
Devia apostar-se mais em Portugal na construção em altura e/ou vertical, nas chamadas torres residenciais? Será este um dos caminhos a seguir tendo em vista o desejado aumento da oferta de casas no mercado, dando assim resposta à crise na habitação? Que países são bons e maus exemplos deste tipo de desenvolvimento urbanístico? “Essa discussão tem quase um século, quando o movimento moderno fez emergir o debate das cidades verticais num contexto da cidade industrial do século XX”, começa por explicar ao idealista/news Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos (OA).
Neste artigo tentámos perceber, com a ajuda de especialistas, se construir em altura será uma solução que ajuda a “fintar” a crise na habitação. Mas como funciona nos outros países do mundo? Há bons exemplos a seguir? Onde e quais são? Tem a palavra quem sabe, quem projeta e desenvolve empreendimentos ou anda no terreno a construir e a vender casas.
Da União Soviética à América
Avelino Oliveira regressa ao passado e lembra que a “construção em altura proliferou nas periferias das cidades europeias, desde logo nos bairros dos países da União soviética que apresentavam uma arquitetura padronizada e funcional”. “Os edifícios eram frequentemente construídos em blocos de betão pré-fabricado, com desenho geometrizado e pouca relação identitária com a cidade”, conta.
Continuando além-fronteiras, o presidente da OA dá como exemplos as cidades de Paris e Marselha (França), Frankfurt e Berlim (Alemanha) e a holandesa de Amesterdão, onde “proliferaram modelos de habitação multifamiliar concentrada, desde os 'siedlungen' alemães às unidades de habitação francesas de inspiração corbusiana”.
“A história recente da arquitetura demonstrou que não é o modelo ou tipo de edificação que define a qualidade ou a eficácia da cidade, não resolvendo por si o problema de cada lugar”
Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos
“Já a América latina ou América do Norte tiveram diversos modelos, uns com mais sucesso, como Nova Iorque (EUA), Chicago (EUA), etc., outros manifestamente prejudicando a vida em comunidade, como São Paulo (Brasil), Cidade do México (México), Medelín (Colômbia) ou mesmo Londres (Reino Unido)”, prossegue.
Em jeito de conclusão, Avelino Oliveira sublinha que “a história recente da arquitetura demonstrou que não é o modelo ou tipo de edificação que define a qualidade ou a eficácia da cidade”, não resolvendo “por si o problema de cada lugar”.

Um bom exemplo em Espanha
Do lado da construção, António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais considera que “a questão dos bons e maus exemplos no desenvolvimento urbanístico, especialmente no que se refere à construção em altura, é complexa e depende de vários fatores”.
E concretiza: “Um bom exemplo de desenvolvimento urbanístico pode ser encontrado no município de Tres Cantos, na Comunidade de Madrid (Espanha). É um caso notável de planeamento urbano desde a sua conceção na década de 1980. Tres Cantos foi projetada com uma visão de crescimento sustentável e planeado, incorporando espaços verdes, infraestruturas adequadas e uma mistura equilibrada de uso do solo. Esta abordagem permite que a cidade cresça de maneira ordenada, mantendo a qualidade de vida dos seus habitantes e a sustentabilidade ambiental”.
Por outro lado, afirma, há muitos exemplos de cidades onde se assiste a “um crescimento desregulado”, muitas vezes devido à ausência de políticas adequadas para gerir o crescimento urbano. “Nestes casos, o desenvolvimento urbanístico pode levar a problemas como a expansão descontrolada, infraestruturas insuficientes, congestionamentos, poluição e uma diminuição geral da qualidade de vida”, comenta.

De Hong Kong e Vancouver a Manila e Caracas
Diogo Abecasis, Co-Founder & Managing Partner da MAP Engenharia, tem a mesma linha de pensamento, frisando que “o desenvolvimento urbanístico, especialmente em relação à construção em altura, varia significativamente de país para país”.
E deixa, também, alguns exemplos do que foi feito noutras geografias: “Algumas metrópoles que são frequentemente citadas como bons exemplos são Singapura e Hong Kong, porque utilizam a construção vertical para otimizar o uso do espaço limitado, ambientes urbanos densos e integrados. Vancouver (Canadá) também é reconhecida pelo seu planeamento urbano sustentável, que inclui construções em altura para acomodar o crescimento populacional enquanto preserva espaços naturais e mantém uma qualidade de vida elevada”.
E maus exemplos, há? Sim, e “toda a gente os reconhece, mesmo quem nunca visitou”, desabafa Diogo Abecasis. “Destacaria Manila (Filipinas) pelo crescimento desordenado e falta de planeamento urbano. A cidade de Mumbai (Índia), que enfrenta graves desafios relacionados com a construção em altura, nomeadamente com a presença de favelas e construções improvisadas. Para não me alongar demais, termino com Caracas (Venezuela), onde a construção em altura não foi acompanhada por um planeamento urbano adequado, o que resultou em sérios problemas sanitários, de trânsito, segregação social e falta de espaços verdes”.

Do Japão à Alemanha
Luís Gamboa, COO da promotora imobiliária VIC Properties, é da mesma opinião, salientando que é possível encontrar “bons e maus exemplos em muitos países”. “Os nórdicos, como a Suécia e a Dinamarca, são conhecidos pelo equilíbrio do design dos espaços urbanos, que equilibra altura e densidade com espaços verdes. No entanto, não são países com elevada densidade populacional, como é o Japão, onde a aposta em construção em altura é uma necessidade devido ao espaço limitado para construção. Ainda assim, cidades como Tóquio gerem bem a construção dos seus edifícios altos residenciais”, explica.
"Os nórdicos, como a Suécia e a Dinamarca, são conhecidos pelo equilíbrio do design dos espaços urbanos, que equilibra altura e densidade com espaços verdes. No entanto, não são países com elevada densidade populacional, como é o Japão, onde a aposta em construção em altura é uma necessidade devido ao espaço limitado para construção. Ainda assim, cidades como Tóquio gerem bem a construção dos seus edifícios altos residenciais"
Luís Gamboa, COO da VIC Properties
A nível europeu, argumenta o especialista, também há ‘case studies’ interessantes e a ter em conta: “Daria como exemplo a Alemanha, nomeadamente cidades como Berlim e Frankfurt, onde existem diversos exemplos de construção em altura com uma excelente conjugação de espaços, com a construção a ser feita com uma elevada consideração pela integração urbana, eficiência energética e design estético”.
Mais comedido nas palavras, quando questionado sobre que países são bons e maus exemplos neste tipo de construção, em altura, é Gonçalo Ahrens Teixeira. O Managing Partner & CEO da Mondego Capital Partners considera que “em todo o mundo desenvolvido esta prática é corrente”. “Vejo que as principais capitais da Europa têm permitido a construção em altura, não há bons e maus exemplos, há a coragem de fazer diferente”, analisa.

Com prédios altos há menos sol e mais vento?
Outro dos players do setor imobiliário e da construção ouvidos pelo idealista/news é Pedro Pires, CEO da Arcada Imobiliária. Sem dar exemplos concretos, o responsável lança para discussão assuntos mais genéricos, mas igualmente a ter em conta.
“Nas grandes cidades onde prevalecem volumetrias de construção em altura a sombra dos edifícios reduz a disponibilidade de sol e a proximidade entre prédios de grande porte acaba por produzir grandes corredores de vento. E nas cidades costeiras as sombras dos mesmos tornam as praias menos atraentes”, sustenta. “Todos estes fatores podem ser prejudiciais para quem habita nestas regiões das cidades, [pelo que] limitar o tamanho dos prédios pode trazer ganhos nestas situações”, conclui.
"Nas grandes cidades onde prevalecem volumetrias de construção em altura a sombra dos edifícios reduz a disponibilidade de sol e a proximidade entre prédios de grande porte acaba por produzir grandes corredores de vento. E nas cidades costeiras as sombras dos mesmos tornam as praias menos atraentes"
Pedro Pires, CEO da Arcada Imobiliária
Já Nuno Garcia, Diretor-Geral da GesConsult, considera, sem mencionar em concreto a construção em altura, que “bons exemplos de desenvolvimento urbanístico apresentam coerência urbanística e qualidade de vida para os habitantes”. “As pessoas que vivem nestes locais sentem-se integradas e confortáveis, pois têm acesso a todos os serviços essenciais e podem usufruir de espaços públicos de qualidade”, diz.
Sobre os maus exemplos de desenvolvimento urbanístico, sustenta que “são os que não cumprem critérios de coerência urbanística ou qualidade de vida para quem lá reside”. “Estes exemplos são caracterizados por uma má integração entre os diferentes elementos da cidade”, conclui.
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