
O setor da mediação imobiliária dos EUA é muito diferente do de Portugal, desde logo pela dimensão geográfica dos dois países. Mas são muitas as diferenças existentes entre os dois mercados e as formas de vender e comprar casa em vigor nos mesmos. Massimo Forte, consultor, formador e coach especializado no setor imobiliário, aceitou o desafio do idealista/news de ser jornalista por um dia e esteve à conversa com Andreia Cordeiro, que trabalha no setor há 19 anos. “Tirei a licença de consultora imobiliária em Nova Iorque e em Connecticut e neste momento estou a trabalhar como agente”, começa por contar.
Andreia Cordeiro, que antes de rumar aos EUA trabalhou na ERA Alvor e na Remax Sun, ambas no Algarve, conta na primeira pessoa a experiência de ser consultora imobiliária fora de portas. Uma aventura que começou em 2019, após uma viagem para Nova Iorque com amigos. “Passados alguns meses [dessa viagem] mudei-me definitivamente para Nova Iorque e decidi mudar a minha vida por completo. Decidi deixar para trás uma carteira de clientes com mais de 16 anos e começar tudo de novo num país completamente desconhecido para mim”.
"Decidi deixar para trás uma carteira de clientes com mais de 16 anos e começar tudo de novo num país completamente desconhecido para mim"
Atualmente, Andreia já tem cartão de residência no país e já tirou a licença que lhe permite trabalhar como consultora imobiliária, tendo iniciado a sua aventura com um projeto ambicioso, o de vender imóveis em Portugal a clientes norte-americanos, uma tendência que tem ganho força em território nacional.
“Como tenho os contactos dos meus colegas das agências imobiliárias, dos meus clientes e construtores em Portugal, decidi entrar em contacto com eles e oferecer uma parceria. Com isso consegui fazer alguns negócios e algum dinheiro para me conseguir manter até conseguir trabalhar na mediação imobiliária em Nova Iorque. Continuo a fazer isso até hoje. Viajo três a quatro vezes por ano para Portugal para encontrar-me com parceiros de negócio para que possa ter imóveis para vender aos clientes norte-americanos e também aos portugueses imigrantes que cá residem”, conta.

Comparar o mercado da mediação imobiliária de Portugal com o dos EUA é um exercício muito complexo. Uma das diferenças está relacionada com o facto de existir nos EUA uma plataforma chamada Multiple Listing Service (MLS), certo? Em que consiste?
Nos EUA, usamos a MLS para inserir todas as angariações. É uma plataforma paga pelos consultores imobiliários anualmente e funciona por Estados: eu pago duas MLS porque exerço atividade em Nova Iorque e em Connecticut. Esta plataforma é excelente porque temos acesso às angariações de todas as imobiliárias desde o dia em que entram no sistema.
Quando temos um cliente comprador interessado num imóvel, não precisamos de ir ver o nosso site, depois os sites de outras agências ou portais imobiliários para encontrarmos o imóvel indicado para ele. Nessa mesma plataforma conseguimos ter acesso a toda a informação sobre o imóvel, tal como se tem alguma oferta, se já foi assinado um contrato de promessa compra e venda ou se já foi vendido. Podemos ver qual o valor da comissão oferecida pelo o angariador imobiliário e quais as condições para marcar visita. Temos acesso a toda a informação sobre o imóvel, tal como os impostos que se paga, quem são os proprietários e até mesmo quantas vezes foi vendido desde o início da sua construção.
E como funciona o agendamento de visitas, os “showings”?
Dentro da MLS temos um sistema no qual podemos marcar as visitas diretamente. Basta clicar num botão, onde aparece qual o dia e hora que se quer marcar a visita, e depois o sistema confirma a visita com as condições de acesso da mesma. Se a angariação estiver ativa, o consultor é obrigado a mostrar o imóvel. Em Portugal, em muitos casos os colegas dificultam o agendamento das visitas para conseguirem fazer os chamados “Plenos”.
Fale-nos um pouco sobre as lockboxes. O que são e para que funcionam?
Nos EUA, os imóveis têm quase todos lockboxes. Por norma, os códigos das lockboxes são digitais. Para termos acesso temos de ter a aplicação do sistema no telemóvel e quando chegamos ao imóvel colocamos o nosso código pessoal e abrimos a lockbox onde se encontra a chave do imóvel. Cá os angariadores não acompanham as visitas com os colegas que tem o comprador. A parte positiva é o facto de o angariador ter mais tempo para angariar novos imóveis e a parte negativa é o facto de o agente do comprador não conhecer bem o imóvel e acaba por não dar um bom serviço, por falta de informação sobre os detalhes do imóvel.
Em Portugal, temos os angariadores que vão abrir as portas dos imóveis, e por vezes dificultam-nos as visitas para puderem fazer os chamados “Plenos”.

Relativamente à obtenção de uma licença imobiliária, há muitas diferenças entre os dois países?
Em Portugal, qualquer pessoa pode exercer a profissão de consultor imobiliário. Basta ir a uma entrevista e, se gostar das condições, começa a trabalhar.
Nos EUA, temos de tirar uma licença por cada Estado, que tem de ser renovada e tem um custo anual. E temos de estar inscritos na “NAR - National Association of Realtors”. Isto entre outros custos anuais, tais como acesso às MLS, às lockboxes e “fees” da agência imobiliária onde se trabalha.
Falou várias vezes em “plenos”. Está relacionado com as comissões recebidas pela angariação e pela venda, certo?
Em Portugal, os consultores tentam sempre fazer o “pleno” para que possam receber mais comissões. Nos EUA, para que um consultor imobiliário possa fazer um “pleno” terá de ter um documento assinado pelo cliente vendedor e o cliente comprador a dar consentimento para que possa representar ambos. Se um dos clientes não aceitar, por conflito de interesse, o consultor imobiliário terá de escolher um colega com licença ativa para representar uma das partes. Por vezes é passada uma referência.
Como é feito o pagamento de comissões nos EUA?
Em Portugal, quando se faz uma escritura, seja no notário privado, público (Casa Pronta) ou no escritório dos advogados, o agente imobiliário está presente e quem paga a sua comissão é o cliente vendedor. O pagamento pode ser feito no mesmo dia ou mais tarde. Muitas das vezes o agente imobiliário tem de andar a ligar a pedir o pagamento.
Nos EUA, as escrituras são feitas nos escritórios dos advogados e os agentes imobiliários que representam o vendedor e comprador estão presentes. No final, o/a advogado/a entrega os respetivos cheques das comissões aos agentes imobiliários. A escritura não pode ser finalizada se os agentes imobiliários não receberem os respetivos cheques com as suas comissões.
Escalas em lojas. O que são e como funcionam em Portugal e nos EUA?
Em Portugal existem as chamadas escalas, ou seja, o consultor está no escritório um período de tempo e todos os leads obtidos através de chamadas telefónicas, entradas na loja ou pedidos de site são do consultor.
"Nos EUA não existem escalas ou comerciais de serviço. Os consultores têm de arranjar leads por eles mesmos, através do seu círculo de influências. Os escritórios não dão leads, até porque na maioria dos casos os brokers das agências também vendem imóveis e são nossos concorrentes diretos"
Nos EUA não existem escalas ou comerciais de serviço. Os consultores têm de arranjar leads por eles mesmos, através do seu círculo de influências. Os escritórios não dão leads, até porque na maioria dos casos os brokers das agências também vendem imóveis e são nossos concorrentes diretos.
O acesso à informação pessoal dos clientes é total nos EUA?
Em Portugal, quando fazemos prospeção é difícil termos acesso aos dados pessoais dos proprietários dos imóveis. Na maioria dos casos temos de ir bater à porta para que possamos falar com o proprietário. Existe uma lei de proteção de dados.
Nos EUA nós, agentes imobiliários, temos acesso aos dados pessoais (nome, morada, telefone e email) de todos os proprietários dos imóveis. Existem vários sites para pesquisar e também temos acesso direto na MLS, através de uma aplicação chamada “Remine”. Esta ferramenta é muito usada para enviar emails de prospeção e chamadas “frias” para angariar imóveis. Apenas não podemos ligar para os números de telefone que dizem “Do Not Call”, porque estão protegidos pela lei da proteção de dados.
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