O acesso à habitação continua a agravar-se em Portugal. Os preços das casas cresceram muito mais do que os salários médios nos últimos anos, enquanto a oferta de habitação tarda em aumentar na dimensão necessária para responder ao perfil da procura. E as novas medidas de apoio do Governo da AD são, para já, orientadas apenas para incentivar a procura de casas para comprar, sobretudo pelos mais jovens que passaram a ter acesso à isenção de IMT e que em breve poderão também recorrer à garantia pública no crédito habitação. Portugal caminha assim, a passos largos, para que o fosso entre o custo da habitação e os salários das famílias aumente ainda mais no próximo ano, sobretudo se a construção e reabilitação de casas não agilizar, alertam vários especialistas.
Muito se tem falado na subida contínua dos preços das casas no nosso país, uma tendência que se mostrou resiliente à pandemia, bem como à subida abrupta dos juros nos créditos habitação (apesar de ter arrefecido a procura). A verdade é que o custo da habitação em Portugal mais do que duplicou entre 2015 e 2023 (+105,8%), segundo os dados do Eurostat. Isto quer dizer que uma casa à venda por 100 mil euros em 2015, passou a ter o custo de 206 mil euros no ano passado. Foi neste contexto que o Banco de Portugal (BdP) concluiu num estudo recente que os preços das casas no nosso país estão sobrevalorizados desde 2017.
Portugal é mesmo o quarto país da União Europeia (UE) onde os preços mais aumentaram neste período, apresentando um crescimento muito superior à média dos 27 Estados-membros (+48,1%). Só na Hungria, na Lituânia e na República Checa é que o custo da habitação aumentou mais do que no nosso país neste período, revelam ainda os dados. A menor subida dos preços foi sentida na Finlândia.
“Os principais motivos que contribuem para o aumento dos preços [das casas] são os maiores custos de construção, as taxas nos créditos habitação, a redução da construção (que limitou a oferta) e o aumento da compra de imóveis como investimento para gerar um rendimento adicional”, comentou o Parlamento Europeu numa nota recente sobre os dados. E destacou ainda que a “habitação é uma das prioridades da UE” no segundo mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia, tanto que vai ser eleito pela primeira vez um comissário responsável por esta pasta.
Salários médios sobem só 39% enquanto preço das casas duplica em Portugal
O que os dados do Eurostat também mostram é que os preços das casas no nosso país têm subido muito mais do que os salários médios anuais (ajustados a tempo inteiro). Vejamos: entre 2015 e 2023 os preços das casas mais do que duplicaram, enquanto os salários registaram um aumento de 39%.
Uma das maiores diferenças entre os dois indicadores foi sentida em 2022, um ano marcado pela crescente inflação e pelo aumento dos custos de construção: os preços das casas aceleraram para 12,6% num ano, enquanto o salário médio bruto aumentou apenas 6,4% para 21.131 euros nesse ano.
Já em 2023, e por efeito de contágio da inflação, verificou-se uma inversão desta tendência: os preços das casas subiram quase ao mesmo ritmo anual (+8,2%) do que o salário médio das famílias (+8,5%), que se fixou em 22.933 euros anuais. O arrefecimento da procura de casas por via do aumento das taxas de juro nos créditos habitação e menor poder de compra são fatores que ajudam a explicar esta desaceleração dos preços das casas.
O ano passado também foi marcado pela entrada em vigor de uma série de medidas do Mais Habitação, desenhado pelo antigo Governo de Costa, que tinham como objetivo final colocar um travão à subida dos preços da habitação, mas que acabaram por gerar um clima de instabilidade e insegurança junto do mercado. Foi o caso de várias medidas penalizadoras do Alojamento Local (AL), o arrendamento coercivo de casas devolutas ou ainda o fim da concessão de vistos gold para investimento imobiliário. O Orçamento de Estado para 2024 colocou ainda um ponto final no regime de Residentes Não Habituais (RNH) e criou um regime substituto mais restrito para estrangeiros qualificados.
Em 2024, a habitação volta a dar uma volta de 180 graus com o Construir Portugal do novo Governo da AD, que acabou por revogar o arrendamento coercivo e as medidas penalizadoras do AL, dando mais poderes às autarquias nesta matéria. E não só. Também já está em vigor a isenção de IMT e Imposto de Selo (IS) para os jovens até aos 35 anos que compram a sua primeira casa e a garantia pública no crédito habitação já está regulamentada, devendo estar operacional em breve.
Estas são as principais medidas deste plano do Executivo de Montenegro que já estão em vigor. Mas acabam por estimular apenas a procura de casas no país, dando um novo impulso à subida dos preços. Já as medidas para incentivar a oferta tardam em chegar, como a redução do IVA de 23% para 6% na construção, a revisão do simplex urbanístico ou a disponibilização de imóveis públicos para reabilitar.
Preços das casas continuam a subir: quais as expectativas para 2025?
Estima-se que os rendimentos disponíveis das famílias em Portugal voltem a subir até ao final do ano e no próximo, resultado de um aumento dos salários, descida de impostos, redução das taxas de juro e desaceleração da inflação. Já se sente que a remuneração média bruta por trabalhador aumentou 6,5% entre o segundo trimestre e o período homólogo. E no terceiro trimestre subiu 6,1% para 1.528 euros mensais, segundo o Instituo Nacional de Estatística (INE).
Mas também é esperado que os preços das casas em Portugal continuem a aumentar até ao final do ano e em 2025. Aliás, o custo da habitação no país já aumentou 7,8% no segundo trimestre de 2024 face ao mesmo período do ano anterior, indica o Eurostat. Este crescimento do preço das casas para comprar deverá continuar a ser impulsionado por um conjunto de fatores, que estão a estimular ainda mais a procura (que já é alta no país), como:
- Taxas de juro no crédito habitação estão a descer;
- Maior poder de compra e poupanças com inflação a estabilizar nos 2%;
- Isenção de IMT e IS na compra da primeira casa para jovens;
- Garantia pública do crédito habitação para jovens até aos 35 anos;
- Mercado de emprego estável.
O alerta já foi dado por vários especialistas ouvidos pelo idealista/news nos últimos meses. “Num cenário de taxas mais baixas, a procura deverá subir e, com isso, arrastar os preços para cima, pelo que parece difícil que os preços caiam nas grandes cidades", apontou Carlos Balado, professor da OBS Business School e diretor da Eurocofín. “Mais do que a questão dos juros, sentimos agora uma procura maior e uma tomada de decisão mais rápida por parte dos jovens com a isenção do IMT e do IS, o que me preocupa (…) porque não vejo como não vá contribuir para o aumento dos preços das casas”, disse em entrevista Mariana Arrochella Lobo, Partner e CEO da promotora imobiliária ARC Homes Portugal. Na sua visão, também “é urgente ver a questão dos salários, porque não existe um acompanhamento dos rendimentos em relação ao custo de vida e aos preços”.
“As medidas do lado da procura, aquelas que ou através de impostos ou através de facilitação do crédito aumentem a procura, só vão agravar o problema” da falta de casas em Portugal, admitiu recentemente Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, referindo-se à isenção de IMT e à garantia pública. “Sem um aumento de oferta não vamos conseguir resolver o problema da habitação”, garantiu o governador. Também Paulo Macedo, CEO da Caixa Geral de Depósitos, admite ver “um continuar do aumento dos preços [em 2025], porque não vemos que vá haver oferta” suficiente para a procura. Em concreto, o Bankinter admite que os preços das casas em Portugal deverão aumentar 4% este ano e 3% em 2025.
Portanto, “para contrariar a evolução dos preços da habitação, é necessário reduzir a atual carga fiscal incidente sobre a construção e o imobiliário [descer o IVA para 6%], garantir a celeridade dos processos de licenciamento e promover uma revisão da Lei dos Solos, além de promover melhores apoios à construção e à reabilitação de casas”, disse em entrevista ao idealista/news Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), destacando também a importância de agilizar a construção das casas públicas previstas no PRR e a disponibilização de imóveis públicos. Só uma maior oferta habitacional vai contribuir para “uma maior estabilidade do mercado e dos preços”, conclui.
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