João Pagani Toscano, CEO da Livingroup, considera que o programa de vistos gold podia ajudar a dar resposta à crise na habitação.
Comentários: 0
Gonçalo Lopes
Gonçalo Lopes

“O nosso portfólio, praticamente desde 2015 a 2023, são edifícios históricos, edifícios reabilitados. É algo que sempre gostámos”. Em entrevista ao idealista/news, João Pagani Toscano, CEO da promotora imobiliária Livingroup, vai ao baú revisitar memórias para falar sobre como a empresa que fundou iniciou atividade em Portugal, há já mais de uma década. E reconhece que “há um certo romantismo em trabalhar com reabilitação urbana, sobretudo com este tipo de edifícios”. Mas há uma coisa que o deixa preocupado neste segmento do mercado imobiliário, o de luxo: a falta de qualidade dos acabamentos, que na sua perspetiva não acompanha os preços de venda praticados.

Numa longa conversa realizada nos escritórios da Livingroup, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, João Pagani Toscano lamenta o fim dos vistos gold em Portugal para efeitos de compra de casa e considera, de resto, que o país devia ter aproveitado melhor o programa até para dar resposta à crise na habitação na qual se encontra. Interesse por parte dos estrangeiros em investir no setor imobiliário em Portugal, assegura, continua a haver. 

Atividade da Livingroup em Portugal
João Pagani Toscano CEO da Livingroup Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news


A Livingroup foi criada em 2012. Que balanço de atividade faz?

O balanço é bastante positivo. Fomos constituídos em plena crise financeira, quando o setor praticamente estava falido, e começámos a identificar que os bancos tinham muito 'stock' e queriam escoá-lo. Havia muitos promotores que tinham falido e nós tínhamos bons contactos com a banca e com investidores no mercado internacional. O que fizemos foi a ponte. Não nos iniciámos como promotores, apesar de eu ter cerca de 18 anos de carreira sempre ligado à promoção imobiliária, mas começámos a comprar lotes aos bancos e a configurá-los e vendê-los ao exterior. Sempre trabalhei com mercado externo, internacional, e sempre consegui identificar potenciais mercados onde sabia que havia interesse em investir em Portugal e, portanto, pegámos nesses projetos e fomos a esses mercados à procura de clientes, de parceiros.

Hoje, passados 13 anos, o ativo mais valioso que a Livingroup tem é a ‘network’ que construiu e desenvolveu. Temos uma rede de cerca de 168 parceiros em vários continentes a trabalhar connosco.

"O nosso portefólio, praticamente desde 2015 a 2023, são edifícios históricos, edifícios reabilitados. É algo que sempre gostámos. Edifícios boutique, 10, 15, 20 unidades, onde respeitamos sempre a identidade cultural. (...) Há um certo romantismo em trabalhar com reabilitação urbana"

Ou seja, começámos por comprar 'stock' à banca, mas depois o mercado começa a ficar maduro e a banca deixa de ter 'stock' interessante, pelo menos para nós. E também não queríamos ter um posicionamento, ou não queríamos ser identificados no mercado, como investidores, nem era objetivo constituir um fundo. Queríamos, sim, entrar na promoção imobiliária, e começámos a olhar para o centro histórico [de Lisboa] como uma oportunidade. E especializámo-nos na reabilitação urbana em edifícios com identidade cultural.

O nosso portefólio, praticamente desde 2015 a 2023, são edifícios históricos, edifícios reabilitados. É algo que sempre gostámos. Edifícios boutique, 10, 15, 20 unidades, onde respeitamos sempre a identidade cultural. Fomos das primeiras empresas a vender apartamentos completamente mobilados e a organizar um ‘pack’ para clientes, para que não tivessem de se preocupar com nada. Desde a gestão do imóvel à articulação do projeto com interioristas, ou seja, o interiorista entrar na fase inicial para trabalhar com o arquiteto, para tirar o máximo proveito de todo o edifício.

Como define, atualmente, a atividade da empresa? É apenas uma promotora imobiliária?

Em 2022 decidimos diversificar. Sempre tivemos promoção e ‘hospitality’, uma vez que vendíamos os nossos apartamentos e fazíamos a gestão dos mesmos, e a atividade correu muito bem até a pandemia. Nesse momento conseguimos antecipar o que iria acontecer, que foi a entrada de muito ‘stock’ no mercado de arrendamento, e conseguimos alocar muito do ‘stock’ que tínhamos a arrendamento a clientes de várias nacionalidades que decidiram mudar para Portugal. Clientes europeus que viam como uma oportunidade trabalhar remotamente.

Agora temos cerca de 54 apartamentos em construção em Alcácer do Sal [Alcázar e Alhambra Village]. Estamos a terminar o Mondrian [Lisboa] e vai entrar o Mourisca [Lisboa], portanto, estamos a falar de um ‘stock’ que vai entrar em gestão agora de cerca de 75 frações. Desafiámo-nos, também dentro da reabilitação, para investir num boutique hotel em Moura [Casa das Nunes], um palácio, um edifício com muita história, e vamos iniciar agora a obra. Deu muito trabalho até chegar à fase final da aprovação.

"É muito complicado em Portugal trabalhar com edifícios com património histórico, em que se remete a duas identidades, a câmara municipal e a DGPC, em que ambas estejam de acordo. (...) Há muitos promotores que, quando são expostos a toda esta morosidade, não estão dispostos a correr o risco"

É muito complicado em Portugal trabalhar com edifícios com património histórico, em que se remete a duas identidades, a câmara municipal e a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), em que ambas estejam de acordo. Todos estes ciclos nos quais somos postos, os promotores imobiliários, são responsáveis por muitos dos projetos ficarem na gaveta. Há muitos promotores que, quando são expostos a toda esta morosidade, não estão dispostos a correr o risco.

Estamos com outro projeto ainda maior no Algarve que está a atravessar o mesmo problema [chama-se Villa Magna e passou a designar-se MGallery]. A arquitetura está aprovada, mas falta as especialidades, em que é preciso remeter para a Águas do Algarve. Como o mercado é feito de ciclos, o estudo de viabilidade financeira que fizemos há dois anos já foi atualizado pelo menos três vezes. As tendências do mercado vão-se atualizando, nós também e os custos também, e tudo tem impacto nas rentabilidades e na nossa atividade. É um dos grandes problemas que temos em Portugal.

Casas de luxo em Lisboa
Empreendimento Mourisca, em Lisboa Créditos: Livingroup


Quantos projetos é que a Livingroup tem em desenvolvimento?

Estamos a terminar construção do Mondrian, na Penha de França, que está 100% vendido. Entregam-nos a obra e vamos submeter o projeto a leis finais, felizmente temos agora um simplex [dos licenciamentos] que agiliza o processo. E acabámos de escriturar o Mourisca, na Mouraria, um projeto muito giro e que deu muito trabalho.

Há um certo romantismo em trabalhar com reabilitação urbana, sobretudo com este tipo de edifícios. Fui visitar o edifício do Mourisca, que é pequeno, sem exagerar dez vezes, e não conseguia ver além do que estava à minha frente. Quando vamos ver um edifício destes há obviamente um estudo de viabilidade técnico-financeira e temos de ver, por exemplo, a localização do projeto. Não conseguia ver o que o edifício me queria transmitir. O que é certo é que tínhamos muitos clientes em ‘pipeline’ e não tínhamos produto. Tínhamos de colocar produto no mercado e decidimos arriscar. Agora digo que se tivesse dez Mouriscas tinha-os vendido em tempo recorde. Batemos recordes de vendas: o Mourisca foi vendido em seis, sete semanas e o Mondrian num mês. Ou seja, há muita procura, há muita vontade para investir nestes projetos em que se mantém a identidade cultural.

Não são projetos estudados, desenvolvidos e direcionados somente para Alojamento Local (AL), em que não há preocupação ou cuidado com o tipo de materiais. Por isso é que envolvemos os interioristas nos projetos, se queremos vender uma certa qualidade, o tipo de materiais que utilizamos ou o caderno de encargos que apresentamos tem de estar de acordo com o projeto, com o preço e com a localização.

"Estamos a vender ‘prime’ em localização ‘prime’. Temos edifícios que do ponto de vista arquitetónico são excelentes. Temos edifícios e projetos já muito alinhados com a taxonomia, o que é ótimo (...). Mas quando vamos a ver, a qualidade dos acabamentos não acompanha o preço a que estamos a vender"

Estamos a atravessar um problema que me preocupa. Estamos a vender ‘prime’ em localização ‘prime’. Temos edifícios que do ponto de vista arquitetónico são excelentes. Temos edifícios e projetos já muito alinhados com a taxonomia, o que é ótimo, um caminho que nós também já estamos a seguir. Mas quando vamos a ver, a qualidade dos acabamentos não acompanha o preço a que estamos a vender. É uma das críticas que ouvimos e sentimos não somente da parte dos ‘brokers’ com quem trabalhamos, mas dos próprios clientes, que é: certo, a localização é fantástica, o edifício é fantástico… mas falta qualidade.

E procura para essa qualidade e para este nicho de mercado existe, certo? Há muitos portugueses a olhar para o segmento de luxo?

Atualmente temos um certo receio de falar ou de direcionar os projetos ao mercado externo ou de, quando lançamos um projeto, termos procura estrangeira. Com a necessidade que o mercado tem, com a necessidade que temos de habitação, há quase que um tabu em falar no investidor estrangeiro. Há efetivamente um problema enorme de falta de casas em Portugal, e em Espanha também, diria até que o problema é três ou quatro vezes superior em Espanha. Digo isto porque vivo em Madrid e conheço perfeitamente à realidade do país.

O mercado imobiliário e o setor imobiliário continuam sólidos, porque a nossa exposição à banca é muito reduzida. Agora parece que há algum receio quando se fala em investidores estrangeiros. Nós precisamos de investidores estrangeiros. As pessoas que investiram e confiaram no nosso país, e foram muitas, têm as suas casas, investiram nas suas casas. Agora vamos criar condições para que haja mais oferta. O problema continua a ser o mesmo, e é tão simples quanto isto: procura e oferta. Ou seja, não se construiu o necessário para fazer face à necessidade que o mercado necessita, esse é o verdadeiro problema.

Casas de luxo no Alentejo
Empreendimento Casa das Nunes, em Moura Créditos: Livingroup


Há terrenos disponíveis para nova construção de casas, quer seja para o segmento de luxo quer seja para a classe média?

Há espaço, o problema é que temos um PDM que não é revisto, de certa forma, desde os anos 90, em muitas zonas. O PDM em Portugal devia ser revisto de uma ponta à outra, porque está completamente desajustado. E temos outro problema: 12% da população tem mais de 65 anos, por isso vamos entrar numa crise demográfica, porque as pessoas estão a envelhecer. Onde é que estão os hospitais? Onde é que estão os serviços de saúde que essas pessoas vão precisar? As pessoas com 70 e 80 anos que vivem na zona histórica, em certas zonas, estão a envelhecer. Ou seja, o crescimento das cidades, o crescimento urbanístico, não está a contemplar novos polos hospitalares, novos serviços de saúde. Isso tem de ser revisto.

A Livingroup tem sob gestão ou já desenvolveu cerca de 350 apartamentos. Os compradores/investidores são sobretudo estrangeiros?

O nosso ‘track record’ até agora constitui cerca de 350 unidades e 95% dos clientes são investidores. Praticamente todos compraram e investiram no âmbito do Golden Visa. Foi, aliás, um erro enorme a forma como o programa foi retirado de Portugal. Foi um dos melhores programas em matéria de habitação que foi criado no país. A informação que é passada é completamente errada face ao que era na realidade. O Golden Visa continua em vigor, mas através de fundos de investimento ou de doações, e podia  ter sido utilizado de forma inteligente para resolver o problema da habitação. Infelizmente não foi.

Como assim?

São muitos anos a trabalhar com este tipo de clientes, com este tipo de investidores. Se o programa fosse modelado de acordo com a necessidade do país, tendo em conta a crise habitacional que estamos a viver, o programa podia trazer vantagens enormes.

"Podíamos ter utilizado o programa Golden Visa para desenvolver projetos de habitação sustentável no ponto de vista ambiental, muito alinhados com a taxonomia, a preços acessíveis para o arrendamento com condições muito atrativas para os investidores, e acabávamos por resolver um problema"

Podíamos ter utilizado o programa para desenvolver projetos de habitação sustentável no ponto de vista ambiental, muito alinhados com a taxonomia, a preços acessíveis para o arrendamento com condições muito atrativas para os investidores, e acabávamos por resolver um problema. Conseguíamos à mesma captar investimento, resolver o problema da habitação, criar habitação de valor com qualidade, com controlo de emissões de carbono, com princípios de ESG, com critérios já alinhados com as diretrizes e a legislação europeia. Podíamos colocar esses apartamentos a rendas com valores acessíveis e os investidores continuariam a investir e a comprar. Resolvia-se, em parte, o problema da habitação.

Casas em Álcacer do Sal
Empreendimento Alhambra Village, em Álcacer do Sal Créditos: Livingroup


Falou em empreendimentos vendidos em tempo recorde. Ainda com o programa Golden Visa em vigor, certo?

[Além do Mourisca e do Mondrian] vendemos o Alcázar em Golden Visa, 35 apartamentos em cinco meses, e o Alhambra Village, 19 apartamentos, em também cerca de cinco meses. Isto foi vendido antes da alteração da lei. Com a alteração a nossa operação de Golden Visa parou completamente e obrigou-nos a reestruturar toda a operação.

Ainda assim, continua a haver muita procura por parte de compradores e/ou investidores estrangeiros?

Continua e vai aumentar. Acredito que 2025 vai ser um bom ano. Portugal é um país muito apetecível. Para se ter uma ideia de como tudo mudou, há dez, 12 anos, quando começámos a promover os nossos projetos, passava 15 dias por mês na China e chegávamos a fazer apresentações para 350 pessoas, e a única coisa que identificavam e conheciam do país era o Cristiano Ronaldo. E perguntavam-nos se Portugal e Espanha era a mesma coisa. Era uma coisa que me irritava bastante, aquilo mexia comigo.

Os norte-americanos, por exemplo, estão maravilhados com Portugal. Não se deve ao facto de Donald Trump ter ganho as eleições, já há algum tempo que havia muitos norte-americanos descontentes. Temos vantagens excelentes, portanto, é apetecível a muitos estrangeiros vir para Portugal.

Quanto é que a Livingroup já investiu em Portugal?

Temos cerca de 150 milhões de euros em volume de vendas. Estamos com um dos maiores projetos do grupo no Algarve, que compreende cerca de 28 milhões de euros. Um projeto turístico que acaba de ser formalizado com a marca MGallery do grupo Accor. São 62 apartamentos em Porches, é um ecoresort constituído por T0 e T1, um restaurante, uma horta biológica, dois courts de ténis, dois courts de padel. Vai ter cerca de 300 painéis solares.

Empreendimentos de luxo
Imagem ilustrativa 3D do ex-Villa Magna e atual MGallery, no Algarve Créditos: Livingroup


O projeto de que fala é o Villa Magna?

Lançámo-lo como Villa Magna sem ‘branded’, mas agora, uma vez que vai ter o ‘branded’ do MGallery, não se vai chamar Villa Magna, mas sim MGallery.

Creio que a Livingroup tem ainda um projeto de escritórios em Lisboa?

Lançámos a marca de cowork Piece of Work em 2018 e o espaço ficou concluído em 2019. Entretanto deu-se a pandemia e o mercado parou completamente, então preferimos deixar a marca em ‘standby’ e alocar o espaço a uma empresa: esteve arrendado durante três anos à Too Good To Go. Neste momento está arrendado a outra empresa. Encontra-se em Campolide e tem 550 metros quadrados e oito lugares de estacionamento.

O grosso da atividade do Livingroup centra-se na reabilitação urbana em Lisboa, mas, ao que parece, a empresa está a expandir-se para outras áreas de negócio e noutras geografias. É uma visão correta?

O MGallery foi a primeira aposta no Algarve, mas com o projeto em Moura [Casa das Nunes], com o Alhambra Village e com o Alcázar começámos a direcionar-nos mais para Sul. Nos próximos projetos queremos posicionar-nos no segmento de ‘Branded Residences’, sempre com uma marca de ‘hospitality’. Conseguimos, e deu muito trabalho, trazer a Accor e a MGallery, o objetivo é trazer outras marcas e aliená-las a outros projetos. Acreditamos muito no Alentejo, tem muito potencial. Provavelmente, os próximos projetos estarão orientados neste conceito.

O Alentejo está na nossa mira enquanto cluster turístico. O centro histórico de Lisboa estaria, e estaríamos a desenvolver projetos e continuaríamos a investir em edifícios históricos, se os programas vigentes na altura, como o Golden Visa e o regime de Residentes Não Habituais (RNH), continuassem vigentes, porque traziam investidores estrangeiros.

Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta