Como se vai comportar o mercado imobiliário em 2023? E quais os desafios e oportunidades? Profissionais do setor respondem.
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Entre a euforia e a depressão. O ano de 2022 apresentou-se como um ano bipolar, até esquizofrénico e marcado por vários desafios na economia global, e também no setor da mediação imobiliária em Portugal. Houve atividade, dinamismo e negócios, a crescerem lado a lado com a incerteza, face à reviravolta que a Guerra na Ucrânia trouxe, num cenário de pós-pandemia. A inflação disparou, as taxas de juro começaram a subir e o poder de compra das famílias e de poupança caíram, com Portugal, ainda assim, a manter-se atrativo, como destino de investimento. O que esperar, afinal, de 2023? O idealista/news ouviu vários profissionais do imobiliário, procurando antecipar tendências e apontar desafios e oportunidades para o ano que aí vem e promete ser de curvas.

A mediação imobiliária tem dado boa resposta às crises, e os especialistas acreditam que a resiliência do setor vai manter-se no próximo ano. Depois de um 2022 dinâmico, e em alguns casos a bater recordes de vendas de casas e transações imobiliárias, 2023 avizinha-se, sem surpresas, como um ano desafiante, mas também de crescimento. As famílias portuguesas não terão a vida mais facilitada em termos de preços para comprar casa, embora se espere uma correção e ajustamento que, apesar disso, não será homogénea, uma vez o desfasamento da oferta face à procura é um problema grave que continua por resolver.

Os profissionais antecipam, por isso, uma natural retração ou adiamento das intenções de compra de casa, sobretudo para quem está dependente de financiamento bancário – que se espera mais rigoroso e criterioso. Sem rendimentos compatíveis com os valores praticados em grandes cidades, alguma procura vai ter de adaptar-se às circunstâncias, e apontar a mira às periferias, mas também a algumas zonas do interior. Já o investimento estrangeiro deverá manter-se constante e firme, com algumas nacionalidades a destacarem-se, de que são exemplo os norte-americanos.

Sem falsos otimismos, mas também sem alarmes, os mediadores fazem um balanço da atividade neste último ano, antecipando tendências para 2023.

Balanço de 2022: um ano dinâmico, mas “agridoce”

Em 2022, o mercado manteve-se dinâmico e registou-se um crescimento das transações imobiliárias, “o que comprova a resiliência do setor, mesmo num cenário de incerteza e de muitos desafios, como o que estamos a viver agora”, segundo Patrícia Santos, CEO da Zome. Para a responsável, o setor imobiliário continua a atrair muito investimento e a representar uma opção segura para investir, sendo “uma das formas mais rentáveis de aplicar o dinheiro”.

Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, também destaca 2022 como um “ano muito positivo para o setor imobiliário, pautado por uma procura muito superior à oferta, apesar do aumento das taxas de juro e da inflação”. Uma visão partilhada por Luís Nunes, CEO da ComprarCasa. “Passámos a ter recordes de inflação dos últimos 30 anos e de taxas Euribor dos últimos 15 anos. Mesmo com esta realidade, a verdade é que o ano 2022 terminará com números bastante interessantes no mercado imobiliário. Sente-se uma desaceleração do mercado, mas positivo”, diz.

taxas de juro
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As taxas de juro e a inflação são, de facto, um dos “temas quentes” do ano, e que têm impacto direto na atividade, assim como nos orçamentos das famílias. Beatriz Rubio, CEO da Remax, aponta-as como “dificuldades inesperadas e que influenciaram o mercado”, às quais é preciso juntar um “espectro de crise económica europeia em 2023”. Em 2022, de facto, a inflação disparou, assim como as taxas de juro, superando, inclusive, as previsões de muitos especialistas. E as subidas não devem ficar por aqui. O Banco Central Europeu (BCE) voltou a anunciar no final da semana passada uma subida dos juros em 50 pontos, e revelou que pretende continuar a aumentar as taxas “significativamente" no próximo ano, para assegurar o retorno “atempado” da inflação ao seu objetivo de 2% a médio prazo.

Trata-se de um cenário que compromete a capacidade financeira das famílias para pagar as suas despesas e cumprir, nomeadamente, o pagamento da prestação da casa ao banco. Apesar disso, no Boletim Económico de dezembro de 2022, o Banco de Portugal (BdP) indica que o esforço para pagar casa vai estabilizar para quem tem menores salários. De acordo com a análise do regulador, a generalidade das famílias com empréstimos a taxa variável (inclusive a hipoteca da casa) conseguirá manter o consumo de bens essenciais e satisfazer o serviço da dívida com os seus rendimentos em 2023. Ainda assim, também precisariam de novos apoios para compensar as subida das taxas de juro e inflação.

“O instrumento que os bancos centrais podem utilizar para influenciar a inflação é a taxa de juro. Aumentando a taxa de juro e, assim, limitando o aumento de dinheiro em circulação disponível, os preços deverão baixar ou subir mais lentamente. Mas torna-se mais caro emprestar dinheiro, pelo que as pessoas dispõem de menos. Esta medida tem, pois, um efeito repressor na economia”, comenta Frederico Abecassis, CEO da Coldwell Banker Portugal. E por isso, segundo o responsável, em 2022 já começou a verificar-se em algumas zonas geográficas, em clientes mais dependentes de financiamento, “algum recuo”. Por outro lado, diz que esta subida das taxas de juro não afeta o mercado internacional, “que se tem mantido fiel ao investimento em Portugal”.

“A procura de imóveis nos centros urbanos por parte de investidores ou clientes com maiores possibilidades foi constante, contudo as famílias de classe média procuram mais nas zonas periféricas das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, sendo evidente a procura crescente pelas zonas do interior do país”, confirma também Guida Sousa, Diretora Coordenadora Nacional da Decisões e Soluções.

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Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, acrescenta que, apesar do “arrefecimento que se começa a verificar nesta reta final do ano, estima-se que o número de casas vendidas, em Portugal, em 2022, aumente no mínimo 5%, em comparação com o ano de 2021, e o volume global de transações deve crescer um pouco mais, tendo em conta o aumento do valor médio dos imóveis transacionados”. Sobre as vendas recorde e transações, Juan-Galo Macià, presidente de Engel & Völkers Espanha, Portugal e Andorra, destaca a “forte procura dos clientes internacionais” que, refere, “tem contribuído para o crescimento constante dos preços imobiliários em Portugal nos últimos cinco anos”.

Uma visão partilhada por Rafael Ascenso, diretor geral da Porta da Frente Christie’s. O responsável frisa a capacidade de Portugal, pelas suas características, conseguir "atrair cada vez mais investidores estrangeiros, e manter uma tendência de crescimento em contraciclo com outros mercados como o americano e o sueco". "A verdade é os compradores internacionais, veem no país muitos atrativos para investir e viver. Qualidade de vida, clima ameno, facilidade de integração, segurança e custo de vida que continua a ser dos mais baixos da Europa", salienta. 

Para Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, o ano de 2022 não é fácil de descrever. “Podemos dizer que tudo vai bem com o nosso negócio, mas é impossível deixar de fora da equação tudo o que se passa ao nosso lado”, refere. “A curar as cicatrizes da pandemia vemo-nos confrontados com uma guerra na Europa, com uma crise nas cadeias de abastecimento de matérias-primas, que as tornou mais escassas e mais caras. E na segunda metade deste ano o forte impacto da inflação e o consequente aumento das taxas de juro, numa tentativa de a controlar, tornou muito difícil a vida dos portugueses. É, assim, um ano agridoce”, explica o responsável.

O que esperar do imobiliário para 2023

  • Preços das casas: estabilização e ajustamento

Os preços das casas em Portugal continuaram a subir em 2022. Os dados mais recentes do idealista revelam que, em novembro, as casas à venda ficaram 1,9% mais caras face ao mês anterior, custando 2.460 euros por metro quadrado (euros/m2) em termos medianos. A subida dos preços das casas para comprar foi visível em quase todo o território português, já que as casas ficaram mais caras em 17 capitais de distrito. Tendo em conta a variação trimestral e anual, os preços das casas para comprar em Portugal subiram 2,8% e 5,9%, respetivamente.

Mas além da falta de oferta para a elevada procura, há outros motivos que justificam o desequilíbrio no mercado residencial português que está a alavancar o custo de adquirir habitação, nomeadamente o emprego estável - os níveis de desemprego são os mais baixos da última década; a maior poupança das famílias; a disponibilidade dos bancos para conceder créditos habitação; o investimento estrangeiro; assim como a subida dos custos de construção, que voltaram a disparar com a guerra.

Dada a subida dos juros nos empréstimos da casa, e ao menor poder de compra devido à alta inflação que se faz sentir, a procura de casas poderá enfraquecer e, por conseguinte, abrir caminho para o arrefecimento do mercado imobiliário. Segundo uma análise recente do Financial Times (FT), o risco de desaceleração dos preços das casas é diferente em cada país, mas quase todos deverão sentir um abrandamento generalizado em 2023.

Esta perspetiva é partilhada pelos profissionais de mediação imobiliária portugueses. Ricardo Sousa, da C21, considera que “haverá, seguramente, no mercado de imóveis usados uma estabilização e definição mais racional dos preços de venda”, e lembra que este é um contexto muito diferente do que vivemos no passado. “Atualmente não há um excesso de endividamento das famílias, existe financiamento disponível e o risco de incumprimento com a subida das taxas de juro é muito inferior ao da última crise financeira, porque desde essa altura que os critérios de concessão de crédito se alteram radicalmente, para assegurar uma maior robustez e sustentabilidade do sistema”, defende.

Para Rui Torgal é assim provável que venhamos a assistir a “uma desaceleração da procura no setor imobiliário, traduzindo-se numa correção de preços que não será homogénea”. O responsável da ERA frisa, contudo, que “um possível ajustamento de preços não significa, de todo, uma quebra abrupta, na medida em que os fatores que contribuem para o valor atual das casas vão continuar a ser uma realidade: escassez de oferta, custos de construção e falta de mão de obra”. Uma visão igualmente partilhada por Beatriz Rubio, para quem é “natural” a que se “assistam a algumas descidas”, não obstante podermos, na mesma, “constatar subidas nos locais onde existe um enorme desfasamento entre a oferta e a procura, em si a principal causa da variação dos preços”. A responsável da Remax antecipa, da mesma forma, uma quebra da atividade em determinadas zonas, em resultado da redução da procura, assim como uma estabilização dos valores praticados.

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“Esperamos que 2023 seja um ano de atenuação do ritmo de crescimento médio dos últimos anos em número de transações. Se nos últimos 4 anos o mercado cresceu a um ritmo médio de quase 3% ao ano, este ano o crescimento espera-se significativamente menor, a tender para a estabilização. Isto partindo do princípio que também a inflação tenderá a estabilizar ou mesmo começar a diminuir e que, ao longo de 2023, conheceremos o nível de taxas de juro sensivelmente ao nível que temos agora”, sustenta Alfredo Valente. Para o responsável da iad Portugal, veremos muito provavelmente “uma retração mais forte do comprador nacional - mais sensível às condições financeiras do crédito - do que do comprador estrangeiro”.

O maior desafio para o consultor imobiliário em 2023, diz, será conseguir “gerir as expectativas dos seus clientes, já que é de esperar um alargamento do prazo médio da transação, por um lado, e da margem de negociação, por outro”. “O profissionalismo e a resiliência do consultor imobiliário vão ser verdadeiramente testados”, defende.

  • Comprar casa: mudança de critérios na procura?

É expectável que as taxas de juro continuem a subir ao longo de 2023, situação que irá obrigar os portugueses a redefinirem os seus critérios de procura de habitação, “nomeadamente o valor que podem despender para comprar casa e as zonas onde terão que procurar soluções habitacionais, de acordo com a oferta existente na respetiva gama de preços”, diz Ricardo Sousa.

Patrícia Santos considera que iremos assistir a uma pressão nos preços nas zonas de maior procura, pois a expectativa para 2023 é que esta pressão se mantenha nessas zonas, essencialmente em grandes cidades, como Lisboa e Porto, mas que este “fenómeno começa a verificar-se já nas zonas mais periféricas”. Por outro lado, nas zonas de menor densidade populacional, poderá haver uma correção de preços. Além disso, segundo a CEO da Zome, “será expectável uma redução na procura, especialmente nas camadas mais jovens e com menor capacidade de capitais próprios”.

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Já Guida Sousa acredita que, em 2023, “muitas famílias terão de colocar o seu imóvel à venda e descer o seu preço para gerar liquidez imediata, o que levará a um ajuste negativo dos preços de mercado, sob pena de ficarem estrangulados pela prestação ao banco durante meses a fio”. “A esta descida natural de preços, junta-se uma maior oferta de imóveis, por parte destas famílias. Esta entrada extra de imóveis no mercado vai originar uma maior redução dos preços, pois a subida da oferta é simultânea à descida da procura, por parte das famílias com menores recursos”, defende. Para esta responsável, a inflação não sendo acompanhada pelo aumento proporcional dos ordenados afeta o rendimento disponível das famílias e, consequentemente, a opção do tipo de casa a comprar. Acredita, por isso, que a opção destas famílias passe por comprar casas usadas mais baratas, para remodelar.

Por outro lado, salienta, “a procura por parte de clientes estrangeiros será cada vez maior”. “Desde a pandemia e com a intensificação do teletrabalho, Portugal tornou-se um país muito atrativo para estes investidores e a procura continuará a aumentar, sobretudo nos grandes centros urbanos e nas zonas litorais do país, o que fará com que os preços nestas localizações continuem muito altos, e quase, inacessíveis aos clientes nacionais”, defende a responsável da Decisões e Soluções.

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Rafael Ascenso considera, também, que o imobiliário continuará a ser o investimento mais seguro para 2023. Contudo, diz, haverá "efeitos opostos sobre o mercado de acordo com o desafogo financeiro das famílias". O diretor geral da Porta da Frente Christie’s dá o exemplo da maioria dos portugueses que, ao contrário dos estrangeiros - que têm o mesmo problema de inflação, mas que "encontram em Portugal um mercado imobiliário maduro a um preço muito inferior aos seus países de origem" -, vive "com um orçamento mensal sem folgas".

"Uma inflação de 10%, representa menos 100 euros por mês por cada 1000 euros de rendimento. Se somarmos a isso o aumento das taxas de juro que não só se refletem na prestação da casa mas também na do carro, chegamos à conclusão que uma família com um rendimento disponível médio de 2500,00 euros/mês e um empréstimo habitação, de repente fica com menos 500 a 600 euros por mês. E estes são os agentes que não vão procurar casa tão cedo e reduzem a procura", argumenta o responsável. 

  • Desafios e oportunidades

Rui Torgal não tem dúvidas de que as oportunidades continuarão a existir, “já que a casa é um bem de primeira necessidade e o imobiliário historicamente foi e sempre será um investimento seguro e de refúgio”. Para o CEO da ERA, o maior desafio é a incerteza – que ditará a estabilização do mercado, quando se dissipar -, mas também a “construção de obra nova a preços acessíveis à classe média portuguesa”, uma vez que não se resolverão a curto prazo os problemas inerentes aos custos de construção - agravados pela guerra na Ucrânia e fruto dos preços das matérias-primas, escassez de mão de obra e constrangimentos das cadeias de abastecimento – conjugados com a dificuldade nos processos de licenciamento.

“São vários os desafios que o setor tem pela frente, sendo provavelmente o aumento da oferta o principal deles”, sublinha ainda Beatriz Rubio. Para a CEO da Remax, é preciso “apostar no desenvolvimento das periferias, na desobstrução dos processos de licenciamento, travar a subida dos preços dos materiais de construção e da energia, fomentar a adaptação às novas tecnologias e a sustentabilidade ambiental das construções”. “2023 será sem dúvida um ano com imensos desafios, alguns dos quais crónicos”, frisa.

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Luís Nunes acredita que em 2023 “viveremos uma dinâmica de procura internacional, porque continuamos, claramente, a ser um país que “está de moda”, pela segurança, pela estabilidade, pelo clima, pela gastronomia...Temos que estar atentos e saber acrescentar valor ao consumidor internacional que, não duvidamos, nos irá procurar”. Além disso, o responsável da ComprarCasa considera que o próximo ano trará novidades no âmbito das soluções “green” para o imobiliário, isto é, alternativas sustentáveis e amigas do ambiente, sendo por isso importante estar cada vez mais atento a estas oportunidades construtivas.

Uma visão partilhada por Patrícia Santos, CEO da Zome, que aponta como tendências para 2023, entre outras, a aposta na sustentabilidade, “que implicará repensar os métodos construtivos de forma a tornar possível uma construção sustentável do ponto de vista ambiental, social, familiar, laboral e empresarial”; um simplex da habitação, pois acredita “que é urgente desburocratizar os processos que envolvem a nova construção e reabilitação, para responder às necessidades do mercado e adequá-las à capacidade financeira do portugueses”; e a adequação do financiamento à realidade do mercado, “criando soluções financeiras para franjas da sociedade, como por exemplo, os jovens que querem iniciar a sua vida de trabalho e não encontram no mercado soluções adaptadas às suas capacidades”.

“Em 2023, o mercado imobiliário em Portugal assentará em dois fortes pilares: a elevada procura do estrangeiro e o crescente interesse nacional criado pela pandemia. Irão surgir certamente novos desafios, mas o setor imobiliário provou, nos últimos anos, ter uma grande capacidade de adaptação e resiliência. No setor do luxo, as mudanças não serão tão bruscas, embora já estejamos a reparar que a decisão é mais lenta, mas não acreditamos numa diminuição da procura”, remata Juan-Galo Macià.

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