
Hoje, a economia mundial vê-se confrontada com vários riscos. A pandemia continua a assombrar os países, embora em menor amplitude. E a queda do imobiliário chinês a par das medidas restritivas impostas na China, continuam a impactar os negócios internacionais. Além disso, o “elevado grau de incerteza” quanto à evolução da guerra na Ucrânia continua a ser um “risco significativo” quer para o crescimento económico dos países da Zona Euro, quer para a inflação. Ao analisar os impactos de uma “evolução mais adversa da guerra”, o Governo de António Costa conclui que os encargos com os créditos habitação acabariam por subir e sentir-se-ia uma maior pressão sobre os preços das matérias-primas, afetando os custos energéticos e o setor da construção.
Na análise dos riscos e da sensibilidade macroeconómica, o Executivo socialista admite que “uma evolução mais adversa da guerra (…) teria várias repercussões com impacto negativo no cenário apresentado”, lê-se na proposta do Orçamento de Estado para 2023 (OE2023) passada a pente fino pelo idealista/news.
E uma das consequências previstas deste cenário “adverso” está relacionada com as finanças das empresas e famílias. O Governo admite que as condições financeiras ficariam “mais restritivas” caso a guerra da Ucrânia se agravasse. E explica porquê no OE2023: um "cenário adverso da guerra" iria impulsionar ainda mais a subida em flecha da inflação, conduzindo a “efeitos de segunda ordem”, como é o caso da subida adicional das taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE) para combater a subida generalizada dos preços. Note-se que até agora o regulador europeu já subiu os juros diretores em 125 pontos base na segunda metade do ano e pretende voltar a fazê-lo nas próximas reuniões.

Como o agravamento da guerra pode influenciar os encargos com os empréstimos da casa?
A "evolução adversa” da guerra da Ucrânia acabaria, portanto, por “condicionar o crescimento económico, ao afetar o valor dos ativos de risco nos mercados internacionais e, por consequência, a liquidez dos mercados de capitais e o crédito, onerando o encargo com créditos das famílias e as condições de financiamento das empresas”, explica o Executivo de António Costa no documento.
Ou seja, este cenário levaria a acabaria por, de forma indireta, agravar ainda mais os custos dos créditos habitação das famílias portuguesas. Isto porque o agravamento da guerra impulsionaria ainda mais a subida da inflação, um cenário que faria o BCE tomar medidas macroprudenciais mais duras, subindo ainda mais os juros diretores, o que acabaria por dar gás ao crescimento das taxas Euribor, às quais a maioria dos créditos habitação em Portugal estão indexados.
Taxas Euribor batem recordes
Isto acontece porque as taxas Euribor estão intimamente ligadas às taxas de juros diretoras do BCE. E, nos últimos meses, já se tem sentido uma subida a galope da Euribor para todos os prazos, sobretudo, depois do regulador liderado por Christine Lagarde ter iniciado a rota de subida dos juros diretores (o primeiro aumento em 11 anos foi em julho e o segundo em setembro):
- Euribor a 12 meses (a mais utilizada no conjunto dos novos contratos de crédito habitação em Portugal): a taxa média atingiu os 2,233% em setembro, quase o dobro da fixada em agosto (1,249%). De notar que a taxa diária chegou aos 2,693% esta quarta-feira, o valor mais elevado desde janeiro de 2009.
- Euribor a 6 meses (mais utilizada em Portugal no total de créditos habitação): chegou aos 1,596% em setembro em termos médios, também quase o dobro da registada no mês anterior (0,837%). A taxa diária da Euribor a 6 meses atingiu o valor mais elevado desde fevereiro de 2009, de 2,003%, no passado dia 11 de outubro.
- Euribor a 3 meses (a menos utilizada nos novos contratos, mas que ainda representa 30% da totalidade de contratos assinados até dezembro de 2021, segundo o Banco de Portugal): média de setembro fixou-se em 1,011%, quase o triplo da registada em agosto (0,395%). A taxa diária alcançou o valor máximo desde janeiro 2012 esta quinta-feira, chegando aos 1,363%.
Se com a atual política macromonetária as taxas Euribor estão a alcançar máximos dos últimos 13 anos, com o agravamento da guerra na Ucrânia e a consequente escalada da inflação estas taxas de referências europeias poderiam escalar ainda mais.
Construção: cenário “adverso” da guerra criaria maior pressão sobre os preços das matérias-primas
Se a guerra da Ucrânia se agravar no curto prazo, o Governo admite que se irá sentir uma “maior pressão sobre os preços das matérias-primas e aumento das perturbações nas cadeias de produção”, refere na mesma proposta.
“A possibilidade de uma interrupção severa do fornecimento de gás por parte da Rússia à Europa, nomeadamente como resposta a novas sanções impostas pela União Europeia à Rússia, conduziria a novos aumentos dos preços dos bens energéticos com possível transmissão a outros bens e serviços, traduzindo-se num aumento das pressões inflacionistas e a uma mais rápida desaceleração dos principais parceiros comerciais de Portugal, com consequente impacto negativo no crescimento da economia nacional”, explicam ainda no documento.
Este cenário afetaria vários mercados, como é o caso da construção. O custo de construção de casas novas subiu 12,6% em agosto, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). E o principal responsável por este aumento foram mesmo os preços dos materiais de construção, que subiram 16,6% em termos homólogos. Hoje, o contexto de inflação impulsionado pela guerra na Ucrânia tem encarecido vários materiais de construção como é o caso dos produtos cerâmicos (+70%) e do gasóleo (+20%). Se se agravar, os preços dos materiais poderão subir ainda mais, encarecendo, por conseguinte, as casas para comprar.
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