Em entrevista ao idealista/news, o CEO da Merlin Properties revela que quer “continuar a expandir a atividade imobiliária" no país.
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Investimento imobiliário em Portugal
Ismael Clemente, CEO da Merlin Properties idealista/news

O imobiliário comercial tem passado por vários desafios ao longo do último ano. As elevadas taxas de juro, a par da instabilidade macroeconómica retraiu o investimento e até desvalorizou imóveis. Mas há investidores que continuam de pedra e cal no país. “A nossa atividade em Portugal é tremendamente satisfatória”, admite Ismael Clemente, CEO da Merlin Properties, em entrevista ao idealista/news. “É um país onde é muito fácil fazer negócios [imobiliários] e esse é o segredo do seu sucesso. Portanto, aumentar a exposição em Portugal faz parte dos nossos planos”, admite o responsável.

Foi nos escritórios da Merlin Properties em Madrid que Ismael Clemente recebeu o idealista/news. Em entrevista, admite que, hoje, o imobiliário está a passar por um “momento de transição”, no qual pode haver uma “descida de preço de qualquer ativo real”. Isto acontece porque, neste momento, são os compradores que estão a ditar os preços do mercado e não os vendedores dos imóveis, entre outros fatores.

Apesar do momento desafiante do imobiliário na Europa – e em Portugal e Espanha, em particular –, a Merlin Properties continua com o seu plano de investimento no centro logístico, em Vila Franca de Xira (Lisboa), onde também irá nascer um data center, que já tem licença de construção, tal como anunciou recentemente o responsável. E a intenção da SOCIMI espanhola passa também por “continuar a expandir a atividade em Portugal, porque a dinâmica do país é bastante positiva”, avança.

Claro está que, antes de fazer qualquer investimento imobiliário, a Merlin continua bem atenta aos potenciais efeitos contrários que um corte das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) possa trazer para o mercado. “Os estados estão fortemente endividados e precisam que o BCE baixe as taxas. Mas baixá-las demasiado cedo, por vezes, tem efeitos em alta sobre a inflação. E a inflação, quando começa a galopar, não é fácil de parar”, comenta Ismael Clemente.

Centro de dados em Portugal
Data center de Lisboa Merlin

Como prevê que a atividade imobiliária se vá desenrolar no segundo semestre do ano com a descida prevista das taxas de juro pelo BCE?

Não sei exatamente o que vai acontecer. A minha tese é que a inflação veio para ficar, pelo menos, por enquanto. Não será tão fácil baixá-la e, por isso, o facto de as taxas poderem ser reduzidas no curto prazo é interessante e, sem dúvida, terá algum efeito em termos de valorização do imobiliário. A deterioração das avaliações dos ativos irá parar, mas poderá ter um efeito contrário ao esperado no longo prazo. Historicamente, já aconteceu diversas vezes, espero que não seja o caso.

Espero que os bancos centrais tenham a situação perfeitamente sob controlo, porque baixar as taxas demasiado cedo pode ser perigoso. Compreendo perfeitamente as pressões, especialmente as políticas. Os estados estão fortemente endividados e precisam que o banco central baixe as taxas. Mas baixá-las demasiado cedo, por vezes, tem efeitos em alta sobre a inflação. E a inflação, quando começa a galopar, não é fácil de parar.

"Falou-se muito sobre o risco de o teletrabalho ameaçar o setor dos escritórios, mas agora não faz sentido"

Como se vão comportar os diferentes segmentos imobiliários em 2024?

A nível operacional estão a comportar-se de forma excelente. Enquanto não houver desemprego e queda no consumo, os centros comerciais vão continuar a ser a estrela do imobiliário depois de tantos anos de especulação.

Quanto aos escritórios, a situação na Europa - e em Espanha em concreto - é de equilíbrio entre a oferta e a procura, que é o mais importante no mercado: que não se gerem desequilíbrios entre a oferta e a procura. Enquanto a economia continuar a crescer e não houver deterioração de empregos, a ocupação dos escritórios não irá diminuir significativamente. Falou-se muito sobre o risco de o teletrabalho ameaçar o setor dos escritórios, mas agora não faz sentido. No final de contas, o que se viu é que uma coisa é dar ao trabalhador a flexibilidade de trabalhar um dia em casa, e outra é abdicar dos espaços de trabalho físicos e reduzir metros quadrados. Não, isso não aconteceu. Na verdade, estamos a assistir precisamente à situação contrária: há muitas empresas que estão a ampliar espaços nas reformas que estão a fazer.

Já a logística é o único setor em que um fenómeno de excesso de oferta poderá ocorrer, porque houve muitas empresas que acumularam espaços logísticos tendo por base a premissa de que o comércio online continuaria a crescer a dois dígitos. Como o comércio online cresceu recentemente a um dígito, há algumas empresas que poderão começar a ter excesso de espaços. Até porque, com a IA [Inteligência Artificial] as cadeias de abastecimento estão a tornar-se mais eficientes e os engenheiros de logística estão a tornar-se cada vez mais sofisticados em termos de utilização milimétrica dos espaços. Isso pode fazer com que haja uma pequena crise de excesso de oferta. E, se isso acontecer, vai haver ajustes nas rendas dos espaços, como acontece ao longo de todos os ciclos imobiliários.

Escritórios em Portugal
Sede da Nestlé Portugal, Lisboa Merlin

Como estão a correr os negócios imobiliários em Portugal?

Atualmente, a atividade da empresa em Portugal centra-se - tal como em Espanha - em quatro frentes: escritórios, centros comerciais, logística e data centers.

Temos um portfólio de escritórios de alta qualidade, de edifícios selecionados um a um, que estão 100% arrendados. Há uma série de mudanças que vão ocorrer nos próximos anos. Temos uma sede corporativa que vai ser desocupada pelo atual inquilino e vamos transformá-la em vários escritórios para receber muitos inquilinos. Temos também um edifício, o Liberdade 195 [antiga sede do Novo Banco], localizado numa das melhores zonas de Lisboa, que vamos remodelar.

Quanto aos centros comerciais, temos um dos três melhores de Portugal [o Almada Forum]. É um centro comercial espetacular, que quando comprámos deu cerca de 21 milhões de euros de "cash flow" e agora dá cerca de 27 milhões. Em algum momento, teremos de investir no ativo a nível estético para mudar um pouco a imagem.

No segmento da logística, temos uma grande área de desenvolvimento logístico em Vila Franca de Xira, onde originalmente tínhamos 225.000 m2 disponíveis para desenvolvimento. Foi construído o primeiro armazém de 47.000 m2, sobrando 180.000 m2. Agora, estamos a fazer duas coisas: a desenvolver mais 100.000 m2 de logística, um espaço que será anunciado nos próximos meses e, depois, uma parte do parque logístico vai ser utilizado para os nossos data centers.

A nossa atividade em Portugal é tremendamente satisfatória. Temos uma equipa totalmente local com escritório em Lisboa, que lá gere o nosso portfólio. E a verdade é que o fazem maravilhosamente bem.

"A nossa intenção é (...) continuar a expandir a atividade em Portugal, porque vemos que a dinâmica do país é bastante positiva"

Pretendem continuar a investir no mercado imobiliário português?

A nossa intenção, na medida do possível, é continuar a expandir a atividade em Portugal, porque vemos que a dinâmica do país é bastante positiva. Acredito que é um país que beneficiou muito bem do resgate da União Europeia, do FMI, tendo encontrado uma mão que o puxou para cima quando estava prestes a cair. E, a partir daí, começou a tomar medidas corretas do ponto de vista político e económico. É um país onde é muito fácil fazer negócios e esse é o segredo do seu sucesso. Portanto, aumentar a exposição em Portugal faz parte dos nossos planos.

Logística em Portugal
Parque Logístico Lisboa Merlin

Como está a correr o plano de desenvolvimento de data centers da Merlin?

O mercado de data centers continua igual há algum tempo: há muitos projetos que são anunciados, mas quase nenhum sai do papel. A situação para nós é muito boa, porque o mercado continua a desenvolver-se. Nos EUA, este mercado está praticamente esgotado, porque não há muito espaço para construir muitos mais data centers. Estamos a falar de um país que terá cerca de 31 gigabytes de capacidade instalada. É muito curioso que os EUA tenham todo esse desenvolvimento da indústria de data centers e a Europa esteja bastante atrasada. Isto indica que a adoção da IA ​​ainda é muito lenta na Europa face aos EUA, bem como a digitalização das empresas.

"Enquanto a habitação for uma arma política, não temos interesse em estar no mercado residencial"

Continuam sem apostar do mercado residencial. Porquê?

Enquanto a habitação for uma arma política, não temos interesse em estar no mercado residencial. Somos uma empresa muito grande e totalmente B2B. Portanto, somos uma empresa que atende outras empresas e esta é uma posição muito boa para se estar. Ao entrar no mercado imobiliário B2C, então, passamos a trabalhar diretamente com os consumidores, com os indivíduos, e isso muitas vezes estimula a atenção negativa dos meios de comunicação social, etc., o que não faz sentido para nós.

A Merlin Properties tem algum desinvestimento imobiliário previsto?

Vamos continuar mais ou menos com o nosso ritmo habitual. Tentamos rodar cerca de 1% da carteira todos os anos (ou seja, cerca de 100 milhões de euros). A ideia é essa. Mas, hoje, desinvestir é exatamente o que não se deve fazer neste mercado, porque quem dita as regras são os compradores. Vamos tentar manter o nosso ritmo de desinvestimento com leves oscilações para cima ou para baixo. Embora o nosso objetivo fosse vender 100 milhões ou 110 milhões por ano, há anos em que vendemos 180 e até 240 milhões de euros, porque foram anos em que o vendedor era ainda quem ditava as regras.

Escritórios em Lisboa
Edifício Monumental, Lisboa Merlin

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