
Portugal depara-se com uma crise da habitação que parece não ter fim à vista, apesar das iniciativas políticas nesse sentido. E a verdade é que as novas tecnologias podem fazer parte da solução, já que as casas 3D são impressas em menos de uma semana, têm boa eficiência energética e podem ser vendidas a preços acessíveis, que começam nos 150 mil euros. Para criar oferta de habitação onde o acesso está cada vez mais difícil, a Havelar – uma das empresas que trouxe a construção de casas 3D para Portugal – quer estabelecer parcerias com proprietários públicos e privados de grandes terrenos, sobretudo, junto às periferias das grandes cidades, como Porto e Lisboa. “Acredito que o primeiro projeto comunitário de casas 3D vai nascer nas periferias do Porto”, revela Patrick Eichiner, CEO e cofundador da Havelar, ao idealista/news.
Tecnologia 3D dá casas acessíveis aos jovens fora das cidades
Ao que tudo indica, a impressão de casas 3D vai ajudar a resolver vários desafios da habitação em Portugal de uma só vez, nomeadamente a demora na construção, falta de mão de obra, baixa eficiência energética e os altos preços. Isto porque as casas 3D conseguem oferecer uma construção 70% mais rápida face às habitações tradicionais, com menos 60% de mão de obra, reduzindo os resíduos em 80%. A par de tudo isto, ao construir projetos de habitação comunitários - leia-se, em escala - é possível reduzir os preços, colocando no mercado habitação acessível.
É precisamente isto que pretende fazer a Havelar, empresa portuguesa dedicada à impressão de casas 3D que foi fundada em meados de 2023, em Vilar do Pinheiro (Vila do Conde). Depois de dar forma aquela que é a primeira casa 3D concluída em Portugal e de iniciar a impressão da segunda, a empresa está pronta para entrar no mercado da habitação em Portugal. “Existem vários desenhos arquitetura que já estão pensados para construir. E, portanto, a casa 3D protótipo pode ser construída amanhã, num outro lugar”, garante Rodrigo Vilas-Boas, cofundador da Havelar e arquiteto do grupo OODA, em declarações aos jornalistas presentes na visita às instalações da empresa realizada na terça-feira, dia 19 de março.
A ideia passa por criar parcerias com promotores imobiliários e municípios que sejam proprietários de grandes terrenos situados nas periferias das grandes cidades. “Queremos criar comunidades que estão fora das cidades para os jovens, que procurem um estilo de vida perto da natureza e onde o preço dos terrenos hoje em dia está um pouco mais acessível”, adiantou Patrick Eichiner, CEO da Havelar, que fundou a empresa também junto de José Maria Ferreira, da Ecosteel. E revelou ainda ao idealista/news, à margem da visita, que estão de olho em parcerias que permitam construir as primeiras casas 3D junto aos grandes centros urbanos do Porto, Lisboa, Braga e também no Algarve, onde há elevada procura e os preços da habitação são menos compatíveis com os orçamentos das famílias.
“Temos a intenção de fazer muitas casas rapidamente”, Patrick Eichiner, CEO da Havelar
Hoje, “temos várias manifestações de interesse em Portugal, especificamente com terrenos com capacidade de construção na ordem das 50-60 casas – que é o mercado que nos interessa”, adiantou ainda Rodrigo Vilas-Boas, dando nota que há também autarquias interessadas na tecnologia. “Os projetos e as demonstrações de interesse que temos hoje já são bastante relevantes para conseguirmos dizer que este ano vamos ter casas impressas em Portugal”, revelou ainda o arquiteto. E olhando para as negociações em curso, Patrick Eichiner acredita que “o primeiro projeto comunitário de casas 3D vai nascer nas periferias do Porto”, disse ao idealista/news, sem revelar qual o município em concreto.
Até ao final de 2024, a Havelar prevê construir, no mínimo, entre 30 e 40 casas 3D em Portugal. Mas Patrick Eichiner frisa que este número pode variar, pois depende de fatores que estão fora do controlo da empresa, como é o caso dos processos de licenciamento. Ainda assim, admite que o simplex dos licenciamentos urbanísticos “vai ajudar muito a acelerar a construção e a dar acesso a terrenos que antes não eram acessíveis à habitação”, como é o caso da medida que permite a conversão simplificada de terrenos rústicos para urbanos quando está em causa a construção de habitação acessível. “Temos a intenção de fazer muitas casas rapidamente”, frisou o responsável.

Como é que vão ser construídas as casas 3D em Portugal?
Estas casas 3D que estão prestes a entrar no mercado da habitação português vão ser desenhadas por grandes arquitetos, construídas em escala, em terrenos privados e públicos, e ainda com recurso a materiais de construção sustentáveis. A ideia da Havelar é dar casas 3D acessíveis aos bolsos das famílias – com preços entre os 150 mil e 250 euros -, de forma a ajudar resolver a crise da habitação que hoje assola o país.
Arquitetos de renome unem-se para dar casas 3D acessíveis
O design das casas 3D vai ser assegurado por arquitetos de renome, como é o caso do português Álvaro Siza Vieira e do japonês Kengo Kuma, que estão “muito interessados na tecnologia e perceber como é que este novo sistema de construção pode ser o futuro das nossas cidades e daquilo que nós fazemos enquanto construção para habitar”, explica Rodrigo Vilas-Boas no decorrer da vista que contou com a presença do idealista/news.
“Normalmente, as crises da habitação em Portugal são resolvidas com pouco pensamento estrutural e, portanto, muitas vezes deixamos um património construído nas cidades que depois não nos orgulha. Por isso, entendemos que seria interessante trazer arquitetos que têm renome internacional para desenhar casas para o mercado acessível”, explica o também arquiteto do grupo OODA.
Assim, “este desenho das comunidades tem como pressuposto haver um desenho de alta qualidade arquitetónica que permaneça nas nossas cidades, nos nossos tecidos urbanos e suburbanos por um tempo indeterminado, mas que oferece essa qualidade à habitação acessível”, revelou ainda. Mas o design de casas 3D também traz desafios, já que o desenho da arquitetura para esta tecnologia, apesar de apresentar “muita liberdade e flexibilidade”, não é “absolutamente normal”, pelo que é preciso aprender como é que a tecnologia funciona para “conseguirmos simplificar o sistema construtivo e, com isso, atingir preços e capacidades qualitativas”, acrescenta ainda Rodrigo Vilas-Boas.

Casas 3D nascem de parcerias com privados e com entidades públicas
Já estão desenhados vários “designs exclusivos e acessíveis” pelos famosos arquitetos. Falta agora é imprimir estas casas 3D no terreno. É por isso que a Havelar está empenhada em criar parcerias com promotores e entidades públicas para começar a construir casas 3D em escala no nosso país, tendo especialmente em vista terrenos grandes com capacidade de construção na ordem das 50-60 casas.
“A nossa visão neste momento é de estar no desafio da habitação em Portugal e acreditamos que a solução passa por construir em escala, pois resolve muitos problemas ao mesmo tempo”, frisa o arquiteto e cofundador da empresa.
Atualmente, a Havelar – que investiu até agora 5 milhões de euros - possui uma impressora de casas 3D com capacidade para construir 50 casas por ano. Mas o tempo de entrega das casas depende também de outros fatores externos, como a preparação do terreno, licenciamentos ou licenças de utilização. Assim que tiverem mais de 50 casas para construir, admitem comprar uma segunda impressora 3D para aumentar a sua capacidade de produção de habitação acessível no país.

Materiais locais e sustentáveis dão forma às casas 3D
“O maior desafio da atualidade são as alterações climáticas e, hoje, a construção é responsável por cerca de 37% das emissões de CO2 e 34% do consumo da energia”, começa por recordar Pedro Monteiro, arquiteto e construtor na Havelar, na visita. É por isso, e tendo em conta os desafios impostos pelo Green Deal da Comissão Europeia, que a empresa está empenhada em reduzir ao máximo a pegada de carbono na impressão de casas 3D.
Mas como é que isso se faz? “Graças à tecnologia, já conseguimos reutilizar materiais que antes existiam e combater de forma eficiente os problemas que nós temos na construção civil. É neste contexto que decidimos montar um laboratório para investigar quais são os materiais que vamos utilizar”, como lamas, argilas, cinzas, saibro, britas, areias e outros materiais locais, que possam ser reintroduzidos na natureza em caso de demolição do edifício, explicou ainda Pedro Monteiro.
Agora, a Havelar está a trabalhar com betão e cimento de origem local, garantindo um desperdício próximo de zero. E já está a testar a impressão de casas 3D em betão com ligantes alternativos (pó de pedra reciclado, escórias ou argamassas verdes), no sentido de reduzir a utilização de cimento até 60% e diminuir as emissões de CO2 em 50%. Por exemplo, a segunda casa que está a ser impressa nas suas instalações está a usar um “mix de betão pré-fabricado”, um “high tech material” fornecido pela Saint-Gobain, que pode ser uma opção a utilizar no futuro.
Já em 2030, a ideia passa por imprimir casas 3D com carbono zero e com recurso a materiais locais. E para ajudar neste desafio, a empresa portuguesa conta com vários parceiros, como as faculdades de Engenharia e de Arquitetura da Universidade do Porto e o Instituto de Arquitetura da Catalunha.

Impressora 3D “voa” para os terrenos para construir casas 3D
Assim que estiverem reunidas as condições para construir as casas – design, terreno e materiais -, a impressora 3D é transportada para o local. “Chamamos-lhe a fábrica voadora, que é instalada no local onde vai imprimir as casas”, explica Patrick Eichiner. Este processo de transporte e montagem da máquina no terreno leva cerca de um dia.
Depois, a máquina começa a imprimir as paredes da casa 3D, um processo que é assegurado por quatro trabalhadores e que demora cerca de 18 horas. No protótipo de casa 3D, construída em Vila do Pinheiro (um T2 com 90 m2), foram impressas duas paredes: uma parede exterior e uma parede interior, que não se tocam entre si, sendo o meio recheado com cortiça, que é um material português, ecológico, e com boa capacidade térmica. Este é o modelo a seguir na construção de casas 3D em Portugal.
Assim que as paredes forem impressas, segue a montagem da casa 3D - que inclui a cobertura, portas, janelas, cozinha e casa de banho -, fase que demora cerca de duas semanas. “A componente de madeira, carpintaria ou serralharias é pré-concebida numa fábrica e depois é transportada para o lugar”, detalha Rodrigo Vilas-Boas, destacando que querem que “todos os componentes pré-fabricados sejam estandardizados o mais possível para haver otimização”.
O que salta à vista é que a construção de casas 3D “não tem resíduos”, sendo geralmente “uma obra limpa”, destaca o CEO da Havelar. “Assim, conseguimos ter muita eficiência e redução de CO2, e começamos a falar também noutra parte importante de sustentabilidade, de descarbonizar o setor de construção ao mesmo tempo que se introduzem soluções inovadoras”, sublinha Patrick Eichiner.

Casas 3D vão estar à venda em Portugal desde 150 mil euros
No final, as casas vão ser vendidas pela mão dos promotores imobiliários ou entidades públicas com quem a Havelar estabelecer parcerias, atuando como uma “joint-venture”. O objetivo dos responsáveis é colocar as casas 3D no mercado português com preços entre os 150 mil e 250 mil euros, valor ao qual se soma o preço do terreno. “O preço da casa também vai depender do acabamento, da localização… A ideia é dar um produto acessível”, garante Patrick Eichiner.
O objetivo passa também por colocar casas 3D no mercado a preços cada vez mais competitivos (e acessíveis). E, por isso, os responsáveis pela empresa estão também de olho na construção 3D em altura, já que é possível esmagar ainda mais os preços dos terrenos. “A capacidade de construção em altura está relacionada com a capacidade da impressora. Hoje, as impressoras 3D conseguem fazer 2 ou 3 andares e a nova geração pode chegar até aos 5 andares”, onde até as escadas podem ser impressas, explicou ainda o responsável ao idealista/news.
Para já, a venda das casas 3D em Portugal vai decorrer por intermédio dos parceiros da Havelar. Mas os responsáveis não descartam a possibilidade de vender estas habitações diretamente às famílias. “Resolver o problema de uma pessoa individual pode não ser a visão da empresa neste momento, embora não fechamos a porta a esta possibilidade”, admitiu o arquiteto e cofundador da Havelar.
Casas 3D pelo mundo: a tecnologia como resposta à crise da habitação
Esta tecnologia de impressão de casas 3D que chega a Portugal já está a ser utilizada em vários países do mundo. Hoje, há “muito crescimento desta tecnologia a nível mundial. Há grandes empresas nos EUA, pela Europa e por todo o mundo que entendem a construção de casas 3D como uma via rápida para resolver a crise da habitação”, salienta o CEO da Havelar.
A parceira e fornecedora da impressora 3D à Havelar é um exemplo disso mesmo. Depois de ser fundada na Dinamarca em 2017 pela mão de Henrik Lund-Nielsen, a Cobod já conta com 75 impressoras que estão a construir casas 3D um pouco por todo o mundo, em países como o Japão, Malásia, Tailândia, Indonésia, Egipto, Angola, Quénia, Argentina, Colômbia, EUA e Canadá.
Um dos projetos que o empresário dinamarquês destaca foi desenvolvido no Canadá. “Imprimiram 16 casas diferentes. Quando começaram precisaram de duas semanas para construir uma casa. Mas quando terminaram precisaram apenas de quatro dias para concluir uma habitação. E não estamos a falar de casas pequenas, mas sim de 200 metros quadrados”, partilha Henrik Lund-Nielsen na visita, concluindo que é possível construir 30 ou 40 casas 3D rapidamente e com baixo custo.
Ao que tudo indica o céu é o limite desta tecnologia 3D: “A impressora é capaz de construir qualquer coisa. Temos clientes que já construíram edifícios de três andares e até clientes que querem chegar aos seis andares. As impressoras 3D podem ser também usadas na construção industrial de tanques, torres eólicas e pontes. Estamos apenas focados na habitação neste momento, mas isso é apenas parte daquilo que a impressora consegue fazer”, conclui o empresário dinamarquês.

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