Conceitos de habitação limitados. E novas entidades envolvidas. Todas as mudanças à lei dos solos hoje em votação parlamentar.
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Alteração à lei dos solos
Patrícia Gonçalves Costa, secretária de Estado da Habitação Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

A habitação a custos controlados e o arrendamento acessível substituíram o conceito de “habitação a preços moderados”. E os técnicos municipais deixaram de estar sozinhos na reclassificação dos solos rústicos em urbanos para a construção de casas. Estas foram duas das várias alterações à lei dos solos aprovadas em comissão parlamentar e que vão a votação final esta sexta-feira, dia 28 de fevereiro. Mas será que são positivas? “Infelizmente, as alterações promovidas em sede parlamentar poderão ter efetivamente reduzido a margem de ação”, lamenta Patrícia Gonçalves Costa, secretária de Estado da Habitação. Mas deixa uma mensagem de esperança ao setor: "Somos empreendedores, pelo que podemos conseguir transformar desafios em oportunidades".

A governante não é a única a considerar que a lei dos solos – que na verdade se trata do decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) - acabou por ficar mais restrita depois de terem sido aprovadas esta quarta-feira as alterações em sede da Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação. Estas mudanças à lei dos solos resultaram, sobretudo, do entendimento entre o PSD e o PS, pelo que tudo indica que terão luz verde na votação final esta sexta-feira.

Também Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), admite que “poderá ter morrido uma medida antes de nascer para resolver o problema de habitação”. “Se a proposta do Governo, que era positiva, já ‘per si’ teria pouco impacto, então com as alterações dos parlamentares não vai ter efeito nenhum”, lamentou o presidente da APPII esta quinta-feira, dia 27 de fevereiro, na XII Semana da Reabilitação de Lisboa (SRU), que contou com o idealista como portal oficial.

“As CCDR’s são entidades de uma burocracia absolutamente extraordinária (…) torna-se um processo menos automático”, Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII

“Com as alterações parlamentares, o escopo de aplicação [da lei dos solos] ficou mais limitado (...), porque houve a retirada do conceito de preços moderados para habitação custos controlados e arrendamento acessível, o que é uma limitação”, apontou no evento Miguel Arnaud de Oliveira, consultor na Morais Leitão. E acrescentou que o facto de passar ser exigido um parecer não vinculativo às Comissões de Coordenaçao e Desenvolvimento Regional (CCDR’s) em matéria de reclassificação de solos rústicos em urbanos pode “na prática dificultar a engrenagem”, embora seja “positivo”.

Já João Pereira Reis, sócio da mesma sociedade de advogados, foi mais longe, admitindo não entender o “barulho” à volta do diploma da lei dos solos, quando não se trata de uma reforma estrutural, mas sim de uma “simplificação de instrumentos jurídicos que já existem” e uma transferência de poderes do Estado central para os municípios.

Solos rústicos para construir casas
Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

As principais alterações à lei dos solos em foco

Entre as várias alterações introduzidas na apelidada lei dos solos houve duas que foram especialmente debatidas na manhã desta quinta-feira na Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa. Uma delas foi a substituição do conceito de habitação de valor moderado por arrendamento acessível e habitação a custos controlados. E a outra diz respeito à introdução do parecer das CCDR no processo de reconversão de solos decidido pelos municípios.

Habitação a custos controlados e arrendamento acessível ganham

Com as alterações aprovadas, o conceito de "habitação a custos moderados" cai por terra. Agora, só se poderá construir casas em solos rústicos classificados como urbanos se se tratar de habitação a custos controlados (HCC) ou para arrendamento acessível (AA). Esta é uma mudança que traz críticas, mas também elogios.

O presidente da APPII concorda com a construção de habitação para arrendamento acessível, embora considere que é “impossível” fazê-lo sem haver libertação de terrenos públicos a custo zero e uma redução dos custos da construção. Por outro lado, o regime de habitação a custos controlados, embora tenha IVA a 6%, “ainda é um processo complexo e burocrático (…), sendo uma pedra na engrenagem”. 

Na mesma linha, Rui d'Ávila, administrador do GFH (grupo que tem experiência em construir habitação a custos controlados), sublinha que “nem todo o território admite HCC ou AA, porque não é financeiramente viável”. E lembrou que o HCC está pendurado no coeficiente de localização do código do IMI (em que o preço é tabelado) e o arrendamento acessível está pendurado na mediana das rendas locais que é “deturpada”. Além disso, estes regimes limitam o preço de venda ou de arrendamento, mas falta na lei dos solos "um mecanismo que também estipule o preço máximo para os terrenos reclassificados”, uma vez que o preço dos solos “influencia bastante” a viabilidade dos negócios, apontou Joaquim Lico, CEO da promotora Vogue Homes.

“Ter 30% de mercado livre e 70% de habitação a custos controlados ou de renda acessível já me parece bastante razoável para viabilizar um negócio”, Filipa Roseta, vereadora da Habitação e Obras Municipais na Câmara Municipal de Lisboa

Mas o próprio Governo diz acreditar que os investidores e promotores privados vão conseguir encontrar um modelo de negócio viável dentro do cálculo que exige 70% de habitação a custos controlados ou de renda acessível e que atribui 30% para “usos conexos” como serviços ou comércio, que é, segundo explicou a secretária de Estado da Habitação, “uma mais-valia, uma compensação monetária e uma oportunidade".

“Ter 30% de mercado livre e 70% de habitação a custos controlados ou de renda acessível já me parece bastante razoável para viabilizar um negócio”, comentou Filipa Roseta, vereadora da Habitação e Obras Municipais na Câmara Municipal de Lisboa, lembrando que o conceito de habitação de valor moderado tinha a falha de não limitar os metros quadrados (m2), pelo que dava margem para se construir uma casa de 1.000 m2 a custar 3 milhões de euros, exemplifica.

Uma das preocupações da secretária de Estado da Habitação neste âmbito prende-se ainda com os regimes de HCC e AA tal como estão desenhados hoje. “A revisão destes dois regimes faz parte do Construir Portugal”, sendo que “o regime de arrendamento acessível está pronto para introduzir alteração no curso legislativo, precisamente para haver maior celeridade e desburocratizar”, adiantou Patrícia Gonçalves Costa. Embora o regime de HCC possa ser melhorado e revisto, Rui d'Ávila lembra que “o seu principal estrangulamento é o IHRU”, porque tem falta de recursos humanos. 

Construir casas em solos rústicos
Moderador | Joaquim Lico, CEO da Vogue Homes | Filipa Roseta, Vereadora, Habitação e Obras Municipais na Câmara Municipal de Lisboa | Aniceto Viegas, CEO da Avenue | Rui d'Ávila, administrador na GFH Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Reclassificação de solos terá de passar pelas CCDR além dos municípios

Outra alteração à lei dos solos foi a introdução de um duplo parecer na reclassificação de solos rústicos para urbanos. Depois de os técnicos municipais reclassificarem os solos (e a Assembleia Municipal validar), agora também as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) têm de dar o seu parecer, embora seja não vinculativo. Esta medida terá vantagens e desvantagens, de acordo com os especialistas presentes no evento.

“As CCDR são entidades de uma burocracia absolutamente extraordinária (…) torna-se um processo menos automático”, considera o Hugo Santos Ferreira, reforçando que esta alteração vai “trazer mais burocracia, que pode ditar o fim da aplicabilidade desta lei”. Para Aniceto Viegas, CEO da Avenue, não ter pareceres das CCDR seria uma forma de “respeitar os prazos e ter previsibilidade”, o que agora se perdeu.

Já vereadora Filipa Roseta assumiu que a sua “maior preocupação” quando viu o diploma da leis dos solos antes das alterações foi precisamente não contemplar um parecer das CCDR, considerando uma “falha à cabeça”. “A responsabilidade ficava toda no técnico municipal que dava o parecer (… ) isto é tirar a rede de segurança aos técnicos do país, que ficavam como uma responsabilidade brutal”. “Nem sei como ia ser possível deixar a Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional (RAN) nas mãos dos técnicos municipais”, reforçou ainda. Por tudo isto, considerou “positivo” ter sido incluído um parecer não vinculativo da CCDR’s para verificar o trabalho destes técnicos, que podem cometer erros.

Construir casas acessíveis
João Pereira Reis, sócio da Morais Leitão | Miguel Arnaud de Oliveira, consultor na Morais Leitão Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Provar a viabilidade económica e planos municipais simplificados

Há ainda outras alterações à lei dos solos destacadas. O presidente da APPII estranhou o facto de se passar a exigir uma demonstração da viabilidade economia e financeira e até prova de financiamento antes de haver projeto. “Qual é o banco que vai dar luz verde a um projeto que nem sequer existe?”, questiona, lamentando a “falta de noção de realidade por parte dos legisladores”.

Além disso, houve a reposição do critério territorial de “contiguidade com o solo urbano”, para consolidação de área urbana existente. Para Miguel Arnaud de Oliveira, da Morais Leitão, o que terá mais impacto no curto e médio prazo é a alteração ao regime simplificado de planos, o qual é “puramente municipal (envolve as câmaras e as assembleias municipais) e que vai permitir alterar, por exemplo, alguns dos parâmetros fixados nos planos, o que poderá libertar novo espaço para habitação no curto e médio prazo e, aí sim, estará uma mais-valia”.

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