Há mais casas vazias no mercado em Portugal do que carências habitacionais, revela o INE. Mas é preciso construir mais casas.
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Crise na habitação em Portugal
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A crise da habitação em Portugal tem duas faces, como uma moeda. A alta procura de casas está na “cara”. E a falta de oferta de habitação é a “coroa”, o núcleo estrutural do problema. Acontece que há mais casas para vender ou arrendar sem necessidade de obras do que carências habitacionais em Portugal, marcadas sobretudo por situações de sobrelotação, tal como concluiu o Instituto Nacional de Estatística (INE) na sua análise à Habitação publicada esta quarta-feira, dia 8 de março. Ainda assim, Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e da Habitação, diz que é preciso “construir e reabilitar mais” casas no país. O que está em falta em Portugal são casas no mercado a preços acessíveis e compatíveis com os salários das famílias.

Na sua análise ao parque habitacional entre 2011 e 2021, o INE concluiu que as carências habitacionais existentes em Portugal contabilizavam 136.800 alojamentos em 2021, o que corresponde a 3,3% do total de alojamentos familiares ocupados como residência habitual (4.142.581 casas). Ou seja, há famílias que têm casa, mas que continuam a precisar de outras soluções habitacionais, seja por se encontrarem em situações de sobrelotação, seja por viverem em casas indignas, sem condições.

Mas “em Portugal, no mesmo ano, existiam 154.075 alojamentos vagos para venda ou arrendamento sem necessidade de reparações ou com necessidade de reparações ligeiras, deduzidos da margem para funcionar o mercado”, destacou o INE na análise agora publicada.

Assim, tendo em conta as “carências habitacionais quantitativas, observava-se uma margem de 17.275 alojamentos imediatamente disponíveis para utilização”, conclui. Isto quer dizer que há mais casas no mercado de arrendamento e de compra e venda (sem precisar de obras) do que os alojamentos necessários para suprir as necessidades de carência habitacional existente no país.

Esta diferença é ainda maior se considerarmos o total de alojamentos vazios para venda e arrendamento (348.097 em 2021). Aqui verifica-se que há um excedente de cerca de 211 mil casas no mercado face às carências habitacionais. Ou seja, o número de casas à venda ou para arrendar nesse ano não só conseguia suprir as necessidades de quem vive sem condições dignas, como ainda restavam habitações.

Mas "o excedente de casas não significa obrigatoriamente que conseguimos suprir as necessidades habitacionais no país. São precisas mais casas no mercado, pois só assim será possível responder à forte procura, voltar a equilibrar o mercado da oferta e da procura e, consequentemente, aliviar o preço final para o consumidor", acredita Guida Leal de Sousa, diretora e coordenadora nacional da rede Decisões e Soluções, em declarações ao idealista/news.

Casas sobrelotadas: a principal fonte de carência habitacional

O que os dados do INE também mostram é que a principal situação de carência habitacional em Portugal prende-se com casos de sobrelotação. Isto é bem visível ao analisar a distribuição do número de habitações necessárias para suprir cada tipo de carência:

  • Casas sobrelotadas ocupadas por um agregado com um núcleo familiar em coabitação com outras pessoas (75.494 alojamentos, que corresponde a 55,2% do total de carências de habitação);
  • Casas sobrelotadas de agregados com dois ou mais núcleos familiares (55.098 habitações, pesando 40,2% do total);
  • Casas para suprir situações de famílias que estão a viver em barracas, casas rudimentares de madeira, alojamentos móveis ou alojamentos improvisados (4.042, ou seja, 3% do total);
  • Casas para colmatar as situações de agregados com residência habitual em alojamentos coletivos (2.166 alojamentos, 1,6% do total).

Contas feitas, a grande maioria das 136.800 casas necessárias em Portugal (95,4%) seria para responder a situações de sobrelotação habitacional, ou seja, casos em que o número de divisões da casa é insuficiente para o número de pessoas que nela habita. Não é de estranhar tendo em conta que o número de casas sobrelotadas em Portugal aumentou 17,1% entre 2011 e 2021, ascendendo a 527.855 alojamentos familiares clássicos de residência habitual (12,7% do total).

Mas porque é que o número de habitações sobrelotadas aumentou na última década, depois de ter caído entre 1991 e 2021? Num retrato à habitação e demografia, os especialistas já ouvidos pelo idealista/news não têm dúvidas que o aumento de casos de famílias a viver em casas sobrelotados está diretamente relacionado com o crescimento da imigração no país. No início deste ano, a economista Vera Gouveia Barros alertou para o facto de 37,7% da população imigrante viver em situação de sobrelotação habitacional. “Nas comunidades provenientes do Nepal e da Índia, a taxa sobe para valores acima dos 70%”, acrescentou ainda.

“A sobrelotação é uma clara violação do direito à habitação. Pessoas que vivem em casas sobrelotadas não têm o necessário respeito pela sua intimidade, além de enfrentarem, muitas vezes, problemas de salubridade do espaço que habitam. Isto é claramente um problema, que não favorece a saúde mental. Mas também não favorecem o bom desempenho escolar ou a produtividade no emprego”, avisou ainda Vera Gouveia Barros.

A verdade é que muitas destas famílias optam por viver em casas sobrelotadas para suportar as elevadas rendas das casas que se sentem nos grandes centros urbanos. São, sobretudo, “questões económicas que levam os imigrantes, com rendimentos muito baixos, a optarem por viver em situações de elevadíssima precariedade, sobrelotação e insalubridade”, admitiu Gonçalo Antunes, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA).

Casas sobrelotadas
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É preciso construir e reabilitar mais casas em Portugal?

Nesta análise ao parque habitacional, o INE conclui, portanto, que há mais casas prontas para vender ou arrendar (sem precisar de obras) do que carências habitacionais, havendo mesmo um excedente de cerca de 17 mil habitações. Mas, mesmo assim, Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e da Habitação, disse no Salão Imobiliário de Portugal (SIL 2024) que é preciso “reabilitar e construir mais”, uma vez que “estamos a construir muito pouco comparando com há 20 anos”. 

Em 2021, foram concluídas 19.616 casas em obras de construção nova, menos 27% face a 2011 e menos 83% face a 2001. Estes dados refletem "um abrandamento significativo do crescimento do parque habitacional em Portugal, comparado com as décadas anteriores", analisa Guida Leal de Sousa. "Estes dados devem preocupar-nos, pois na crise habitacional em que nos encontramos – com preços muito elevados devido ao forte desequilíbrio entre a procura e a oferta –, está latente a urgência de reforçar o parque habitacional com mais construção nova", alerta a coordenadora da Decisões e Soluções.

“O número de fogos concluídos em intervenções de reabilitação aumentou progressivamente depois de 2015, porém foi inferior ao número de fogos concluídos em obras de construção nova”, destaca o instituto, referindo também que nas últimas décadas “a reabilitação de fogos tem sido sobretudo promovida por entidades particulares”. "É fundamental continuar a apostar na reabilitação, mas este investimento deve ser, em igual medida, uma responsabilidade do Governo e das entidades públicas", comenta Guida Leal de Sousa.

Isto porque "reabilitar permite preservar e valorizar o parque habitacional, aproveitando os imóveis existentes e preparando-os para a entrada no mercado", explica a responsável pela Decisões e Soluções. E há várias formas de o fazer, por exemplo, "através de incentivos fiscais para quem quer reabilitar os seus imóveis e colocá-los no mercado, ou benefícios direcionados para zonas onde é feita reabilitação", acrescenta em declarações ao idealista/news.

A necessidade de construir e reabilitar mais casas surge para aumentar a oferta existente no mercado, nomeadamente de habitação a preços acessíveis. “Queremos que se construa mais, mas para um certo segmento, que é o segmento da classe média. Que é esse que tem falta, como os jovens”, detalhou o ministro da Habitação no primeiro dia do SIL 2024 (2 de maio).

Isto porque, apesar de haver mais casas para venda ou arrendamento do que situações de carência, a verdade é que muitas destas habitações são colocadas no mercado a preços incompatíveis com os salários das famílias, levando-as a procurar outras soluções habitacionais. Muitas encontram nas casas partilhadas com outras pessoas e famílias a solução para ter um teto, mesmo vivendo com falta de espaço, em situação de sobrelotação.

Como na última década “não se construiu e reabilitou em Portugal” - pelo menos o suficiente -, “o país também não teve um mercado de arrendamento”, sublinhou recentemente Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), em declarações ao idealista/news. Na sua visão, é preciso “ter níveis de construção na ordem das 40.000, 45.000 habitações por ano” para que os preços das casas possam ser suportáveis pela generalidade dos portugueses.

*Notícia atualizada dia 9 de maio, às 16h36, com declarações de Guida Leal de Sousa, diretora e coordenadora nacional da rede Decisões e Soluções, ao idealista/news

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