Garantia dada por Vítor Amaral, líder da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC).
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Nova lei dos condomínios
Vítor Amaral, presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios APEGAC | Pexels

São muitos os portugueses que vivem num condomínio, o que nem sempre é fácil, visto que há regras a cumprir, despesas a pagar e conviver com vizinhos. E temas como a gestão de condomínios ou a administração de condomínios podem gerar discórdias entre condóminos. Mas há uma nova lei que promete trazer mudanças e vai chegar em breve. Falamos da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro de 2022, que entra em vigor este domingo, dia 10 de abril de 2022, e que revê o regime da propriedade horizontal.

São várias as novidades que traz, conforme já escrevemos. Em entrevista ao idealista/news, Vítor Amaral, presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), assegura, entre outras coisas, que o impacto da nova lei “não será grande para o mercado imobiliário”. 

Salientando que se aguardava “há muito uma lei que alterasse o regime da propriedade horizontal, que tem quase 60 anos e está absolutamente desajustado da realidade”, o responsável sublinha, no entanto, que foram dados “apenas pequenos passos”, tendo a Lei n.º 8/2022 algumas “imperfeições que vai fazer com que dela se retirem interpretações distintas”. 

Eis o que pensa Vítor Amaral sobre a nova lei dos condomínios, numa entrevista concedida por escrito ao idealista/news e que pode ser lida na íntegra em baixo. Neste artigo, o presidente da direção (APEGAC) debruça-se, em concreto, sobre os pontos positivos e negativos da nova lei dos condomínios.

Novas regras nos condomínios
Vítor Amaral, presidente da direção da APEGAC APEGAC

Que impacto terá para o mercado imobiliário e para o setor da gestão de condomínios a entrada em vigor da nova lei? Porquê?

O impacto não será grande para o mercado imobiliário, isto porque são poucas as medidas que, direta ou indiretamente, estão relacionadas com este mercado. Podemos considerar que há duas medidas de maior impacto: a primeira é a que impõe a apresentação de uma declaração dos encargos do condomínio e das dívidas que possa ter, no ato da escritura ou da celebração do documento particular autenticado; caso o adquirente prescinda da apresentação da declaração passa a ser o responsável por qualquer dívida do vendedor ao condomínio. A segunda medida de relevo é a responsabilidade que o novo proprietário passa a ter pelo pagamento das prestações ao condomínio, que se vençam após a aquisição, independentemente da altura em que foram aprovadas.

Estas medidas irão impor aos potenciais compradores um maior conhecimento sobre a realidade dos encargos de condomínio, o que até aqui não acontecia e uma maior transparência sobre a situação da fração perante o condomínio, por parte do vendedor. De qualquer forma, não cremos que seja fator desmobilizador dos negócios, até por estarmos ainda a viver um período de grande alta neste setor.

Assembleia de condomínio
Foto de fauxels no Pexels

No que respeita ao setor da gestão e administração de condomínios, estas medidas poderão potenciar o desenvolvimento desta atividade profissional, por exigirem uma maior habilitação para o exercício do cargo de administrador do condomínio, algumas delas de difícil interpretação e aplicação, com normas que não são claras, o que deixará aos doutrinadores e julgadores o campo aberto para diferentes conclusões e decisões.

Além disso, há também a responsabilidade do administrador, civil e criminal, agora plasmada na lei. Isto poderá levar a uma maior procura de profissionais do setor. Este aguardado crescimento deve ser acompanhado da aprovação da regulação da atividade, de forma a criar regras para o seu exercício, eliminando-se as más práticas que tanto descredibilizam aquela que é uma atividade de enorme importância socioeconómica e que lida com o património de quase cinco milhões de portugueses, que é, para a maioria, o investimento da vida.

Era uma lei que já devia ter entrado em vigor há mais tempo? Porquê?

Há muito que esta lei se aguardava; ou melhor, há muito que se aguardava uma lei que alterasse o regime da propriedade horizontal, que tem quase 60 anos e está absolutamente desajustado da realidade, e o que tivemos foi uma lei que deu apenas pequenos passos e, como tal, não era esta a lei que se aguardava e muito menos com as imperfeições que vai fazer com que dela se retirem interpretações distintas.

"(...) O que tivemos foi uma lei que deu apenas pequenos passos e, como tal, não era esta a lei que se aguardava e muito menos com as imperfeições que vai fazer com que dela se retirem interpretações distintas".

Há 60 anos teríamos menos de 5.000 condomínios; hoje temos cerca de 300.000. A administração profissional de condomínios era inexistente e hoje são cerca de 1.400 empresas que se dedicam a esta atividade; A complexidade atual dos condomínios, com piscinas, ginásios, campos de jogos, parques infantis, segurança ativa, etc., nada tem a ver com os condomínios de meados do século passado. Por isso, o regime encontrava-se completamente desatualizado e a APEGAC deu vários contributos à tutela para que o legislador passasse a olhar de forma diferente para o setor, que tem vindo a crescer exponencialmente nos últimos 30 anos, sem que haja qualquer regra que imponha, por exemplo, idoneidade comercial, habilitação, porta aberta ao público, seguro de responsabilidade civil, etc. Esta ausência de regulação, associada a algumas más práticas, potenciadas pela ausência de regulação, fez com que o setor fosse absolutamente descredibilizado e desconsiderado pela sociedade.

Há vários anos que, por exemplo, na vizinha Espanha, a declaração de dívida é um documento instrutório da alienação da fração e há muito que a APEGAC vem a exigir que fosse publicado um diploma legal idêntico, o que não obrigava sequer à alteração do regime da Propriedade Horizontal, sem qualquer sucesso.

"A complexidade atual dos condomínios, com piscinas, ginásios, campos de jogos, parques infantis, segurança ativa, etc., nada tem a ver com os condomínios de meados do século passado. Por isso, o regime encontrava-se completamente desatualizado (...)".

No que diz respeito às assembleias de condóminos, a convocação passa a poder ser feita por e-mail e as reuniões de condomínio podem começar a realizar-se virtualmente. São boas notícias? Porquê? É expectável que haja dificuldades nestes processos, nomeadamente com proprietários mais velhos e com menos conhecimentos tecnológicos?

A realização das assembleias virtuais já está prevista, embora de forma provisória, desde fevereiro de 2021. A experiência deste ano de aplicação da lei que permite as assembleias de condóminos virtuais, leva-nos a concluir que cada condomínio é uma realidade diferente. Em alguns condomínios, mais pequenos, até se consegue realizar as assembleias totalmente virtuais; nos de maior dimensão as assembleias ou são presenciais ou no modelo misto, ou seja, com alguns condóminos a participarem presencialmente e outros a participar por videoconferência ou outro meio de comunicação à distância.

"É absolutamente incompreensível que o legislador tenha eliminado da letra da lei, embora acredite que não do espírito da lei, a possibilidade de realização das assembleias no modelo misto, que são as que se realizam em maior número e que, em nada, prejudicam o bom funcionamento das mesmas (...)."

É absolutamente incompreensível que o legislador tenha eliminado da letra da lei, embora acredite que não do espírito da lei, a possibilidade de realização das assembleias no modelo misto, que são as que se realizam em maior número e que, em nada, prejudicam o bom funcionamento das mesmas; pelo contrário, têm permitido uma maior participação. Damos como exemplo o caso dos emigrantes que, desta forma, conseguem participar nas assembleias, ou dos condóminos que têm segunda habitação, no Algarve ou noutras regiões do país, longe da sua morada, que também têm participado nas assembleias, o que não faziam quando eram exclusivamente presenciais. 

Condomínios com novas regras
Foto de Christina Morillo no Pexels

A nova lei veio ainda clarificar quem é o responsável por pagar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio, dizendo que são responsabilidade dos condóminos proprietários no momento das deliberações, salvo disposição em contrário. As despesas do condomínio continuam, então, a ser acordadas por maioria? Há agora alguma alteração para quem não concorde com uma despesa a realizar? Por exemplo, com a pintura de um prédio?

Qualquer despesa do condomínio tem de ser aprovada por maioria da assembleia e não maioria do valor total do prédio.

Quem é proprietário de frações em condomínio é proprietário exclusivo da sua fração e coproprietário das partes comuns. Quanto ao interior da sua fração realizará as obras quando e da forma que entender, salvo algumas situações, como é o caso de demolição de paredes estruturais, etc. Já no que respeita às partes comuns está sujeito à vontade da maioria, o que significa que, mesmo votando contra, terá de se sujeitar ao que vier a ser aprovado, incluindo quanto às obras, desde que respeitada a lei.

A grande diferença entre ter uma moradia ou um apartamento, loja, escritório ou outra fração em prédio sob o regime da propriedade horizontal, é que na propriedade singular o seu proprietário, embora estando subordinado à lei, não tem de se submeter à vontade de terceiros, ao contrário do que acontece nos condomínios, que prevalece a regra da vontade da maioria.

"Não posso deixar de realçar a importância que o administrador tem na nossa sociedade, inclusive no que respeita à boa manutenção e conservação do nosso edificado e valorização do património de quase metade da população portuguesa. Irá ter um papel também de enorme importância na eficiência energética dos edifícios, que tem metas já de curto prazo, que estão longe de ser atingidas".

Não posso deixar de realçar a importância que o administrador tem na nossa sociedade, inclusive no que respeita à boa manutenção e conservação do nosso edificado e valorização do património de quase metade da população portuguesa. Irá ter um papel também de enorme importância na eficiência energética dos edifícios, que tem metas já de curto prazo, que estão longe de ser atingidas.

Apesar do administrador do condomínio estar no final da fileira da construção e do imobiliário e, assim, vir depois do arquiteto, engenheiro civil, construtor civil, fiscal de obra, comerciante de materiais de construção, promotor imobiliário e do mediador imobiliário, é o único que, apesar de entrar no fim, vai permanecer no prédio por toda a sua vida útil, com a enorme responsabilidade de o manter em condições de uso.

Certo é que, por ausência de regulação da atividade, o setor não é merecedor da distinção que devia ter, abrindo portas a players que entram no mercado sem qualquer habilitação, praticando preços absolutamente abaixo do custo do serviço, com o objetivo de encontrar rentabilidade por outros meios. Daí que seja indispensável, urgente, que o legislador cumpra o que está previsto na Lei de Bases da Habitação e regule definitivamente esta atividade.

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