia 1 de janeiro de 2022, o investimento nesta modalidade continuou a ser o seguinte:
- Adquirir um imóvel num valor mínimo de 500.000 euros;
- Adquirir um imóvel num valor mínimo de 350.000 euros com mais de 30 anos ou inserido numa área de reabilitação urbana e realizar obras de reabilitação.
“A diferença é que o investimento em propriedades para fins de habitação apenas passou a ser possível em território interior e nas ilhas de Portugal. No restante território é possível aquisição de imóveis com os mesmos valores mínimos desde que não se destinem a fins habitacionais (comercial, serviços, etc.)”, esclarece ainda a advogada.
Também houve alterações para investimentos em habitação em territórios de baixa densidade do país: o valor previsto quer em aquisição de imóveis, quer em compra de edifícios para reabilitar foi reduzido em 20% passando a ser de 400.000 euros e 280.000 euros, respetivamente.
Os dados do SEF apontam que, em 2022, o investimento imobiliário continua a representar a maioria do montante alocado ao país por via dos vistos gold. “O investimento em propriedade é o tipo de investimento mais escolhido para a Autorizações de Residência por Investimento”, sublinha Raquel Roque. Agora, o que acontece é que os investidores estrangeiros começaram a procurar alternativas para continuar a investir na Grande Lisboa e no Grande Porto, apostado, por exemplo, no investimento comercial. Mas não só.
Além disso, a reabilitação de imóveis antigos passou a ter outra expressão desde janeiro até novembro de 2022: somou um investimento superior a 153 milhões de euros, mais 85% do que em igual período de 2021. E passou a representar 32% sobre o investimento total alocado ao imobiliário, mais 10 pontos percentuais (p.p) do que no ano passado. O número de vistos gold atribuídos por via da reabilitação de imóveis também quase duplicou: passaram de 243 nos primeiros 11 meses do ano passado para 441 em igual período de 2022. E houve cinco meses em 2022 em que o número de ARI atribuídas por via da reabilitação urbana superou os vistos gold concedidos por via da aquisição de imóveis - em fevereiro e em março a diferença chegou aos 13 vistos.
Por seu turno, a aquisição de imóveis por, pelo menos, 500.000 euros reuniu um investimento total superior a 320 milhões de euros de janeiro até novembro deste ano, mais 7% do que no período homólogo. Mas perdeu peso face ao investimento imobiliário total alocado ao programa dos golden visa no nosso país, passando de 78% em 2021 para 68% em 2022. Já o número de ARI caiu entre estes dois momentos: de 475 nos primeiros 11 meses de 2021 para 467 no mesmo período deste ano (-8 ARI).
Vistos gold dinamizam reabilitação urbana em 2022- mas será que chega?
Contas feitas, os dados do SEF indicam que o investimento na reabilitação urbana por via dos vistos gold deu o salto em 2022 depois da alteração ao programa, criando um maior dinamismo na transformação das cidades. Mas, ainda assim, a atividade da reabilitação urbana em Portugal está a cair desde agosto até outubro de 2022 face ao mesmo período do ano passado, segundo apontam os dados da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN).
“Em outubro de 2022, com base nos dados obtidos no inquérito realizado pela AICCOPN junto dos empresários do setor que atuam no segmento da reabilitação urbana, verifica-se uma redução das perspetivas de evolução do mercado da reabilitação urbana”, destaca a associação no boletim de novembro enviado às redações. Em concreto, verificou-se que os indicadores qualitativos do mercado da reabilitação urbana variaram da seguinte forma:
- Nível de atividade caiu 10,4% em outubro em termos homólogos (-6% em setembro e -4,6% em agosto);
- Carteira de encomendas desceu 4,1% em outubro (+1,8% em setembro e +1,2% em agosto).
Também a produção contratada na reabilitação urbana caiu em outubro face aos meses anteriores. Segundo aponta a AICCOPN, o tempo assegurado de laboração a um ritmo normal de produção fixou-se em 8,9 meses em outubro, o que representa uma redução face aos 9,5 meses apurados em setembro e aos 9,9 meses registados em agosto.
Importa recordar que, embora a atividade de reabilitação urbana esteja contrair no país, os promotores e investidores imobiliários contam, hoje, com um conjunto de incentivos à reabilitação dos edifícios antigos nas cidades:
- IVA a 6% na reabilitação de imóveis com mais de 30 anos, dentro ou fora das Áreas de Reabilitação Urbana (ARU’s);
- Agravamento do IMI de imóveis devolutos em zonas de pressão urbanística;
- Apoios à eficiência energética que incentivam obras de reabilitação;
- Maior rentabilidade do investimento, dada a subida dos preços das casas.
Mas ainda há trabalho a fazer. Pedro Alves, membro do conselho de administração da Splendimension, acredita que falta acelerar os processos de licenciamento para incentivar a reabilitação de imóveis em Portugal. “Agilizar os processos de licenciamento por parte das câmaras é uma medida fundamental, mais do que benefícios fiscais, mais do que incentivos, mais do que qualquer outra medida que tenha custos para os contribuintes”, sublinhou ao idealista/news Pedro Alves, em representação da empresa estrangeira que já reabilita imóveis no país há 10 anos com um investimento estimado de 100 milhões de euros.

Fim dos vistos gold em estudo - mas investimento sobe 40% em novembro
O programa dos vistos gold ajudou, de facto, a dinamizar ainda mais a reabilitação urbana das cidades nos últimos anos, uma tendência que ganhou um novo ânimo em 2022, com a entrada em vigor das alterações ao programa. E a verdade é que os vistos gold tornam-se ainda mais importantes num momento em que a atividade de reabilitação urbana em Portugal caiu nos últimos três meses. Mas, mesmo assim, a polémica voltou a estar instalada em torno do programa no início de novembro, com António Costa a admitir em plena WebSummit que o fim dos vistos gold está em cima da mesa.
“Há programas que nós estamos neste momento a reavaliar e um deles é o dos vistos gold que, provavelmente, já cumpriu a função que tinha a cumprir”, disse o primeiro-ministro na ocasião. Dias depois, o ministro da Economia, António Costa Silva, adiantou que o Governo estava a criar um grupo de trabalho com os ministérios da Economia, dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, para avaliar o fim dos vistos gold.
Embora nenhuma decisão tenha sido tomada, só o anúncio do primeiro-ministro criou uma onda de preocupação no seio dos promotores e investidores imobiliários. Foi “com grande surpresa, mas também preocupação e consternação que o setor imobiliário viu este anúncio. Vem trazer ruído e ainda mais instabilidade a um mercado que, fruto do cenário macroeconómico e geopolítico internacional, já está a viver”, disse o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), em entrevista ao idealista/news logo após o anúncio de António Costa.
Na visão de Hugo Santos Ferreira, o que o programa dos vistos gold precisa é de evoluir: “O programa dos vistos gold pode e deve evoluir (...) fazendo face às nossas necessidades. A grande necessidade, que se agrava todos os anos, é a falta de habitação, que pode e deve ser resolvida pela criação de mais oferta, nomeadamente na construção nova. Essa podia ser uma boa forma de redesenhar o programa de forma a incentivar a construção nova", afirmou na mesma entrevista.
Também Oleg Railean, CEO e cofundador da Amber Star Imobiliária, considera que devem ser encontradas alternativas à aplicação do programa vistos gold no país. “Temos é de encontrar as melhores soluções, aquelas que ajudam ao desenvolvimento do mercado imobiliário em Portugal e da economia portuguesa em geral”, disse em entrevista ao idealistas/news, frisando que nesta equação também há que ter em conta o que os investidores precisam para criar relações ‘win-win’, em que as duas partes saem vencedoras.
O que é certo é que só o facto de se estar a estudar o fim dos vistos gold no país tem criado alarido na comunidade internacional, afetando a imagem do país lá fora. “As pessoas que estavam a pensar em investir em Portugal acreditam mais naquilo que diz o primeiro-ministro, do que aquilo que diz a lei portuguesa. Esta situação dá uma imagem negativa para Portugal”, partilha ainda Oleg Railean.
Apesar das alterações à lei, de a plataforma ARI ter estado congelada vários meses e de o primeiro-ministro estar a estudar o fim dos vistos gold, o programa captou um investimento total de 65,6 milhões de euros em novembro, mais 40% do que no mês homólogo e mais 48% face a outubro. E, uma vez mais, a compra de bens imóveis representou a grande fatia do investimento, 54,6 milhões de euros, dos quais 12,3 milhões dizem respeito à reabilitação urbana.
Foram concedidos um total de 121 vistos gold só em novembro, mostram os dados do SEF, dos quais 95 para a aquisição de bens imóveis (36 para reabilitação urbana) e 26 por via da transferência de capitais. E a quem foram atribuídos os títulos de residência no nosso país? Sobretudo a cidadãos dos EUA (18), do Reino Unido (14), China (13), Brasil (10) e África do Sul (10).
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