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Lei de Bases da Habitação aprovada: guia que ajuda a perceber o que afinal vai mudar
Alistair MacRobert/Unsplash

A Lei de Bases da Habitação – a primeira em Portugal – foi aprovada sexta-feira (5 de julho de 2019), em votação final global, na Assembleia da República (AR), com os votos a favor de PS, PCP, BE, PEV e PAN, e os votos contra de PSD e CDS-PP. Após promulgação pelo Presidente da República, o diploma entra em vigor “no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação” no Diário da República (DR). Fica a saber tudo o que muda com a Lei de Bases da Habitação, que demorou mais de um ano, a nascer e traz mudanças para a vida dos portugueses e quem faz negócio no imobiliário.

O diploma aprovado foi consensualizado entre os deputados do grupo de trabalho parlamentar da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades, no âmbito do processo de apreciação dos projetos de lei de PS, PCP e BE para a criação da Lei de Bases da Habitação, que suscitaram cerca de 100 propostas de alteração, apresentadas pelos diferentes grupos parlamentares, incluindo PSD e CDS-PP.

A favor deste diploma, o grupo parlamentar do PS, que suscitou o tema com a apresentação de um projeto de lei, em abril de 2018, da autoria da deputada independente do PS Helena Roseta, aceitou retirar a sua iniciativa legislativa, assim como PCP e BE, que também tinham projetos próprios, escreve a Lusa.

O Estado é o garante do direito à habitação”, lê-se no diploma da Lei de Bases, indicando que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

Além da “efetiva garantia desse direito a todos os cidadãos”, o diploma estabelece a função social da habitação, em que “os imóveis ou frações habitacionais detidos por entidades públicas ou privadas participam, de acordo com a lei, na prossecução do objetivo nacional de garantir a todos o direito a uma habitação condigna”.

“Um momento histórico”, diz Helena Roseta

Para Helena Roseta, a criação de uma Lei de Bases da Habitação é um “momento histórico”. “A Lei de Bases não vai dar propriamente casas a ninguém, mas vai ter duas consequências muito importantes”, disse, citada pelo Notícias ao Minuto. 

A primeira consequência “é que é uma lei que está do lado das pessoas, que concretiza o que significa ter direito à habitação e os mecanismos para defendê-lo, que é extremamente importante, adiantou Helena Roseta, referindo-se, por exemplo, aos despejos, frisando que “ficam coisas garantidas e salvaguardadas porque o direito à habitação é um direito fundamental da pessoa humana”. 

“[Em segundo lugar, esta lei] obriga o Estado a ter um papel que até agora não tem tido na política de habitação em Portugal, a apresentar a sua política de habitação ao Parlamento, que tem que ser aprovada e que tem de ser acompanhada por relatórios anuais. As leis são fundamentais para um país funcionar”, explicou Helena Roseta.

O que muda com a Lei de Bases da Habitação?

Para te ajudar a perceber o que traz de novo ao setor imobiliário a Lei de Bases da Habitação, nomeadamente ao segmento residencial, o ECO preparou um pequeno guia com perguntas e respostas sobre o tema que aqui sintetizamos. Ora vê:  

Estado deve promover o uso de habitações públicas

Ficou definido que o “Estado é o garante do direito à habitação” e que este deve promover o uso das habitações públicas que estejam devolutas, incentivado também o uso das habitações privadas que estejam na mesma situação, sobretudo em zonas centrais. O Estado deverá colocar imóveis públicos em programas destinados ao arrendamento, fomentando o acesso à habitação com rendas compatíveis com os rendimentos das famílias.

A lei prevê ainda que as condições de habitabilidade dos imóveis públicos, arrendados ou subarrendados, têm de ser fiscalizadas periodicamente, para combater “situações irregulares ou encapotadas de arrendamento ou subarrendamento habitacional, nomeadamente quartos para estudantes”.

Política Nacional e Municipal de Habitação

A lei prevê a criação do Programa Nacional de Habitação, um documento com até seis anos de validade, no qual constarão todas as carências habitacionais, e do qual fará parte a Política Nacional de Habitação, que implica a mobilização do património público para arrendamento e a promoção da construção, reabilitação ou aquisição para habitação pública. Deverá ainda ser criado o Conselho Nacional de Habitação, responsável por elaborar o Relatório Anual de Habitação.

Também as regiões autónomas e as autarquias podem programar e executar as suas próprias políticas de habitação, criando a Carta Municipal de Habitação, o Relatório Municipal da Habitação e o Conselho Local de Habitação. Os municípios poderão ainda fixar taxas diferenciadas de impostos de habitação.

Apoios e subsídios para os cidadãos

A lei prevê a criação de subsídios para os cidadãos que não tenham condições de aceder ao mercado privado de habitação, para os jovens, para famílias monoparentais ou numerosas em situação de especial vulnerabilidade económica.

Além disso, ficaram definidas “medidas de proteção especial” para jovens, cidadãos portadores de deficiência, pessoas idosas e famílias com menores, monoparentais ou numerosas e ainda uma “proteção adicional” para os sem-abrigo, menores vítimas de abandono ou maus tratos, vítimas de violência doméstica, de discriminação ou marginalização habitacional.

Habitações devolutas

A lei estipula que a habitação que se encontre, “injustificada e continuadamente”, sem uso habitacional, “por motivo imputável ao proprietário”, será considerada devoluta, estando o proprietário sujeito a multas. Mas não podem ser consideradas devolutas as segundas habitações, as habitações de emigrantes e as de pessoas deslocadas por razões profissionais ou de saúde.

Durante processos de reabilitação urbana de iniciativa ou gestão pública, “podem ser mobilizados temporariamente, para realojamento provisório, imóveis públicos devolutos requisitados para o efeito pelas entidades gestoras do processo”.

Proteção em situações de despejo

Ficou previsto que o despejo de habitação permanente não pode ocorrer durante a noite, a não ser em caso de emergência. Além disso, o Estado e as autarquias não podem despejar os cidadãos ou famílias sem garantir previamente soluções de realojamento. Ficou ainda definido, em casos de despejos, a “não execução de penhora para satisfação de créditos fiscais ou contributivos (…) quando esteja em causa a casa de morada de família”.

Além disso, as pessoas e famílias carenciadas em risco de despejo ou que tenham sido sido despejadas e não tenham uma alternativa, têm direito a “atendimento prioritário” pelas entidades competentes e apoio necessário, “após análise caso a caso”, para ter acesso a uma habitação adequada.

Acelerar de processos de heranças indivisas

Ficou definido que o Estado deve “assegurar a celeridade dos processos de inventário e judiciais de heranças indivisas que incluam bens imóveis com aptidão habitacional”.

Promoção pública de arrendamento

A lei prevê que o Estado e as autarquias podem afetar parte do seu património a programas habitacionais públicos, podendo os imóveis serem disponibilizados “em regime de direito de superfície, salvaguardando a manutenção da propriedade pública”. No entanto, e mediante autorização da entidade pública proprietária, estes poderão ser “utilizados como garantia para efeitos de contração de empréstimos”. O Estado deve discriminar “positivamente o arrendamento sem termo ou de longa duração”.

No mercado privado de arrendamento, o Estado deve promover e criar “seguros de renda aplicáveis a todos os tipos de arrendamento”, “mecanismos de garantia mútua alternativos à necessidade de fiador” e instrumentos que garantam a “defesa dos direitos de senhorios e arrendatários” nos casos de incumprimento. Ficou ainda proibido o assédio no arrendamento.

Crédito à habitação

Ficou aprovada a dação em cumprimento da dívida à banca, permitindo que a entrega da casa ao banco salde dívidas. Contudo, isso só pode acontecer se estiver “contratualmente estabelecido, cabendo à instituição de crédito prestar essa informação antes da celebração do contrato” ou quando os devedores de crédito à habitação estejam em “situação económica muito difícil”, podendo ser-lhes aplicado um “regime legal extraordinário de proteção”.

A lei prevê ainda que nos créditos à habitação “não podem ser concedidas aos fiadores condições mais desfavoráveis de pagamento dos créditos”, nomeadamente ao nível da manutenção das prestações, nem pode ser negado o direito a proceder ao pagamento nas condições proporcionadas ao principal devedor”. Por sua vez, as pessoas com deficiência beneficiam de acesso a crédito bonificado à habitação.

Municípios com direito de preferência

Ficou definido que o Estado e as autarquias poderão recorrer à posse administrativa, ao direito de preferência e, “quando necessário”, à expropriação mediante indemnização. No caso de haver uma venda de imóveis em conjunto, o Estado e os municípios “gozam do direito de preferência para cada um dos imóveis” e este direito de preferência das entidades públicas “não prejudica o direito de preferência dos arrendatários na compra e venda ou dação em cumprimentos do locado onde residam”.

Promoção da construção

Os programas públicos de reabilitação e edificação devem promover a construção sustentável, privilegiando a economia local, utilizando “materiais disponíveis localmente”. Além disso, a promoção de casas novas ou a reabilitação a custos controlados para habitação própria, quando envolva apoios públicos, pode implicar a fixação de um preço máximo para a transmissão de direitos reais sobre o fogo em questão.

Fiscalização de condomínios

A lei prevê que a garantia da conservação, manutenção, requalificação e reabilitação das habitações constituídas em propriedade horizontal pelos condomínios contribui para a manutenção e melhoria das condições de habitabilidade. E ainda que os condomínios beneficiam de “condições preferenciais para acesso a programas de requalificação e reabilitação urbana”. Além disso, a atividade dos condomínios será fiscalizada, nomeadamente ao nível da constituição de fundos de reserva, da prestação de contas e da fiscalidade.

Reabilitação com regras antissísmicas

Ficou ainda definido que a reabilitação urbana de edifícios “deve observar condições de eficiência energética, vulnerabilidade sísmica e acessibilidade”.

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