
Portugal vai às urnas no próximo domingo, dia 10 de março, e há muita expetativa no mercado imobiliário e na população em geral quanto ao resultado destas eleições legislativas, em que a habitação e medidas orientadas para o investimento estão no centro das preocupações. O polémico Mais Habitação vai ser uma herança deixada pelo Executivo socialista ao novo Governo, tal como o simplex dos licenciamentos urbanísticos. Ambos chegaram com os objetivos certos: colocar mais casas no mercado e agilizar os licenciamentos na habitação. Mas os profissionais do imobiliário admitem ao idealista/news que ambos os diplomas devem ser revistos pela nova equipa governativa. Isto porque, caso não haja alterações, corre-se o risco de produzirem efeitos contrários, refletindo-se em menos habitação e maior complexidade nos licenciamentos, que acabarão por penalizar as famílias no acesso a casas acessíveis e enfraquecer a atividade do setor. Reclamam também o regresso dos vistos gold e do Regime de Residentes Não Habituais (RNH), a par da revisão da nova normativa do Alojamento Local.
Revisão do Mais Habitação é precisa…
O Mais Habitação tem como “grande objetivo de fazer chegar mais casas ao mercado, com preços ajustados à capacidade das famílias portuguesas”, o que “é consensual e prioritário”, sublinha Alfredo Valente, CEO da iad Portugal. Também Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, considera que “os objetivos e o propósito do Mais Habitação estão corretos”, mas teme que “os resultados irão ficar aquém do esperado”, porque os “problemas de fundo da falta de oferta e os baixos rendimentos disponíveis das famílias portuguesas não foram devidamente abordados”, sendo precisas “estratégias cirúrgicas” ao invés de soluções generalistas e até paliativas.
É por isso mesmo que Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, acredita que a revisão do pacote Mais Habitação pelo novo Governo “seria bem-vinda, uma vez que as medidas inicialmente anunciadas não trouxeram grandes alterações estruturais ao mercado imobiliário em Portugal, e não foram suficientes para resolver os problemas de fundo que temos no acesso à habitação e no imobiliário”.
A revisão do Mais Habitação é, portanto, reclamada pelos profissionais do imobiliário ouvidos pelo idealista/news. E há algumas medidas consideradas “erradas”, que devem mesmo ser repensadas para que o pacote não tenha o efeito inverso ao pretendido, que é colocar mais casas no mercado a preços acessíveis, como é o caso do:
- Arrendamento forçado de casas devolutas;
- Limite de 2% ao aumento das novas rendas: já que esta medida “retrai a entrada de novos imóveis no mercado e que fomenta os arrendamentos clandestinos, prejudicando, no final do dia, os próprios inquilinos”, destaca José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties;
- Suspensão e limitação do Alojamento Local (AL);
- Condomínios poderem fechar AL com mais facilidade: agora, a maioria de dois terços de um prédio pode mandar fechar um AL, o que para a economista Vera Gouveia Barros é “inconcebível”, porque “pode ser um dos vizinhos, com maior permilagem e também detentor de um AL, que quer acabar com a concorrência; ou pode um conjunto de proprietários fazer-se pagar sob a ameaça de mandar fechar o estabelecimento”;
- Alterações ao mercado de arrendamento devem ser eliminadas, “exceto as isenções para quem pretender alterar a caracterização do imóvel de AL para arrendamento de média e longa duração”, defende Miguel Lacerda, Lisbon Residential Director da Savills;
- Fim dos vistos gold;
O que é certo é que uma revisão do Mais Habitação vai depender da solução de Governo que sair das eleições legislativas de 10 de março. “Um governo em que o Bloco de Esquerda tenha preponderância, por exemplo, irá alargar a outras situações a limitação ao aumento de rendas, impor tetos aos preços, avançar para medidas mais coercivas de colocação de casas no mercado”, prevê Vera Gouveia Barros. Já “de um Governo de partidos da direita poder-se-á esperar a reversão de algumas medidas, como o congelamento de rendas ou das que têm que ver o Alojamento Local”, acrescenta.

... e vistos gold e RNH devem ser recuperados
O que o mercado imobiliário sente é que Portugal ficou menos competitivo no que diz respeito à captação de investimento estrangeiro, com o fim dos vistos gold para investimento imobiliário aprovado no Mais Habitação. E a situação agravou-se ainda mais depois de ter sido dada luz verde ao fim do regime de residentes não habitais (RNH), tal como o conhecemos, no Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) – muito embora haja um período de transição a decorrer para quem comprova a mudança para Portugal em 2023 e um novo incentivo fiscal focado na investigação científica.
“Os vistos gold e o regime RNH representam a atração de talento e de investimento”, refere Hugo Santos Ferreira, da APPII, que considera que “a recuperação destes dois regimes seria positiva para o país”. Na visão do representante da Savills, medidas como os vistos gold e o RNH deveriam ser recuperadas de forma semelhante ao que se encontrava em vigor, criando igualmente regimes fiscais especiais para investimentos de maior dimensão ou aquisição de portfólios”.
Por seu turno, o CEO da ERA Portugal diz que a decisão de colocar um ponto final nos vistos gold “não faz sentido”, até porque “a concessão destes vistos veio não só ajudar a projetar o país no exterior, como também contribuiu para criar um tipo de oferta que não existia em Portugal até então, e que em nada afeta as faixas da população mais prejudicadas pelas dificuldades no acesso à habitação”. Também José Cardoso Botelho diz que “faz sentido recuperar instrumentos de atração de capital financeiro e humano, promovendo por exemplo, o investimento na reabilitação de qualidade, com certificações elevadas, no arrendamento de longo prazo ou na construção sustentável”.
“Portugal continua a oferecer condições muito interessantes para o investimento imobiliário embora agora com menos competitividade”, Alfredo Valente, CEO da iad Portugal
Também David Moura-George, diretor-geral da Athena Advisers, não concorda com o fim dos vistos gold para investimento imobiliário, defendendo "que a sua continuidade faz mais sentido nos fundos imobiliários direcionadas ao investimento em habitação de baixo custo para o mercado de arrendamento acessível que permita aos portugueses morarem perto das cidades”. Já no que diz respeito ao regime RNH, David Moura-George acredita que poderia haver uma “simples revisão que permitisse haver equidade entre a tributação dos portugueses e dos estrangeiros com residência fiscal em Portugal”. Até porque, lembra que “o programa atraiu muitos profissionais qualificados, pessoas ativas e empreendedoras que iniciaram novos negócios, abriram escritórios, empregaram pessoas e consumiram bens e serviços”.
Já a economista Vera Gouveia Barros diz ter uma opinião “desfavorável aos vistos gold e aos RNH. No primeiro caso, porque autorizações de residência não me parece que sejam coisas que se vendam; no segundo caso, porque acho uma injusta discriminação positiva de quem para cá vem ou que cá regressa por comparação com quem cá ficou e se manteve”, explica.
Embora os vistos gold e o regime RNH tenham estimulado a chegada de investimento estrangeiro, a verdade é que “Portugal continua a oferecer condições muito interessantes para o investimento imobiliário embora agora com menos competitividade”, salienta o CEO da iad Portugal. Afinal, o imobiliário continua a representar mais de metade do investimento direto estrangeiro em 2023, tendo mesmo aumentado 22%. “Isso mostra que o mercado imobiliário continua a ser muito atrativo para os investidores estrangeiros, demonstrando resiliência mesmo em tempos de crise e oferecendo retornos financeiros favoráveis”, destaca Beatriz Rubio, CEO da REMAX Portugal.
O que falta no Mais Habitação é uma estratégia centrada na “atração e retenção de talento qualificado em Portugal”, defende Ricardo Sousa. Para isso, seria necessário “elaborar programas para atrair o talento português que emigrou e simultaneamente reduzir fortemente os impostos que incidem sobre os mais jovens, quer ao nível do rendimento quer da propriedade imobiliária (ou no arrendamento, aceitando maiores descontos no IRS)”, acrescenta o CEO da Vanguard Properties.

Simplex dos licenciamentos deve de ser melhorado?
O simplex dos licenciamentos urbanísticos foi publicado no início de 2024, com algumas medidas a entrar em vigor logo a 1 de janeiro e outras no passado dia 4 de março (incluindo novas portarias complementares). Este diploma veio, de forma geral, agilizar a atribuição de licenças de construção e utilização, uma medida já há muito reclamada pela fileira da construção e imobiliário. Isto porque “quanto mais longo for o prazo de aprovação do projeto, mais onerosa fica a construção. O licenciamento urbanístico é, a par da excessiva carga fiscal, o maior inimigo para dar casas acessíveis aos portugueses”, resume ao idealista/news Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII),
Foi por isso mesmo que o simplex dos licenciamentos foi recebido de braços abertos pelos profissionais do imobiliário e construção, muito embora tenham apontando algumas falhas ao diploma, que está numa fase inicial de análise e implementação. “Ao setor imobiliário compete não ter medo nem receio desta mudança, é preciso encará-la como uma oportunidade”, admite Hugo Santos Ferreira, que acredita que o diploma vai trazer “mais celeridade para podermos ter casas a preços mais baixos”.
Assim, “o simplex é uma medida que poderá também contribuir em larga escala para incentivar a construção de novas casas desde que as entidades intervenientes, nomeadamente os bancos, seguradoras, câmaras municipais e notários, se adaptem rapidamente à nova legislação, passando assim da teoria à prática”, destaca Miguel Lacerda, da Savills.
Embora o simplex seja um “sinal positivo” para o mercado, Alfredo Valente, da iad Portugal, teme que “não produza os efeitos esperados” e que traga mesmo “efeitos secundários”, como o aumento da litigância, nomeadamente pela dispensa de exibição da licença de utilização e da ficha técnica do imóvel no momento da transação. Além disso, “faltam incentivos, mais simplificação de processos de licenciamento e uma carga fiscal adequada”, acrescenta.

Por seu turno, o José Botelho diz que há um “problema geral de incoerência do diploma simplex e de articulação com a demais legislação, que resultam, provavelmente, do facto de termos tido um processo legislativo apressado”. Por isso mesmo, admite que se o novo Governo avançar com alterações, devem ser "promovidos alguns ajustamentos e retificações, visando conferir maior confiança ao mercado e facilitar o financiamento”.
Também o responsável pela Athena Advisors sente que “há muitas dúvidas por esclarecer que estão a complicar e a atrasar ainda mais os processos”, pelo diz ser necessária uma revisão do simplex. Caso contrário, o diploma vai tornar os licenciamentos "mais complexos e burocráticos" e haverá "cada vez menos habitação licenciada, menos casas no mercado e os preços vão continuar a subir", explica.
A par de tudo isto, o presidente da APPII acredita que para que o simplex produza os efeitos esperados é preciso apostar na monitorização. “O seu verdadeiro sucesso irá depender da forma como todos o aplicamos, em especial as câmaras municipais, e também da forma como a sua implementação vai ser acompanhada, monitorizada e verificada pelo Governo, para assim garantirmos a sua correta aplicação e cumprimento”, explica.
Agora, resta saber qual é o resultado das eleições legislativas de 10 de março para saber se vamos ou não ter grandes mudanças na habitação, com o fim de algumas medidas, pequenos ajustes ou manter tudo como está. Só quando forem revelados os resultados finais das eleiçoes e conhecido o novo Governo é que se saberá se vão ou não haver revisões do Mais Habitação e do simplex.
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