
Quem está a construir habitação em Portugal sente uma constante mudança de políticas, uma instabilidade que acaba por travar a colocação de mais casas no mercado. E as mais recentes medidas que entraram em vigor, como é o caso da isenção de IMT para jovens, vêm estimular ainda mais a procura de casas, o que acaba por dar gás à subida de preços. E desengane-se quem acredita que a descida do IVA na construção para 6% vai trazer casas mais baratas no imediato. Esta visão de quem está no terreno é partilhada por Mariana Arrochella Lobo, Partner e CEO da ARC Homes Portugal, em entrevista ao idealista/news. “A descida do IVA na construção tem de ser gradual, para que evitar que haja concorrência entre produtos e choques nos preços das casas”, defende a responsável da promotora imobiliária nacional, de origem espanhola, que começou a desenvolver negócios no país há cerca de três anos e tem mais de 140 casas em construção no Porto (e novos projetos à espreita).
Estabilidade legislativa é uma das palavras de ordem reclamadas, em geral, pelos promotores imobiliários, que precisam de previsão para planear os seus projetos habitacionais. Mas em Portugal está bem longe de vista, com os avanços e recuos do Mais Habitação, do antigo Governo de Costa, e com a chegada em 2024 do programa Construir Portugal, do Executivo da AD. E a tudo isto ainda se somam várias medidas para a habitação que constam no Orçamento de Estado para 2025 (OE2025), documento que vai a votações na generalidade no Parlamento na próxima quinta-feira, dia 31 de outubro.
A par deste cenário, as novas medidas para habitação do Construir Portugal têm chegado a conta gotas. E estão só a estimular a procura de casas, que já é alta no país. “Mais do que a questão [da descida] dos juros, sentimos uma procura maior e uma tomada de decisão mais rápida por parte dos jovens com a isenção do IMT e Imposto de Selo”, adianta Mariana Arrochella Lobo, que se diz “preocupada” com a situação, “porque apesar de ser uma medida que ajuda os jovens a comprar casa, foi completamente imediata”, pelo que não vê “como não vá contribuir para o aumento dos preços das casas. E se juntarmos a garantia pública, mais uma vez vamos ter um aumento imediado da procura”, destaca.
"Porque é que a isenção do IMT Jovem não entrou em vigor juntamente com todo o pacote, nomeadamente com a redução do IVA, para conseguirmos fazer um planeamento assertivo?"
Como se não bastasse, tarda em ser colocada em prática a principal medida que tem o poder de aumentar a oferta de casas no país: a redução do IVA na construção de 23% para 6%. Neste impasse, “há promotores a deixar projetos na gaveta” e, portanto, verifica-se uma retração da oferta de habitação, acrescenta ainda a CEO da ARC Homes Portugal. E é neste contexto que a especialista deixa uma questão: “Porque é que a isenção do IMT Jovem não entrou em vigor juntamente com todo o pacote, nomeadamente com a redução do IVA, para conseguirmos fazer um planeamento assertivo?” Desta forma, haveria um maior “equilíbrio entre procura e oferta”, garante.
É neste sentido que Mariana Arrochella Lobo acredita que “a descida do IVA na construção tem de ser gradual, para evitar que haja concorrência entre produtos e choques de preços das casas”. Porque quando o IVA a 6% na construção entrar em vigor, o que vai acontecer é que os promotores imobiliários deverão “nivelar os preços numa fase inicial” e absorver o desconto de 17% para não correr o risco de ficar com apartamentos por vender devido à concorrência de outros mais baratos. “Se a descida do IVA na construção de casas for gradual (…), os promotores vão poder realmente acompanhar e baixar preços, bem como ter mais oferta para as famílias”, comenta Mariana Arrochella Lobo, Partner e CEO da ARC Homes Portugal, em entrevista ao idealista/news onde fala também do empreendimento em construção no Porto e dos projetos residenciais que tem em vista para o futuro.

A ARC Homes chegou a Portugal em 2021 com um plano de investimento de 100 milhões de euros para a construção de 500 casas. O que motivou a promotora imobiliária catalã a expandir o negócio para o mercado imobiliário português?
A ARC Homes espanhola descobriu o Porto numa feira internacional de imobiliário e vieram cá perceber o se passava na zona, porque ficaram bastante intrigados. E quando chegaram cá, vieram diretamente para ver este terreno da Prelada, no Porto, e fizeram a aquisição no final de 2020.
Há uma proximidade muito grande entre Espanha e Portugal e, arrisco dizer, que há uma semelhança grande entre Barcelona e o Porto, tal como Madrid e Lisboa. E foi isso que sentiram, que o ambiente imobiliário era muito parecido e decidiram arriscar. Entretanto tivemos algum atraso no início do desenvolvimento do projeto, porque apanhámos o pós-covid e tivemos de repensar um pouco a forma como iríamos fazer o empreendimento, motivo pelo qual começámos a construção só em 2023.
"Todos os apartamentos podem ter, pelo menos, a isenção parcial do IMT para os jovens"
Que ajustes foram feitos ao empreendimento Porto By ARC Homes (valor de investimento inicial, número de casas construídas e preços das casas)?
Inicialmente, eram 156 apartamentos e agora são 142 apartamentos. Porque no início havia a ideia de fazer mais T2 e T1, mas como nós queríamos que fosse um prédio familiar optámos por construir mais T3 (temos um total de 36 apartamentos com três quartos).
Tivemos de claramente ajustar os preços das casas para cima, um pouco pelo impacto do custo da construção e mesmo pelo formato dos contratos de empreitada que estavam a ser efetuados na altura. Portanto, sim, a visão que a ARC Homes tinha quando entrou aqui seria um bocadinho mais ambiciosa em termos de preços. Ou seja, a ideia seria termos os preços um pouco mais baixos do que acabámos por ter, porque tivemos de acompanhar o mercado. Agora, os apartamentos T1 começam nos 240 mil euros e vão até aos 299 mil euros (no último piso). Os T2 têm preços entre 315 mil e 400 mil euros. E os T3 começam nos 395 mil e vão até 595 mil euros. Portanto, todos os apartamentos podem ter, pelo menos, a isenção parcial do IMT para os jovens.
Quando é que está prevista a conclusão deste empreendimento no Porto? Como está a correr a procura de casas?
A conclusão do Porto By ARC Homes está prevista para o final de 2025. Abrimos as vendas efetivas - ou seja, passamos a poder fazer contratos de promessa de compra e venda – em março/abril de 2023. E, nessa altura, já estávamos muito próximos dos 30-40% de unidades vendidas. A partir daí tem sido um crescendo dessa procura não só pela atração do mercado do Porto, mas também porque temos um produto bastante competitivo, com tipologias que as famílias procuram hoje, com dimensões e design inteligentes, onde se destaca a eliminação de corredores, os espaços de arrumação, a abertura da cozinha para a sala e ainda uma varanda com boas áreas.

Quem é que está a comprar mais casas (portugueses ou estrangeiros)?
Claramente portugueses. Aliás, aqui sempre quisemos fazer apartamentos para as famílias portuguesas. Temos também famílias estrangeiras a comprar casa para viver e não numa perspetiva de investimento. E também há investidores a comprar aqui, sim, mas só investidores portugueses. Até ao momento, nenhum investidor internacional comprou um apartamento aqui. Tivemos casos muito interessantes de famílias a comprarem um apartamento para cada filho e para os pais e, depois, veio o tio e comprou também. E, portanto, temos famílias que têm cinco, seis, sete apartamentos no edifício. Nessas mesmas famílias, temos claramente investidores, ou seja, que compram T2 ou T3 para os filhos e para eles próprios e depois compram um T0 ou um T1 para arrendamento.
"Mais do que a questão [da descida] dos juros, sentimos agora uma procura maior e uma tomada de decisão mais rápida por parte dos jovens com a isenção do IMT e do IS"
Como antecipam o efeito do corte das taxas de juros na procura de casas para comprar e nos preços? E já estão a sentir os efeitos na procura da isenção de IMT e Imposto de Selo (IS) para jovens até aos 35 anos?
Nós não sentimos grande quebra da velocidade das vendas com o aumento da taxa de juros. Sentimos apenas que as pessoas demoravam um pouco mais a tomar a decisão. A descida dos juros ajuda a procura. Mas mais do que a questão dos juros, sentimos agora uma procura maior e uma tomada de decisão mais rápida por parte dos jovens com a isenção do IMT e do IS. O que me preocupa, porque apesar de ser uma medida que ajuda os jovens a comprar casa, foi completamente imediata, pelo que não vejo como não vá contribuir para o aumento dos preços das casas. E se juntarmos a garantia pública, mais uma vez vamos ter um aumento imediato da procura.
Como se melhora a acessibilidade de habitação para quem tem mais de 35 anos? Estes incentivos para jovens poderiam ser alargados a outras faixas etárias?
Espero que agora não, porque se não a procura vai aumentar ainda mais. Mas poderia ser analisado o impacto na receita pública de, por exemplo, haver isenção de IMT na compra da primeira casa independente da idade. Até porque há muita gente que tem 40 anos, que se sente muito injustiçada com esta lei. O que também é urgente ver é a questão dos salários, porque não existe um acompanhamento dos rendimentos em relação ao custo de vida e dos preços em Portugal, onde a carga fiscal é grande.

O vosso foco continua a estar na construção de casas acessíveis?
Tem de haver uma preocupação do Governo de diversas formas e muito pensada de colocar a habitação acessível no mercado, numa altura em que há três famílias interessadas por cada casa. Nós, promotores, ao colocarmos qualquer tipo de habitação no mercado – seja de luxo, seja para uma classe média mais baixa - estamos a contribuir para que essa procura dilua. E, portanto, nós todos estamos a fazer o nosso papel. O Governo tem de lutar por isso, por habitação acessível, utilizando imóveis devolutos, pensar nos solos, em políticas públicas, em parcerias público-privadas, em que podem entregar um terreno a um promotor privado na condição de fazer, por exemplo, 10-20% de habitação acessível. Mas tem de ser pensado e feito conjuntamente. Não podem ser os privados os responsáveis, sozinhos, por dar uma solução que é impossível existir só de um lado. Tem de existir uma convergência de todos os stakeholders que tenha algum tipo de influência no mercado.
"A descida do IVA na construção tem de ser gradual, para que não haja concorrência entre produtos"
A redução do IVA na construção nova para 6% é uma medida que está a ser desenhada pelo atual Governo. Como vê esta redução de impostos? E que impacto terá na construção de casas e nos preços finais?
Na minha opinião, a descida do IVA na construção tem de ser gradual, para que não haja concorrência entre produtos. Por exemplo, o Porto By ARC Homes está a ser construído com IVA a 23%. E nós estamos a comprar outro terreno na Prelada, onde as obras só deverão avançar em março ou abril do próximo ano. Se nessa altura já se conseguir aplicar o IVA a 6% no novo projeto, o produto que sairá para venda leva um choque de preços, podendo ser até 17% mais baixos. E nenhum promotor imobiliário quer isso, porque depois vamos ter produtos parados, uma vez que os outros estão mais baratos. É, por isso, é que a tendência numa fase inicial passa por nivelar os preços. E quem é que vai ficar com os 17%? O promotor. Se a descida do IVA na construção de casas for gradual – para 21%, 19%, 17% - ajuda a evitar que haja esses choques de mercados. E, assim, os promotores vão poder realmente acompanhar e baixar preços, bem como ter mais oferta de qualidade para as famílias.

O que mais poderia ser feito a nível legislativo para aumentar a oferta de casas a preços acessíveis em Portugal?
O mercado imobiliário português precisa de estabilidade e de previsão. E o que nós temos sentido é muita instabilidade, com o vai e vem de medidas do Mais Habitação, a chegada do Construir Portugal e agora com o OE2025, que não sabemos se vai ser aprovado (provavelmente sim). Para um investidor e promotor imobiliário, a previsão é a chave e só vem da estabilidade, pelo que tem de haver um consenso de longo prazo, independente de cores políticas.
Agora, nós não sabemos o que vai acontecer, nomeadamente sobre como e quando vai avançar redução do IVA na construção. E, perante a incerteza, há promotores que estão a deixar projetos na gaveta, que estão à espera de novidades sobre o IVA. Isso retrai a oferta de habitação, numa altura em que a procura está muito alta.
Mas porque é que a isenção do IMT não entrou em vigor juntamente com todo o pacote, nomeadamente com a redução do IVA, para conseguirmos fazer um planeamento assertivo? Claro que poderíamos ter um atraso de um ano na isenção do IMT, por exemplo. Mas já teríamos ao mesmo tempo em marcha todos os projetos que estão na gaveta por causa do IVA. Ou seja, em termos de equilíbrio entre procura e oferta, pouparíamos esse tempo. Claro que se trata de questões muito complexas, mas creio que passa muito por uma concertação, uma estabilização e por um plano para a habitação em Portugal duradouro.

Têm novos investimentos imobiliários previstos para o Porto (aquisição de um terreno na Foz e outro na Prelada para investir um total der 45 milhões de euros). Quantas casas preveem construir? E que outros projetos têm pensados para o futuro?
Ainda estamos numa fase muito embrionária tanto no novo projeto na Prelada, como na Foz. Mas diria que vamos fazer apartamentos como fizemos aqui, no Porto By ARC Homes, porque é realmente um pacote ganhador. Provavelmente vão ser apartamentos pequenos, funcionais e eficientes. Os preços vão depender de como estiver o mercado, bem como as políticas governamentais, mas será com foco nas famílias portuguesas. Em termos de tipologias, não deveremos ter apartamentos maiores do que T3, por uma questão demográfica (em Portugal há, em média, 2,5 pessoas por agregado familiar e maioria das famílias acabam por se divorciar). Ter tipologias menores e funcionais é a aposta segura.
Está no nosso pipeline a cada 18 meses comprarmos quatro terrenos. Se a cada dois projetos concluídos tivermos um investimento total entre 40-45 milhões de euros, estamos a falar de um investimento de 80 milhões de euros a cada 18 meses.
Agora, estamos com foco sobretudo na zona Norte, começando a olhar para Gaia e para a Maia. Temos alguma curiosidade sobre o Algarve e as ilhas, mas não temos grande interesse na zona central do país. O Porto tem muito para oferecer e tem uma coisa maravilhosa que é uma câmara diligente, que clarifica o que é preciso para dar entrada num projeto e que tem tempos de resposta acima da média do país. Nós não sentimos que seja o caso na maior parte das outras câmaras. E isto pesa na decisão, porque ter projetos que ficam a dormir nas câmaras fica muito caro, sobretudo, depois de fazer o compromisso financeiro com um projeto e comprar um terreno.
Portanto, somos uma empresa portuguesa que está para ficar e para construir casas para as famílias portuguesas, de classe média e a classe média alta, para já. No futuro, podemos olhar para outros targets.
Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.
Para poder comentar deves entrar na tua conta