Pedro Fontainhas, Diretor Executivo da Associação Portuguesa de Turismo Residencial e Resorts (APR), em entrevista ao idealista/news.
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Uma penthouse de dois andares no Parque das Nações (Lisboa) com vista para o rio Tejo é o cenário da conversa com Pedro Fontainhas, Diretor Executivo da Associação Portuguesa de Turismo Residencial e Resorts (APR). O luxo marca presença em todos os cantos do apartamento, que tem, por exemplo, um elevador para fazer a ligação entre os dois andares. Falamos de uma branded residence (residência de marca) que se encontra no último andar do Martinhal Lisbon Oriente e que está disponível no mercado para venda (o valor é desconhecido) e arrendamento, neste caso por cerca de 9.500 euros por noite. E sim, já teve inquilinos. “É um fenómeno mais recente em Portugal, mas que está igualmente em franco crescimento”, diz Pedro Fontainhas, em relação a este tipo de produto imobiliário. 

Entre os vários temas abordados na entrevista que concedeu ao idealista/news na retal final de 2024 está a evolução do setor do turismo residencial em Portugal, o interesse dos investidores estrangeiros no país, nomeadamente o oriundo dos EUA, e o impacto de fatores externos – como guerras e eleições – no setor. Sobre a crise na habitação na qual se encontra mergulhado Portugal, considera que a “solução passa por construir mais casas”. E deixa um aviso: “O mercado de imobiliário residencial turístico de luxo não tem qualquer influência na disponibilidade ou na existência ou não existência de casas para portugueses”. 

Branded Residences
Pedro Fontainhas, presidente da APR, na varanda de uma das penthouses do Martinhal Lisbon Oriente Créditos: Gonçalo Lopes/idealista/news | Martinhal Residences

A APR nasceu em 2011 e representa mais de 100 resorts e empreendimentos turísticos. Como tem sido a evolução ao longo dos anos?

A APR nasceu em 2011 e tem vindo a crescer, mas não de uma forma regular. Uns anos cresce mais, outros menos. O que faz variar essa taxa de crescimento são, normalmente, condicionantes externas. No ano de 2023, por exemplo, crescemos 30%, assim de repente. Porquê? Não é que haja um estudo a explicar as causas, mas a minha perceção, claramente, foi o anúncio do programa Mais Habitação e a grande ameaça que se abateu sobre o turismo residencial e os resorts com o que daí derivou e com o fim dos vistos gold e do Regime dos Residentes Não Habituais (RNH), etc. E então tivemos um grande crescimento, que ainda temos.

Quantas empresas são associadas da APR?

São cerca de 30 empresas. Nem todas são resorts ou empreendimentos turísticos residenciais, porque temos também sociedades de advogados, consultores imobiliários e algumas empresas que são ‘stakeholders’ do setor, mas a grande maioria são resorts, obviamente.

Estamos a falar de um segmento mais direcionado para o mercado de luxo…

Sim, claramente. Os nossos associados são promotores de empreendimentos de 4 e 5 estrelas. Creio que não temos nenhum abaixo disso. E dentro do 4 ou 5 estrelas, em particular aqueles que põem o ‘maiszinho’ à frente, porque são empreendimentos de luxo destinados a satisfazer uma procura que existe e que nós tentamos atrair e atraímos e que faz muito bem ao país e à economia e que tira partido, no fundo, do que Portugal tem de melhor para oferecer, mantendo sempre uma enormíssima preocupação de preservação ambiental, sustentabilidade, dinamização das comunidades locais onde se instalam esses projetos, etc.

Os nossos associados são promotores de empreendimentos de 4 e 5 estrelas. (...) E dentro do 4 ou 5 estrelas, em particular aqueles que põem o ‘maiszinho’ à frente, porque são empreendimentos de luxo destinados a satisfazer uma procura que existe e que nós tentamos atrair e atraímos e que faz muito bem ao país e à economia (...)"

São empreendimentos que se encontram sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve, em zonas mais turísticas, ou há outras localizações?

Em termos geográficos, o setor do turismo residencial está particularmente centrado no Algarve, como seria de esperar, mas está longe de ser o único território. Há empreendimentos em todas as zonas do país, no Norte, no Centro, em Lisboa e Vale do Tejo, na Península de Setúbal, no Alentejo… Essa distribuição geográfica, em números, consiste em qualquer coisa como:

  • Mais de 23 mil empreendimentos no Algarve;
  • Cerca de 1.300 no Norte;
  • Cerca de 1.300 em Lisboa e Vale do Tejo;
  • Cerca de 1.300 na Península de Setúbal;
  • Quase 4.000 na região de Lisboa.
Martinhal Lisbon Oriente
Martinhal Lisbon Oriente, no Parque das Nações Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

“Prevemos que muito mais gente vai viver para empreendimentos turísticos", disse-nos em maio de 2020. É possível afirmar que a pandemia mudou o paradigma neste nicho de mercado? 

O tema da pandemia é interessante, porque obviamente mudou muitos paradigmas e ideias que tínhamos em vários domínios. Por exemplo, a pandemia terá contribuído mais para a modernização administrativa e eletrónica do país do que décadas de políticas públicas, porque num instantinho todos tivemos de nos adaptar, não houve outro remédio. Com isso vieram mudanças, obviamente, no processo de venda, promoção e comunicação. Foi uma mudança radical, porque passou-se a usar muito mais o online, que passou a ser muito mais bem aceite.

Por outro lado, os próprios requisitos, aquilo que as pessoas procuram, de repente encontraram nos resorts uma coisa que já existia há muito tempo, mas que só agora é que se tinha tornado uma preocupação de primeira linha. Porque desde há muito tempo que faz parte da alma de um resort ou de um empreendimento de turismo residencial, tal como o definimos, ter espaços abertos, segurança, distanciamento, serviços à porta, zonas diferenciadas de descanso, lazer, socialização, trabalho etc. Tudo isso já existe neste tipo de produto há muitos anos, praticamente desde que começaram a existir resorts. E a pandemia, então, veio trazer muita clientela nova, portugueses e não só. Aspetos que de repente passaram a ser uma prioridade para as pessoas.

Neste tipo de empreendimentos turísticos e residenciais os proprietários das casas são mais portugueses ou estrangeiros?

A média aritmética, misturando bugalhos e alhos, é cerca de 50%, portugueses e estrangeiros. Agora, claro que há sítios que estão especialmente vocacionados para uma determinada clientela. Temos associados em que os portugueses estão a 80% e temos outros em que estão se calhar a 20%. Isso acontece muito e faz parte do produto e do design do produto e de quem é que se quer atingir. E depois, também as nacionalidades tendem a agregar-se em ‘clusters’.

Na ótica da exploração turística, da ocupação, é olhar os números do turismo. Aí estamos iguais a toda a gente. São quartos. São apartamentos. São unidades de alojamento que são arrendadas temporariamente por uma semana, duas semanas, um mês, o que for. E aí vem gente de toda a parte.

Há um padrão neste tipo de arrendamentos? É mais comum ser de curta duração ou por temporadas, seis meses, um ano etc.?

Mais uma vez tem a ver com o tipo de produto. Será mais fácil que alguém arrende uma unidade como esta em que estamos na cidade, onde há tudo, transportes, comércio, cultura, diversão, escritórios… por longas temporadas que uma num resort que esteja à beira-mar num sítio mais afastado e em que as pessoas vão lá passar férias.

Branded residences em Portugal
Sala com vista para o rio Tejo de uma penthouse no Martinhal Lisbon Oriente Martinhal Residences

Portugal continua no radar dos investidores estrangeiros para este nicho de mercado do turismo residencial, apesar, por exemplo, do fim dos vistos gold e dos Residentes Não Habituais (RNH)?

Penso que a minha visão do mercado coincide bastante com a visão geral dos nossos associados: foram acabar com os instrumentos que muito contribuíam para o desenvolvimento económico do país, para criar empregos, para dinamizar culturas, as populações locais, etc., sem nenhuma contrapartida. Os argumentos foram vários e nós, como associação, fomos desconstruindo todos à medida que surgiam novos.

Vou dizer uma coisa que resume tudo o que possa dizer daqui para a frente. Acabaram os vistos gold, acabaram os RNH, acabou tudo o que era atração de investidores estrangeiros para Portugal… e os preços das casas, desde que isso acabou, ainda subiram mais de 12,5%. Aqui vê-se que não só esse instrumento não teve qualquer efeito no que estava a acontecer como deixámos de ter os benefícios que daí advinham.

Mas sentiu que houve da parte dos investidores estrangeiros um abrandar do interesse no imobiliário nacional, nomeadamente neste segmento?

No início de 2024, talvez no primeiro trimestre, não sei bem se no segundo também, houve nitidamente uma quebra nas vendas. Houve também uma filtragem das nacionalidades, uma filtragem automática, digamos, decorrente dessas medidas, porque aqueles investidores que não tinham direito ao visto gold porque não precisavam, porque já eram europeus ou por qualquer outra razão, esses continuaram a investir. Os outros que não tinham e que viam o visto gold como uma excelente ferramenta para pôr os filhos a estudar em Portugal, para montar aqui atividades, empresas ou para estar cá a trabalhar para fora, esses que eram elegíveis para os vistos gold deixaram de poder tê-lo, pelo menos tê-lo tão facilmente como antes.

Tem-se falado muito do crescente interesse dos norte-americanos no imobiliário nacional. Também sentiram isto neste nicho de mercado?

Os norte-americanos não são a maior nacionalidade em proporção e penso que não estarão entre as três maiores, mas é a que está a crescer mais rapidamente. São investidores sérios, é gente que pensa no investimento que faz e que tem boas razões para vir para Portugal. Acredito que o ritmo de crescimento tenderá a aumentar.

Residências de marca
Vista da cozinha e da sala de uma penthouse no Martinhal Lisbon Oriente Martinhal Residences

Este tipo de ativos imobiliários, como esta penthouse onde nos encontramos, estamos a falar de branded residences, das chamadas residências de marca? É um fenómeno recente em Portugal?

O fenómeno das branded residences, como este empreendimento onde estamos, o Martinhal Lisbon Oriente, é recente em Portugal, mas não é assim tão recente noutras paragens, nos EUA, na Ásia e noutros sítios há branded residences há muito tempo. Em Portugal é um fenómeno mais recente, mas que está igualmente em franco crescimento. E há bons exemplos, penso que em 2024, se não me engano, pelo menos uma dezena de novos empreendimentos surgiram.

"O fenómeno das branded residences é recente em Portugal (...), mas está igualmente em franco crescimento. E há bons exemplos, penso que em 2024, se não me engano, pelo menos uma dezena de novos empreendimentos surgiram"

O conceito é, no fundo, mais ou menos o de sempre, com a diferença que aqui não se olha apenas à rendibilidade do investimento, à funcionalidade e à localização, olha-se também à qualidade de vida associada às marcas que proporcionam esses produtos. Porque, obviamente, uma marca vai dar o nome a um produto imobiliário deste tipo, mas com determinados parâmetros dos quais não abdica e que vão tendencialmente ser iguais em todos os outros projetos dessa mesma marca ou com essa mesma marca.

É também um setor bastante orientado para classes médias/altas ou altas. Não se diferenciam [os imóveis] necessariamente pelo preço, embora sejam sempre uma componente importante, mas sim pela qualidade, pela grande qualidade. E há portugueses também interessados e clientes deste produto de residências de marca.

Há novos projetos deste tipo a surgir em Portugal?

As residências de marca têm-se consolidado. Estão a surgir muitas. Penso que este ano [2024] surgiram mais do que em qualquer ano anterior e para o ano [2025] surgirão provavelmente ainda mais. E assim continuará a ser, disso não tenho qualquer dúvida, porque é um produto muito apetecível. E Portugal tem condições extraordinárias para isso funcionar.

Casas de luxo em Lisboa
Vista de um dos quartos de uma penthouse do Martinhal Lisbon Oriente Martinhal Residences

É verdade que são nichos de mercado totalmente diferentes, mas este bom momento que vive o turismo residencial e resorts em Portugal contrasta com a crise na habitação existente no país. O que poderia ser feito para contribuir para o aumento de oferta de casas para a classe média?

Este mercado de imobiliário residencial turístico de luxo não tem qualquer influência na disponibilidade ou na existência ou não existência de casas para portugueses. A solução passa por construir mais casas, porque não há, por isso há que construir mais casas. Agora, não é pela existência destes resorts que estas casas [para a classe média] não são construídas, é por todas as razões menos essa. E isso está demonstrado. Pelo contrário, estes resorts, estes empreendimentos, na verdade, o que fazem é dar empregos às pessoas, que depois podem gerir a sua vida e subir o seu nível de vida.

Porque é que não se diz que os hotéis tiram casas às pessoas? Não se diz porque não tiram! Arrendam-se quartos ao dia, muitos ou poucos, mas não tiram casa a ninguém. Nos resorts é exatamente a mesma coisa, com a diferença que também vendem os quartos, digamos, às pessoas. É um caso particular, digamos, de hotelaria, em que o cliente é dono do seu mini-hotel. Pode ser só um quarto.

O que esperar de 2025 para este o segmento do turismo residencial e resorts? O que pode esperar do mercado?

Temos guerras e com elas há oportunidades e desafios, porque causam desconforto a muita gente e há pessoas que podem sair desses países e vão viver para outros. E quando não há guerras há as situações políticas, como as eleições nos EUA, que também provocam alguma incerteza. Tudo isto pode gerar um movimento maior de pessoas de várias nacionalidades a quererem estabelecer-se em Portugal.

Há outro fator importante a ter em conta, os materiais. Tudo o que está relacionado com a construção está muito mais difícil. Os materiais demoram tempo a chegar, a fazer, sobem de preço e isso não tem como não atrasar a entrega do produto, ou adiar decisões de investimentos, ou fazer subir o preço dos projetos que vão sendo feitos.

E há ainda um terceiro fator, que é a falta de mão de obra. É uma preocupação de toda a gente, tanto ao nível da construção como da exploração turística e manutenção de resorts. Temos esses desafios, mas já os tivemos no passado e acreditamos que daqui a um ano estaremos aqui novamente a dizer: “Mais um ano que, afinal, acabou por correr bem”. 

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